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INFLUÊNCIA DA IDADE E DO TIPO DE ALEITAMENTO SOB A PERMEABILIDADE INTESTINAL DE CÃES FILHOTES

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Autor(a): Marcio de Paula

Orientador(a): Professor Doutor Fábio Alves Teixeira

Instituição: Faculdade Anclivepa

Trabalho Classificado na 10ª Edição (2024) do Prêmio de Pesquisa PremieRpet®.

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Índice

Resumo

Entender a dinâmica de permeabilidade intestinal auxilia nas situações de doenças além de permitir o uso de cães como modelo experimental. Porém, pouco se conhece a respeito do efeito da idade, do tipo de aleitamento (natural versus artificial), e o perfil do alimento usado no aleitamento artificial sob a integridade intestinal, bem como se há mudança na permeabilidade intestinal entre a fase de aleitamento e alimentação sólida de cães. Assim, o objetivo principal desse estudo é investigar se a permeabilidade intestinal dos filhotes sofre influência da forma de aleitamento realizado. Foram selecionados Golden filhotes, nascidos em canil de maneira controlada, que serão separados em quatro grupos: um mantido sob aleitamento materno e outros três mantidos sob aleitamento artificial cada um com uma fórmula comercial de sucedâneo canino. Inicialmente os filhotes foram mantidos com as respectivas mães, durante 24 horas, para aleitamento colostral. Na sequência, foram mantidos separados das mães e cada grupo seguiu com o respectivo aleitamento até os 30 dias de vida e diariamente foram pesados e escore fecal avaliado. Aos 30 dias, passaram a receber alimento comercial seco extrusado para filhotes. Aos 28 dias de vida e na 10ª semana de idade foi realizado o teste de permeabilidade intestinal, que consiste na mensuração da concentração sérica de iohexol após 2 horas da administração desse contraste (700 mg/kg) por via oral. Estas foram comparadas entre os filhotes sob aleitamento artificial e materno, entre as idades e em comparação a banco de dados de animais adultos saudáveis, por meio de testes estatísticos. Na comparação entre grupo aleitamento materno versus artificial, não houve diferença na concentração sérica de iohexol. Porém quando a comparação foi realizada entre todos os filhotes no 28º dia de vida (final do aleitamento) e todos por volta da 10ª semana de vida, houve redução na concentração de iohexol nos filhotes quando mais velhos do que durante aleitamento [30,0 µg/mL (10,2 a 93,0) versus 20,7 µg/mL (3,9 a 42,3), p = 0,0364]. Sem diferença entre cães adultos (n= 25, com idade média de 4,7 anos) e os filhotes. Assim, cães filhotes da raça Golden Retriever apresentam redução na permeabilidade intestinal conforme crescem do 28º dia de vida para a 10ª semana, sem diferença pela modalidade de aleitamento (artificial ou materno) e em comparação a cães adultos saudáveis de diferentes portes e idades.

Introdução

O trato gastrointestinal é uma das formas de interação do corpo com o ambiente. Por meio dele há o contato do organismo com itens nocivos, como microrganismos e antígenos alimentares, que precisam ser impedidos de atravessar a barreira intestinal (CAVE, 2013; KLENNER et al., 2009). Da mesma forma, algumas moléculas benéficas devem conseguir ultrapassar o epitélio intestinal por difusão simples. Esse controle de permeabilidade intestinal faz parte da função da barreira mucosa e em parte é feito pelas junções celulares chamadas de tight junctions (KLENNER et al., 2009; SUCHODOLSKI, 2013).

Várias situações gastrointestinais podem causar lesão no epitélio intestinal que levará a aumento na permeabilidade intestinal, com risco de translocação de antígenos ou patógenos através da mucosa intestinal (SUCHODOLSKI, 2013). Estudos comprovam esse aumento da permeabilidade intestinal nas reações adversas ao alimento, nas enteropatias crônicas, na insuficiência pancreática exócrina, nas disbioses, enteropatias por sensibilidade ao glúten, parvovirose, giardíase, quando a falta de nutrientes no lúmen intestinal, e injúrias intestinais por isquemia e reperfusão e pelo uso de anti-inflamatórios não esteroidais (GARDEN et al., 1998; ISHII et al., 2020, 2022; MOHR et al., 2003; REISINGER et al., 2022; RUTGERS et al., 1995, 1996; SØRENSEN et al., 1997).

