Pesquisar
Close this search box.

Evolução da imagem ultrassonográfica de lama biliar grave após introdução de alimentação com baixos níveis de gordura. Relato de dois casos

Logo Prêmio de Pesquisa PremieRpet
Logo Prêmio de Pesquisa PremieRpet
Autor(a): Maria Carolina Farah Pappalardo

Orientador(a): Thiago Henrique Annibale Vendramini

Instituição: Faculdade e Medicina Veterinária e Zootecnia da universidade de São Paulo – FMVZ- USP

Trabalho Classificado na 10ª Edição (2024) do Prêmio de Pesquisa PremieRpet®.

[Arquivo PDF][Acervo completo]

Índice

Resumo

As alterações relacionadas à mudança de consistência da bile, como a lama biliar, são comuns no atendimento de rotina do cão. Os estudos mostram que existe uma mudança nas concentrações de ácidos biliares e colesterol biliar nessas alterações. Consequentemente, o entendimento da influência do uso de medicações e alimentações que visem diminuir as alterações relacionadas aos distúrbios lipídicos séricos e biliares, são de extrema importância para entendimento do tratamento clínico da lama biliar. Estudos mostram que a hiperlipidemia, obesidade e as endocrinopatias são fatores predisponentes às doenças da vesícula biliar. Sendo que o alimento com alto teor de gordura pode predispor à formação de lama biliar e mucocele em alguns animais. O objetivo deste trabalho foi relatar a evolução da lama biliar grave em dois cães após início de alimentação hipocalórica. O primeiro caso relata a evolução do quadro de um cão, da raça Border Collie, 8 anos, macho. E o segundo, um cão, chihuahua, 7 anos, macho, ambos com diagnóstico ultrassonográfico de lama biliar grau 4, com tratamento medicamentoso, mas sem uso de alimentação hipocalórica. Os pacientes não apresentavam melhora da imagem ultrassonográfica com uso restrito de medicamentos. Após o início da dieta com baixos níveis de gordura, houve regressão da imagem de lama biliar grau 4 para grau 1. Portanto, o manejo nutricional com dieta hipocalórica e com redução dos teores de inclusão de gordura, possibilitou a melhora da imagem da lama biliar grave após 60 dias.

Palavras-chave:         alimentação,   cães,   endocrinopatia,           lama    biliar,   obesidade, síndrome biliar.

Introdução

As alterações da vesícula biliar são cada vez mais comuns nos cães. A lama encontra-se entre as alterações mais evidentes na rotina clínica nos últimos anos. A lama biliar é o acúmulo de bile densa identificada através do ultrassom abdominal (US) e pode ser classificada em móvel ou imóvel (TSUKAGOSHI, 2011). O conteúdo observado em seu interior é ecogênico em sombra acústica e geralmente consiste em cristais monohidratos de colesterol, bilirubinato de cálcio ou outros sais de cálcio (PAZZI, 2003).

Este distúrbio é um achado frequente em cães e em pequena quantidade pode ser considerado como fisiológico. O tempo de jejum e tipo de alimentação podem influenciar na formação de pequenas quantidades de lama biliar, sem caracterizar um quadro disfuncional na vesícula. No entanto, quando a lama ocupa grande parte da vesícula e não tem relação com tempo de jejum, pode acarretar inflamação de parede, estase biliar e/ou obstruções (DEMONACO, 2016).

Existe também a discussão de que a lama biliar possa predispor à formação de mucocele biliar (MIZUTANI, 2016). Em um dos cães incluídos no estudo de Mizutani et al. (2016), a doença da vesícula biliar progrediu de lodo biliar para mucocele da vesícula biliar. A mucocele da vesícula biliar é caracterizada como um acúmulo anormal e imóvel de muco no lúmen em consequência do aumento de células secretoras de mucina combinada com a hipomotilidade da vesícula (KAKIMOTO, 2016).

Alguns pacientes podem apresentar maior predisposição à essas alterações, entre eles, os endocrinopatas, como também os acometidos por hiperlipidemia, o que sugere uma possibilidade de alteração genética e metabólica nesses pacientes (MESICH, 2009). Pacientes com predisposição à formação da bile, podem ter a alimentação como influência e alimentos com alto teor de gordura podem influenciar ema alterações de vesícula, com cálculos, lama e mucocele (KAKIMOTO, 2017).

