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Perfil de macronutrientes e ingredientes de alimentos coadjuvantes para distúrbios gastrointestinais para cães e gatos comercializados no Brasil

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Autor(a): Lorenna Nicole Araújo Santos

Orientador(a): Ananda Portella Félix

Instituição: Universidade Federal do Paraná

Trabalho Classificado na 10ª Edição (2024) do Prêmio de Pesquisa PremieRpet®.

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Índice

Resumo

Cães e gatos podem ser acometidos por diversos distúrbios gastrointestinais, como enteropatias crônicas e insuficiência pancreática exócrina. Diante disso, as empresas pet food desenvolveram alimentos coadjuvantes para auxiliar no tratamento desses distúrbios, havendo algumas opções de produtos disponíveis no mercado brasileiro. O presente trabalho teve por objetivo analisar as concentrações de macronutrientes e ingredientes dos alimentos secos extrusados coadjuvantes destinadas a cães e gatos com distúrbios gastrointestinais disponíveis no mercado brasileiro. As pesquisas dos produtos foram feitas por meio de sites dos fabricantes e busca de termos booleanos na internet. Assim, foram encontrados 11 alimentos coadjuvantes para distúrbios gastrointestinais para cães, de 6 marcas distintas, e 5 alimentos coadjuvantes para distúrbios gastrointestinais para gatos, de 5 marcas distintas. As concentrações proteicas (PB) variaram menos para cães (21 a 25% e 55,7 a 64,4 g/1000 kcal) e mais para gatos (30 a 40% e 72,8 a 97,8 g/1000 kcal). Entretanto, as concentrações de extrato etéreo (EE) variaram principalmente nos alimentos para cães, sendo 5% até 18% de EE (14,5 a 43,9 g/1000 kcal). As concentrações de fibra bruta (FB) também variaram principalmente nas dietas para cães (1,9 a 12,6% e 5 a 39,3 g/1000 kcal), devido às dietas específicas para animais com constipação ou diarreia responsiva a fibra. As principais fontes proteicas, lipídicas e de fibras para cães e gatos foram: farinha de vísceras de aves e ovo em pó; gordura de frango e óleo de peixe e polpa de beterraba e casca de psyllium. Dessa forma, a pesquisa demonstra que os alimentos comerciais coadjuvantes para distúrbios gastrointestinais apresentam moderada PB, mas alta variação no EE e FB, principalmente para cães, sendo importante que o profissional escolha o alimento mais indicado para cada distúrbio específico.

Introdução

Os distúrbios gastrointestinais em cães e gatos podem variar de acordo com a etiologia das doenças. Contudo, os sinais clínicos comuns incluem diarreia aguda ou crônica, vômito e/ou anorexia (Case et al., 2011). Dentre esses distúrbios, pode- se citar alguns exemplos, como o megaesôfago, esofagite (Gualtieri, 2001), insuficiência pancreática exócrina, enteropatia crônica e linfangiectasia (Kathrani, 2020), além de reações adversas aos alimentos (Verlinden et al., 2006). Assim, um dos importantes aliados ao tratamento dos distúrbios gastrointestinais são os alimentos coadjuvantes.

Recomenda-se que os alimentos coadjuvantes para distúrbios gastrointestinais apresentem elevada digestibilidade das frações nutricionais, como proteínas e lipídios (Chandler, 2018), contenham concentração e tipo de fibras adequados e supram as calorias necessárias para o animal. No entanto, apesar dessas recomendações principais, pode haver grande variação nas concentrações dos macronutrientes e ingredientes utilizados nesses alimentos comerciais para cães e gatos. Diante disso, o objetivo desse estudo é realizar um levantamento mercadológico nacional das concentrações e fontes de macronutrientes de alimentos coadjuvantes para distúrbios gastrointestinais para cães e gatos.

Material e métodos

  1. Uma ampla busca pela internet foi realizada utilizando os termos booleanos: “alimento coadjuvante” OR “nutrição clínica” OR “dieta de prescrição” AND “gastrointestinal” OR “gastrointestinais” AND “cães” OR “gatos”. Além disso, foram consultados os sites das principais empresas que produzem alimentos para cães e gatos no Brasil. Quando as informações encontradas na internet não estavam completas, foram consultados os rótulos dos alimentos coadjuvantes em lojas especializadas.