Por outro lado, a ruptura das junções celulares com consequente aumento da permeabilidade pode ser fator predisponente a quebra da chamada tolerância oral, que é a ausência de reatividade imunológica contra antígenos obtidos por via oral, principalmente aos alimentares (CAVE, 2013). A interação do sistema imune, possivelmente por alteração da permeabilidade intestinal, com itens aos quais não deveria reagir pode ser a causa de alergias, entre elas os quadros de atopia induzida por alimentos ou reações adversas ao alimento (CAVE, 2013; CRAIG, 2016).

Outra situação grave causada por alteração da permeabilidade intestinal é a translocação de microrganismos patogênicos do lúmen intestinal para a corrente sanguínea, os quais podem alcançar diferentes locais no corpo e resultar em septicemia e óbito (MOHR et al., 2003).

A estimativa da permeabilidade intestinal também pode ser interessante como forma de avaliar a evolução das doenças de acordo com os tratamentos instituídos, avaliar os efeitos dos medicamentos, além da influência da nutrição sob o epitélio intestinal (HALL; BATT, 1990, 1991; KLENNER et al., 2009; MOHR et al., 2003; SMECUOL, 2001; WYATT et al., 1993).

Para a avaliação da permeabilidade intestinal pode ser utilizada a técnica de recuperação de marcadores exógenos, administrados por via oral, que não sejam metabolizados no intestino. O aumento na recuperação desses marcadores no soro ou na urina indica aumento da permeabilidade intestinal, enquanto a redução pode ser entendida como diminuição na capacidade absortiva do marcador em questão (SUCHODOLSKI, 2013).

O uso do marcador iohexol – um contraste radiográfico – como forma de avaliação da permeabilidade intestinal já foi validado para uso em cães (KLENNER et al., 2009). Essa técnica já foi utilizada para comparar a permeabilidade intestinal entre cães saudáveis e indivíduos com insuficiência pancreática exócrina, inflamações intestinais e síndrome da diarreia aguda hemorrágica (ISHII et al., 2020, 2022; REISINGER et al., 2022), pois é melhor ou tem mesmo potencial como marcador de permeabilidade intestinal em comparação a outros indicadores clássicos (FRIAS et al., 2012b; L. HALME, 2000).

Além das situações de doença, conhecer a permeabilidade intestinal de animais saudáveis em diferentes estágios fisiológicos é fundamental para se determinar parâmetros de referência, entender melhor a fisiopatogenia das diferentes situações ditas como causas ou consequências de alteração da permeabilidade intestinal e facilitar a compreensão da farmacocinética de medicações. Os cães são usados muitas vezes como modelo experimental para avaliação de absorção de medicamentos destinados tanto a animais como humanos (DAHLGREN et al., 2016).

Em cães, há poucos estudos que tenham avaliado a permeabilidade intestinal de animais saudáveis em diferentes estágios fisiológicos (GARDEN et al., 1998; WEBER et al., 2002). Além disso, ao longo do crescimento, os filhotes apresentam mudanças no trato gastrointestinais que justificam alterações na sua permeabilidade, como recebimento de colostro (PATT, 1977). Além disso, é esperado que haja mudanças na permeabilidade intestinal quando diferentes perfis nutricionais são utilizados no período de aleitamento e quando o animal muda do recebimento do leite para alimento sólidos, visto que a presença de compostos que atuam como prebióticos podem alterar a estrutura gastrointestinal (AMBROSINI et al., 2020; MOINARD et al., 2020; WESTERBEEK et al., 2011). Entretanto, pouco se conhece a respeito do efeito do tipo de aleitamento (natural versus artificial), e o perfil do alimento usado no aleitamento artificial sob a integridade intestinal, bem como se há mudança na permeabilidade intestinal entre a fase de aleitamento e alimentação sólida de cães.

Assim, o objetivo desse estudo foi investigar se a permeabilidade intestinal dos filhotes antes do desmame sofre influência da forma de aleitamento realizado; avaliar se a forma de aleitamento dos filhotes caninos impacta na permeabilidade intestinal de filhotes após o desmame e comparar a permeabilidade intestinal de cães filhotes com os dados de animais adultos.