Relato de casos

O primeiro paciente, cão da raça Border Collie, macho, 8 anos com histórico de lama biliar grau 4 de acordo com (DeMONACO(Figura 1) Tutor referia bom estado geral, normorexia, sem emagrecimento, normúria, normodipsia. Aos exames de hemograma e bioquímicos iniciais não foram observadas alterações (Tabela 1) bem como em urinálise, ecocardiograma e eletrocardiograma.

Figura 1. Graduação de lama de biliar em cão. A: vesícula normal; B: Grau 1, acometimento de menos de 25%; C: Grau 2: 26 a 50%; D: Grau 3, 51 a 75%; E: Grau 4, maior que 75%. Fonte: DeMonaco, 2016

O paciente já estava em tratamento (instituído por colega veterinário) com ácido ursodeoxicólico (15 mg kg a cada 24 horas) e bezafibrato (5 mg kg a cada 24 horas) para controle da lama biliar e fazia uso de alimento comercial para manutenção de cães adultos do tipo Super Premium. O paciente apresentava ultrassom controle sem melhora significativa após 60 dias deste tratamento.

Ao exame físico, no primeiro atendimento, o paciente apresentava escore de condição corporal 6/9 (LAFLAMME,1997), à palpação abdominal não havia sinais de líquido livre, organomegalia ou dor; à ausculta abdominal e torácica não apresentavam alterações, a frequência cardíaca permanecia entre 70-80 batimentos por minuto, as mucosas estavam normocoradas, hidratação adequada e linfonodos normais.

Novos exames foram coletados para triagem a fim de descartar outros possíveis diagnósticos diferenciais como, por exemplo, o hipercortisolismo e hipotiroidismo (Tabela 1), cujos resultados retornaram negativos.

Resultados dos exames laboratoriais de T4, TSH, ALT, FA, ureia, creatinina, colesterol, triglicérides, glicemia
Tabela 1. Resultados dos exames laboratoriais de T4, TSH, ALT, FA, ureia, creatinina, colesterol, triglicérides, glicemia

Diante da pouca resposta ao tratamento inicial com ácido ursodeoxicólico e bezafibrato, foi iniciada a troca gradual do alimento de manutenção super premium para alimento específica para obesidade, com alto teor de fibras e baixo teor de gordura (Figura 2), cuja evolução pode ser observada na Figura 3.

Gráfico mostrando Teores de inclusão (%) dos macronutrientes do alimento comercial indicado para os pacientes relatados
Figura 2. Teores de inclusão (%) dos macronutrientes do alimento comercial indicado para os pacientes relatados
Evolução da imagem de vesícula biliar do paciente Border Collie. A: vesicula biliar sem tratamento (lama grau 4). B: vesicula biliar após início de medicações, sem troca de aliemntação (lama grau 3) . C: vesicula biliar com medicações e troca de aliemntação (lama grau 1). Fonte: arquivo pessoal
Figura 3. Evolução da imagem de vesícula biliar do paciente Border Collie. A: vesicula biliar sem tratamento (lama grau 4). B: vesicula biliar após início de medicações, sem troca de aliemntação (lama grau 3) . C: vesicula biliar com medicações e troca de aliemntação (lama grau 1). Fonte: arquivo pessoal

O segundo paciente, Chihuahua, macho, idade, estava em tratamento para lama biliar grau 4 e possuía aumento de triglicérides ao exame laboratorial, estava recebendo bezafibrato 5 mg/kg a cada 24 horas, ácido ursodeoxicólico 15 mg kg a cada 24 horas. Pela suspeita de hipersensibilidade alimentar, o paciente estava se alimentando de alimento hipoalergênico a base de proteína hidrolisada. O paciente já possuia triagem negativa para hipercortisolismo, embora apresentava poliuria, polidipsia e polifagia com leve aumento de volume abdominal. Assim como no primeiro caso, o hemograma e exames bioquímicos estavam normais, incluído o bom controle de triglicérides (Tabela 1). Porém sem boa evolução da imagem da vesícula biliar.