    Dessa   forma,    foram    encontrados   11   alimentos   coadjuvantes   secos extrusados para distúrbios gastrointestinais para cães de 6 marcas distintas. Para gatos,   foram encontrados 5 alimentos coadjuvantes para distúrbios gastrointestinais de 5 marcas diferentes. Alimentos coadjuvantes úmidos e os destinados à distúrbios hepáticos e hipoalergênicos não foram incluídos no estudo. As informações coletadas dos níveis de garantia dos rótulos foram: concentração (%) de proteína bruta (PB), extrato etéreo (EE) e fibra bruta (FB) e energia metabolizável (EM) em kcal/kg. Com base nisso, foram calculadas as concentrações em gramas por 1000 kcal de PB, EE e FB. Ainda, foram avaliadas as fontes proteicas, lipídicas e de fibras dessas dietas, de acordo com a descrição apresentada pelo fabricante no rótulo. Foram calculados a média e desvio padrão da concentração em % e em g/1000 kcal de PB, EE e FB.

Resultados

Dentre os alimentos coadjuvantes para distúrbios gastrointestinais disponíveis no mercado brasileiro para cães, as concentrações de PB foram os que menos variaram (média = 23 ± 0,01% e 60,8 ± 3,28 g/1000 kcal), sendo entre 21 a 25% e 55,7 a 64,4 g/1000 kcal. Contudo, as concentrações de EE (média = 12,9 ± 0,03% e 34,5 ± 9,40 g/1000 kcal) variaram entre 5 a 18% e 14,5 a 43,9 g/1000 kcal e as de FB (média = 4,5 ± 0,03% e 12,8 ± 10,08 g/1000 kcal) entre 1,9 a 12,6% e 5 a 39,3 g/1000 kcal (Tabela 1). A média de EM das dietas foi de 3718 ± 330,69 kcal/kg, com variação de 3200 a 4291 kcal/kg (Tabela 1).

Ao contrário do encontrado para cães, para gatos, a maior variação observada foi nas concentrações de PB das dietas (média = 34,1 ± 0,04% e 84,7 ± 11,51 g/1000 kcal), as quais variaram de 30 a 40% e 72,8 a 97,8 g/1000 kcal. O EE (média = 16,6 ± 0,02% e 46,2 ± 4,92 g/1000 kcal) variou de 15 a 21,5% e 38,8 a 51,5 g/1000 kcal e a FB (média = 3,6 ± 0,01% e 9,2 ± 4,91 g/1000 kcal) entre 1,7 a 6,3% e 4 a 15,3 g/1000 kcal (Tabela 1). A média de EM das dietas foi de 4026 ± 164,68 kcal/kg, com variação de 3200 a 4291 kcal/kg (Tabela 1).

As principais fontes proteicas encontradas nas dietas para cães e gatos foram: farinha de vísceras de aves, ovo em pó, farinha de torresmo e glúten de milho. As principais fontes lipídicas foram: gordura de frango, óleo de peixe e banha suína. As principais fontes de fibras encontradas foram: polpa de beterraba, celulose, lignocelulose, casca de psyllium e linhaça (Figura 1).

Tabela 1. Concentrações (% e g/1000 kcal na matéria natural) de proteína bruta (PB), extrato etéreo (EE), fibra bruta (FB) e energia metabolizável (EM) de dietas para distúrbios gastrointestinais para cães e gatos.

Figura 1: Principais fontes proteicas, lipídicas e de fibras em alimentos coadjuvantes para distúrbios gastrointestinais para cães e gatos. A % indica o percentual das dietas que apresentaram o ingrediente.

Discussão

Mais de 50% dos casos de enteropatias crônicas em cães são considerados responsivos aos alimentos (Dandrieux, 2016). Inclusive, estudos demonstram a importância das formulações específicas para distúrbios gastrointestinais para melhorar os sinais clínicos durante o tratamento e prevenir a sua recorrência (Guilford et al., 2001; Rudinsky et al., 2017; Lenox, 2021).

Dentre as características nutricionais chave de um alimento coadjuvante para distúrbios gastrointestinais tem-se a concentração e digestibilidade da fração proteica. Embora não haja uma recomendação específica sobre a concentração proteica dietética, devido aos diversos tipos de distúrbios gastrointestinais (ABINPET, 2024), é comum que esses alimentos para cães e gatos apresentem PB moderada proveniente de fontes de alta digestibilidade. A PB dietética elevada pode superestimular secreções gástricas e pancreáticas, podendo haver impacto negativo em pacientes com pancreatite e insuficiência pancreática exócrina (Lenox, 2021). Além disso, o excesso de PB dietética pode aumentar a produção de metabólitos fermentativos com potencial inflamatório para a mucosa intestinal, como amônia e p-cresol (Ephraim et al., 2020). No presente estudo, a maioria dos alimentos para cães apresentou concentração de PB entre 20 a 23% e para gatos entre 30 a 33%, atendendo as recomendações mínimas da FEDIAF (2021).