Material e métodos

  1. O estudo foi realizado de acordo com os princípios éticos da experimentação animal, sob aprovação da Comissão de Ética no Uso de Animais da instituição. Para execução do estudo, inicialmente foram selecionados, de um canil experimental, quatro fêmeas gestantes (n=4) da espécie canina, raça Golden Retriever, com 2 a 6 anos de idade e clinicamente saudáveis, mantidas na instituição. Sob mesmo manejo ambiental e alimentar. Somente foram inclusas fêmeas com manejo nutricional uniforme à base de alimentação comercial. Os filhotes nascidos de tais gestações foram incluídos no estudo (devido à ausência de dados na literatura não foi possível o cálculo de n amostral mínimo) e constituíram quatro grupos experimentais, com base no tipo de aleitamento durante o período neonatal: Grupo aleitamento materno (expectativa de n=8): filhotes mantidos sob aleitamento materno e grupo aleitamento artificial com três diferentes fórmulas comerciais (expectativa de n=24): filhotes mantidos sob aleitamento por diferentes fórmulas de substituto do leite.

    Após 24 horas com aleitamento colostral diretamente nas respectivas mães, os filhotes foram mantidos separados do contato materno, em ambiente controlado. Nos momentos de amamentação, o protocolo de manejo seguiu com o aleitamento (25kcal/100g de peso corporal, conforme aceitação dos filhotes) e estímulo à micção e defecação até os 30 dias de vida. Nesse período, todos os neonatos foram avaliados imediatamente ao nascimento, 12 horas após o parto e, em seguida, diariamente, quanto ao peso, desenvolvimento corpóreo, neurológico e estado clínico, além do aspecto e consistência das fezes por meio de escore fecal de filhotes (GRELLET et al., 2012).

    Aos 28 dias de vida, todos os cães passaram pelo teste de permeabilidade intestinal. Aos 30 dias de vida, os animais passaram a receber alimento comercial seco extrusado, sob quantidade definida de acordo com a fórmula de necessidade energética para cães em crescimento (NRC, 2006). Ao atingirem entre 8 e 12 semanas de idade foi realizada nova avaliação da permeabilidade intestinal.

    No momento do teste de permeabilidade intestinal, os animais receberam por via oral, após jejum mínimo de 6 horas, 2mL/kg de peso corporal de iohexol (Omnipaque-350 mg/mL) (KLENNER et al., 2009), via sonda orogástrica. Após 2 horas da administração, amostras de sangue (2 mL) foram coletadas em tubo tipo vaccutainer com gel ativador de coagulação e mantidas ali por 30 minutos para posterior centrifugação a 3500 rpm por 5 minutos para obtenção do soro, que foi congelado a -80º C. Ao final do estudo, as amostras de soro foram enviadas para o Gastrointestinal Laboratory da Texas A&M University, nos EUA, no qual a concentração sérica de iohexol foi analisada por metodologia de cromatografia líquida de alta performance (FRIAS et al., 2012a; KLENNER et al., 2009).

    As concentrações de iohexol foram comparadas entre aleitamento materno e aleitamento artificial, entre as idades e comparados com banco de dados de concentração de iohexol de cães adultos saudáveis. Tais comparações foram realizadas por meio de testes estatísticos (Wilcoxon ou teste T), de acordo com a normalidade residual (distribuição de Gauss) e homogeneidade das variâncias, considerando o nível de significância de 5% (p≤0,05).

Resultados

O grupo de cães com aleitamento materno foi constituído por oito filhotes, porém um foi excluído devido a não participação na segunda etapa do estudo. A mesma desistência ocorreu com cinco animais do grupo aleitamento artificial, que foi constituído de 19 animais, sendo seis cães na primeira fórmula, sete no segundo sucedâneo e seis no terceiro substituto do leite.

Na comparação entre grupo aleitamento materno versus artificial, não houve diferença (p>0.63) na concentração sérica de iohexol (tabela 1). Porém quando a comparação foi realizada entre todos os filhotes no 28º dia de vida (final do aleitamento) e todos por volta da 10ª semana de vida (já consumindo alimento comercial seco extrusado indicado para filhotes), houve redução na concentração de iohexol nos filhotes quando mais velhos do que durante aleitamento [30,0 µg/mL (10,2 a 93,0) versus 20,7 µg/mL (3,9 a 42,3), p = 0,036].