Diante da pouca melhora da imagem da vesícula biliar, foi realizada a troca da alimentação para o alimento comercial para obesidade.

Ao primeiro controle de ultrassom, realizado com 60 dias de tratamento, ambos os pacientes apresentaram evolução favorável da imagem de modo que a lama grau 4 evoluiu para lama grau 1, que pode ser considerada fisiológica em cães (Figura 4).

Imagem mostrando Evolução da imagem de vesícula biliar do paciente Chihuahua. A: vesicula biliar sem tratamento (lama grau 4). B: vesicula biliar após início de medicações, sem troca de aliimentação (lama grau 3) . C: vesicula biliar com medicações e após troca de alimentação (lama grau 1)
Figura 4. Evolução da imagem de vesícula biliar do paciente Chihuahua. A: vesicula biliar sem tratamento (lama grau 4). B: vesicula biliar após início de medicações, sem troca de aliimentação (lama grau 3) . C: vesicula biliar com medicações e após troca de alimentação (lama grau 1)

Discussão

Uma das possibilidades de causas de formação de lama biliar pode ser a hiperlipidemia, obesidade, uso de alimentos com altos níveis de gordura e predisposição individual. A hiperlipidemia também pode influenciar na formação da mucocele, cujo estudos como de Kutsunai et al. (2014) abordam que cães com hipercolesterolemia e hipertrigliceridemia são três vezes mais suscetíveis ao desenvolvimento da afecção. As numerosas anormalidades do metabolismo lipídico foram observadas em cães com formação de mucocele e lama incluindo, aumentos significativos em cadeias ímpares, cadeias longas saturadas e ácidos graxos poliinsaturados tanto na amostra de soro quanto na bile (GOOKIN, 2018). Assim o controle dos níveis de triglicérides e colesterol são importantes no tratamento clínico da lama biliar. O uso do bezafibrato visou o controle da dislipidemia sérica nos pacientes (DeMARCO, 2017) e possível controle de alteração de colesterol na bile. O uso da ezetimiba, seria uma opção para controle específico do colesterol (ARAUJO,2005), porém necessitamos de mais estudos na medicina veterinária.

Pacientes endocrinopatas apresentam maior predisposição ao desenvolvimento de afecções da vesícula. Dentre as endocrinopatias mais descritas na literatura para formação de mucocele por exemplo, tem-se o hipotireoidismo e o hipercortisolismo, sendo este último, com probabilidade 29 vezes maior de aparecimento (MESICH, 2009).

Além disso, também é observado que o uso de alimentação hipercalórica em pacientes predispostos à dislipidemia ou alteração no metabolismo lipídico, é capaz de ocasionar a elevação da concentração de ácidos biliares hidrofóbicos e uma diminuição na sensibilidade de colecistoquinina (CCK), que atua na contração da vesícula biliar e seu consequente esvaziamento (KAKIMOTO, 2017). Consequentemente, o controle alimentar faz parte do tratamento clínico da lama biliar. Nos relatos, foram usados alimentos com baixo nível de gordura e alto nível de fibras, visando além do controle da lama biliar, o controle do score corporal e saciedade alimentar.

Cães com lama ou mucocele da vesícula biliar manifestam fração de ejeção da vesícula diminuída, que se correlaciona a um quadro de colestase nesses pacientes. A colestase pode desempenhar um papel na patogênese de outras doenças hepatobiliares, através da exposição prolongada das células epiteliais da vesícula biliar aos ácidos biliares (TSUKAGOSHI, 2012). O uso do ácido ursodeoxicólico visa diminuir a viscosidade da bile e consequentemente facilitar a ejeção da vesícula biliar e diminuir a colestase (estase da bile), diminuindo a possibilidade de inflamação (WEBSTER, 2019).

A pesquisa de doenças de base é fundamental para controle das doenças biliares. O perfil lipídico deve ser monitorado, assim como testes hormonais para suspeitas de hipercortisolismo, hipotireoidismo e diabetes (MESICH, 2009; KAKIMOTO, 2017). As alterações hormonais predispõem à hiperlipidemia e ganho peso, assim o uso do fibrato e da dieta para obesidade são indicadas nesses casos, e podem ser benéficos no controle da lama, como no presente relato.

