Autores: MV. Msc. Andressa Amaral – Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia – USP
Os períodos de gestação e lactação de cadelas compreendem diversas alterações fisiológicas e anatômicas que visam favorecer o crescimento de um ou mais fetos. Neste sentido, para que isso aconteça, é necessário haver nutrientes e energia em quantidades adequadas para a manutenção da vida da gestante/ lactante, bem como um excedente para proporcionar a multiplicação celular e o desenvolvimento de novos indivíduos.
As cadelas atingem a maturidade reprodutiva com, aproximadamente, 6 a 12 meses de idade. Entretanto, isto não significa que devam ser direcionadas tão prontamente para o acasalamento, uma vez que o ciclo reprodutivo se inicia quando a fêmea alcança 75% do peso adulto, ou seja, o seu desenvolvimento ainda não está completo e, por isso, o desafio fisiológico torna-se muito maior para esta cadela que, além de gestar e produzir leite, ainda precisa completar o seu amadurecimento físico (KLEIN, 2014).
A reprodução também é contraindicada em fêmeas obesas e que estejam abaixo do peso ideal, pois, na primeira situação, a presença de tecido adiposo no canal do parto dificulta a saída do filhote, ou seja, causa distocia (GERMAN, 2006). Na segunda situação, por sua vez, a desnutrição pode favorecer o nascimento de filhotes fracos e pequenos e eleva o risco de mortalidade neonatal (MCDONALD et al., 2014).
A gestação de cadelas tem duração mínima de 58 dias e máxima de 66 dias, sendo os dois primeiros terços um período com poucas alterações (mínimo ganho de peso, ausência de produção de leite e sem alterações de comportamento) e o último terço o período em que ocorrem mudanças fisiológicas, anatômicas e comportamentais mais evidentes (FONTAINE, 2012; KLEIN, 2014).
É no último terço da gestação, após o quadragésimo dia, que a cadela começa a ganhar peso de forma significativa em função do crescimento exponencial dos filhotes e seus anexos fetais, glândulas mamárias e produção de leite. As cadelas podem chegar a ganhar de 15 a 25% de peso corporal até o momento do parto (FONTAINE, 2012).
Neste momento, a cadela também tende a reduzir o seu nível de atividade voluntária ou tende a ficar mais ansiosa. Ela também pode se afastar ou buscar mais atenção (SANTOS; BECK; FONTBONNE, 2020). O crescimento exponencial dos filhotes é a causa da alta demanda energética deste período, que chega a aumentar em 35% a necessidade de ingestão calórica (NRC, 2006).Ao passo que a necessidade energética aumenta, observa-se, no entanto, uma redução da capacidade de distensão gástrica à medida que os filhotes ocupam mais espaço dentro do útero e preenchem cada vez mais a cavidade abdominal. A nutrição adequada torna-se um desafio para a fêmea, que precisa ingerir uma quantidade alta de calorias diárias, mas tem a limitação da capacidade gástrica para armazenar alimento (CASE, 2005; DEBRAEKELEER; GROSS; ZICKER, 2010). Assim, durante esta fase da gestação, recomenda-se que as fêmeas recebam alimentos de alta densidade energética, isto é, que possuam grande quantidade de calorias e nutrientes em um pequeno volume (CASE, 2005; NRC, 2006).
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Além do aumento da necessidade energética, observa-se também um aumento da necessidade de ingestão de macro e micronutrientes, como proteínas e aminoácidos, gorduras, minerais e algumas vitaminas, de forma que o perfil e as exigências nutricionais nesta fase, bem como na fase de lactação, são as mesmas de um filhote em crescimento inicial (até as 14 semanas de vida). Portanto, os alimentos formulados para crescimento de cães são indicados durante o período reprodutivo em função da sua composição, bem como sua alta densidade energética (superior a 4 quilocalorias por grama) (DEBRAEKELEER; GROSS; ZICKER, 2010).