Mais de 60% das dietas para cães e gatos apresentaram farinha de vísceras de aves e ovo em pó como principais fontes proteicas, além do glúten de milho 60 e farinha de torresmo (40% das dietas). Essas fontes proteicas são consideradas de alta digestibilidade, principalmente quando bem processadas. Essas farinhas podem apresentar digestibilidade da PB acima de 86% (Kawauchi et al., 2014; Murakami et al., 2018), enquanto o glúten de milho 60 e o ovo em pó acima de 90% para cães e gatos (Andrade et al., 2019; Golder et al., 2020).

Além desses ingredientes, fontes proteicas hidrolisadas, comuns em alimentos para hipersensibilidade alimentar (Loeffler et al., 2006; Puigdemont et al., 2006), podem colaborar com a redução da resposta inflamatória nos distúrbios gastrointestinais, devido à sua alta digestibilidade e baixa alergenicidade (Ziese e Suchodolski, 2021). Apesar disso, apenas um produto utilizava esse ingrediente em dietas para cães e dois para gatos.

Em relação aos lipídios, há controvérsias sobre a sua restrição dietética ou não. A restrição de EE é geralmente recomendada apenas em casos de má absorção de lipídios, como linfangiectasia e alguns casos de pancreatite (Okanishi et al., 2014). Concentrações moderadas de lipídios na dieta contribuem com a densidade calórica do alimento, auxiliando na redução do volume das refeições, na ingestão calórica do paciente e no fornecimento de ácidos graxos essenciais (Lenox, 2021). Essas recomendações estão de acordo com o encontrado nos rótulos dos alimentos, sendo que a maioria das dietas para cães apresentou moderado teor de EE (entre 9 a 16%). Apenas uma dieta para cães apresentou baixo teor de EE (5%), sendo seu conteúdo próximo ao mínimo recomendado pela FEDIAF (2021). Entretanto, cabe ressaltar que esse produto apresentou indicação específica para distúrbios gastrointestinais que necessitem de restrição lipídica. Já, gatos são mais tolerantes às maiores concentrações dietéticas de EE (Lenox, 2021), sendo que as dietas avaliadas para essa espécie apresentaram de 15 a 21,5% de EE.

As principais fontes lipídicas utilizadas nos alimentos investigados foram gordura de frango (mais de 70% dos alimentos) e óleo de peixe (quase 100% dos alimentos). A gordura de frango apresenta alta digestibilidade e concentração de ácidos graxos essenciais da série ômega 6. Já, o óleo de peixe é rico em ácidos graxos da série ômega 3, como o eicosapentaenoico e docosahexaenoico (Bauer, 2011), os quais podem contribuir com o controle da inflamação nos distúrbios gastrointestinais (Lenox, 2021).

As fibras não são nutrientes essenciais para cães e gatos. Entretanto, ao serem fermentadas pela microbiota intestinal, produzem ácidos graxos de cadeia curta (AGCC), dependendo da fonte utilizada (Montserrat-Malagarriga et al., 2024). Sua alta inclusão nas dietas objetiva auxiliar no reestabelecimento da eubiose, constipação e em casos de diarreia responsiva a fibra (Freiche et al., 2011; Rossi et al., 2020), como o alimento B4 para cães. Contudo, a literatura sugere quantidades moderadas de fibras em alimentos para distúrbios gastrointestinais, já que seu excesso pode ocasionar redução na digestibilidade dos nutrientes e diluição da densidade calórica da dieta (Fekete et al., 2001). Com exceção do alimento B4 para cães (12,6% de FB), as dietas continham moderado teor de FB (2 a 7% para cães e 2 a 5% para gatos).

Minamoto et al. (2019) observaram que cães com enteropatia crônica apresentaram diminuição nas concentrações fecais de AGCC. Dessa forma, fornecer fibras solúveis moderadamente fermentáveis na dieta pode contribuir com a produção de AGCC, reestabelecimento da eubiose e auxiliar no controle da diarreia (Félix et al., 2012). Por outro lado, concentrações moderadas de fibras insolúveis na dieta podem contribuir com a normalização do peristaltismo e aumento da consistência fecal (Tortola et al., 2009; Fischer et al., 2012).

Dentre as fontes de fibras presentes nos alimentos avaliados, a polpa de beterraba foi a principal fonte solúvel de moderada fermentação, sendo encontrada em quase todos os alimentos coadjuvantes para cães e gatos. Enquanto a casca de psyllium e a celulose foram as principais fontes de fibras insolúveis encontradas.

Conclusão

Os alimentos secos extrusados coadjuvantes para distúrbios gastrointestinais comercializados no Brasil apresentam moderada PB para cães e moderada a alta PB para gatos. Porém, apresentam alta variação nas concentrações de EE e FB, principalmente para cães. Todos os alimentos apresentam ingredientes potencialmente de alta digestibilidade, sendo importante que o profissional escolha o alimento mais indicado para cada distúrbio gastrointestinal específico e resposta individual do animal.

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