Já o grupo de animais adultos foi composto pelo banco de dados de 25 cães adultos saudáveis, com idade média de 4,7 anos (variando de 1 a 10 anos) que passaram pelo mesmo teste de permeabilidade intestinal com administração de iohexol. Não houve diferença (p>0,16) entre a concentração sérica de iohexol entre os animais adultos e todos os filhotes, nos dois momentos avaliados.

Ao longo do estudo, todos os filhotes mantiveram adequado escore fecal e o peso não diferiu entre os dois grupos de filhotes, nos dois momentos avaliados.

Discussão

Foi realizado estudo comparativo entre a permeabilidade intestinal de cães filhotes sob aleitamento materno e artificial. Optou-se por dividir os animais entre quatro grupos (um aleitamento materno e três diferentes fórmulas de substituto do leite), considerando que o objetivo não era avaliar a composição específica de um sucedâneo em si, mas sim as modalidades de aleitamento.

Diferente do esperado, não houve diferença entre a permeabilidade de cães filhotes e adultos. A hipótese de diferença se deu com base em estudos anteriores que mostraram que filhotes tem aumento da permeabilidade intestinal. Os caninos filhotes já nas primeiras horas de vida apresentam aumento da permeabilidade intestinal, com intuito de conseguir absorver as imunoglobulinas do colostro. Porém esse aumento de permeabilidade começa a reduzir após 4 horas de vida, mantendo-se até 12 horas de idade (CHASTANT-MAILARD et al., 2012).

O fato de não ter sido observada a diferença entre adultos e filhotes pode ter relação com o fato de ter sido padronizada a raça dos filhotes, como cães Golden Retriever, portanto animais de grande porte, enquanto houve variação de porte dos animais adultos saudáveis. Estudo anterior (WEBER et al., 2002) mostrou que há variação de permeabilidade com porte, sendo maior nos animais de grande porte, o que inclusive justificaria a piora qualidade fecal que ocorre nesses animais.

Nos dados aqui apresentados, percebeu-se redução da permeabilidade dos filhotes após finalização da fase de aleitamento e com animais comendo alimento seco extrusado. Essa mudança pode se dar pelo desenvolvimento dos filhotes ou pela mudança alimentar. Acredita-se que a mudança no fornecimento de oligossacarídeos ao longo do crescimento possa influenciar a saúde intestinal. Nesse estudo não foi avaliado a quantidade desse tipo de carboidrato no leite materno nem nos substitutos de leite, assim como no alimento seco extrusado, que continha prebióticos (frutoligosacarídeos e mananoligosacarídeos) que poderiam ter relação com a saúde intestinal. Estudo já mostrou que ao longo da evolução da lactação, há mudança na quantidade de oligossacarídeos, o que poderia ter relação com a integridade e permeabilidade intestinal dos filhotes (MACIAS ROSTAMI et al., 2014). A similaridade na concentração de iohexol entre cães filhotes sob aleitamento materno e artificial poderia então ser justificada pela presença dos oligossacarídeos também nos alimentos substitutos do leite materno, entretanto essa comparação é difícil de ser realizada visto que os fabricantes não detalham a composição em quantidade e não se sabe a composição disso no leite materno.

Além disso, a microbiota intestinal dos filhotes certamente desempenha algum papel na integridade entérica conforme acredita-se que ocorra em crianças (YAO et al., 2021). Mas isso não foi avaliado nesse estudo, estando entre pontos a serem abordados em estudos futuros. O estudo da saúde intestinal em filhotes pode auxiliar na prevenção de doenças como enteropatias crônicas, cada vez mais frequente na rotina clínica, mas novos estudos precisam ser conduzidos para melhor entendimento desse importante tópico.

Conclusão

De acordo com o delineamento desse estudo e com base na análise de iohexol sérico após fornecimento por via oral, pode-se concluir que cães filhotes da raça Golden Retriever apresentam redução na permeabilidade intestinal ao crescerem do 28º dia de vida para a 10ª semana, sem efeito da modalidade de aleitamento (artificial ou materno), e em comparação a cães adultos saudáveis de diferentes portes e idades, não há alteração na permeabilidade intestinal.

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