Além disso, alguns nutrientes que antes não eram necessários para a manutenção de adultos, passam a ser necessários durante a fase de reprodução, como ácidos graxos ômega 3 (importantes para formação da retina, vias auditivas, sistema nervoso central e desempenho cognitivo dos filhotes) (HEINEMANN et al., 2005; HEINEMANN; BAUER, 2006; FEDIAF, 2011). É importante lembrar que, nesta fase, embora as necessidades sejam maiores, desde que a cadela consuma um alimento completo e balanceado para filhotes em crescimento (preferencialmente compatível com o seu porte), não existe necessidade de suplementações (FASCETTI; DELANEY, 2012; LOURENÇO, 2015).
De acordo com FASCETTI e DELANEY (2012), a lactação é o maior desafio nutricional na vida de uma fêmea. Em cães, este período tem duração de, aproximadamente, quatro semanas, com pico de produção de leite a partir da terceira semana, fase em que a cadela chega a produzir o equivalente a 8% do seu peso corporal em mililitros (mL) de leite, dependendo do número de filhotes (DEBRAEKELEER; GROSS; ZICKER, 2010).
A ingestão calórica da fêmea nessa fase dependerá do número de filhotes a serem amamentados e o estágio da lactação (primeira, segunda, terceira ou quarta semana) e é determinada por equações matemáticas descritas pelo National Research Council (NRC, 2006).
De acordo com a referência supracitada, uma cadela que pesa 10 kg, está no terço final da gestação e possui 8 filhotes, apresenta requerimento energético de 1002,3 kcal/dia e esta mesma cadela passa a requerer um total de 2.183,4 kcal/dia na quarta semana de lactação, ou seja, a amamentação destes filhotes aumentou em 117% a sua necessidade energética em relação à necessidade do terço final da gestação.
Além da maior demanda energética, o desenvolvimento dos filhotes também intensifica os cuidados maternos, que envolvem atenção, limpeza, aquecimento e até mesmo a educação dos filhotes. Essa situação exige muito empenho e presença constante da mãe e acaba por reduzir o tempo para atender suas próprias necessidades fisiológicas, o que, associado à alta demanda energética no período, pode culminar no seu emagrecimento, principalmente, a partir de 48 horas até 4 semanas pós-parto, quando a mãe quase nunca deixa o ninho e os cuidados maternos são mais intensivos (DEBRAEKELEER; GROSS; ZICKER, 2010; LEZAMA-GARCÍA et al., 2019; SANTOS; BECK; FONTBONNE, 2020).
De forma geral, é necessário reconhecer que esta cadela irá se alimentar, hidratar, defecar e urinar quando for conveniente para os filhotes e para si mesma, e não de acordo com a rotina e horários que eram antes impostos. A fim de minimizar os impactos deste período, recomenda-se que seja disponibilizado alimento de alta densidade energética e rico em nutrientes várias vezes ao dia.
Cabe ressaltar que alguns autores recomendam a alimentação ad libitum, ou seja, sem controle de quantidade e frequência (CASE, 2005; DEBRAEKELEER; GROSS; ZICKER, 2010). Entretanto, apesar deste manejo ser prático, é parcialmente questionável do ponto de vista da conservação do alimento industrializado que, em contato direto com o oxigênio e a luminosidade, sofre prejuízos à sua qualidade (GROSS et al., 1994; LIMA et al., 2013). Neste sentido, é possível permitir que a cadela controle a sua própria ingestão energética, mas não é necessário que seja disponibilizada a quantidade total diária de alimento de uma só vez. O fornecimento do alimento em porções ao longo do dia é uma forma de minimizar as perdas que interferem diretamente na qualidade do produto.
De acordo com FASCETTI e DELANEY (2012), o crescimento adequado dos filhotes é um reflexo do desempenho da mãe, o qual está diretamente relacionado à sua nutrição e saúde durante o período. Assim, podemos concluir que a nutrição adequada é a maior aliada nessa fase e, caso existam dúvidas ou preocupações, um médico veterinário sempre deverá ser consultado antes de serem realizadas medicações e/ou suplementações aparentemente inofensivas.
Material complementar: Para uma avaliação nutricional completa de fêmeas caninas e felinas é importante avaliar o escore de condição corporal e escore de massa muscular.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
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