O ultrassom é o método de diagnóstico e acompanhamento de evolução da lama biliar, sendo essencial para acompanhar a melhora ou piora após início do tratamento clínico. Na medicina veterinária o uso da ultrassonografia como modalidade diagnóstica exibe achados semelhantes entre a mucocele e a lama biliar, apesar de consideradas como alterações independentes. Na verdade, isso atribui-se a não distinção clara entre as conclusões do que é a lama biliar em estado grave em comparação com a mucocele, o que torna a diferenciação entre elas um desafio (UNO, 2009).

Este desafio permeia-se pois já se observou que as mucinas são os principais componentes do conteúdo da vesícula biliar tanto em cães com lama como naqueles com mucocele biliar, não havendo assim diferença na composição independente da gravidade (MIZUTANI, 2016). Por isso o controle da lama biliar grave visa, além de diminuir a possibilidade de obstrução e inflamação, diminuir a possibilidade de evolução para mucocele biliar.

A evolução negativa frente ao tratamento clínico, sem melhora da imagem da lama biliar ou evolução para mucocele, indicam o tratamento cirúrgico como tratamento de eleição. A presença de sinais clínicos atribuíveis à doença do trato biliar no momento da colecistectomia rendeu chances significativamente maiores de morte no hospital do que o estado da doença subclínica (JAFFEY, 2019). Assim, caso o tratamento clinico com fibrato, ácido ursodeoxicólico e alimento apropriado não forem suficientes, o tratamento cirúrgico deve ser indicado. Sendo que o controle de exames bioquímicos, de imagem e avaliação física devem ser realizados regularmente como apresentado nos relatos.

Conclusão

Os relatos de casos descritos acima mostram evolução favorável da lama grau 4 para grau 1, após início da alimentação com níveis mais baixos de gordura. Os pacientes já estavam com medicações anteriormente, sendo clara a importância da alimentação nesse relato especificamente para possibilitar a resolução. Assim a concentração de colesterol na bile desses pacientes, pode ser um fator predisponente a formação da lama.

Referências bibliográficas

ARAUJO, R.G; FILHO, A.C; CHAGAS, C.P.C. Ezetimiba – farmacocinética e terapêutica. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, v. 85, p.9-14, 2005.

DE MARCO, V; NORONHA, T.C; CASADO, E.R; NAKAMDAKARE, J.C; FLORIO,

J.C; SANTOS, E.Z; GILOR, C. Therapy of Canine Hyperlipidemia with Bezafibrate.

Journal of veterinary internal medicine, v. 31, p. 717–722, 2017.

DEMONACO, S.M; GRAINT, D.C; LARSON M.M; PANCIERA D.L;    LEIB M.S.

Spontaneous course of biliary sludge over 12 Months in dogs with ultrassonographically indentified billiary sludge. Jounal of veterinary internal medicine, v. 30, p.71-78, 2016.

GOOKIN, J.L; MATHEWS, K.G; CULLEN,J; SELLER,G. Qualitative metabolomics profiling of serum and bile from dogs with gallbladder mucocele formation. Plos One 13(1), e0191076, 2018.

JAFFEY,J.A et al. Effect of clinical signs, endocrinopathies, timing of surgery, hyperlipidemia, and hyperbilirubinemia on outcome in dogs with gallbladder mucocele. The Veterinary Journal, v. 251, p. 1-9, 2019.

LAFLAMME, D. P. Development and validation of a body condition score system for dogs: a clinical tool. Canine Practice, v. 22(3), p. 10- 15, 1997.

KAKIMOTO, T; KANEMOTO, H; FUKUSHIMA, K; OHNO, K; TSUJIMOTO, H.

Bile acid composition of gallbladder contents in dogs with gallbladder mucocele and biliary sludge. American Journal Veterinary Research, v. 78, p. 223-229, 2016.

KAKIMOTO, T;    HIDEYUKI, K; FUKUSHIMA,    K; OHNO, K; TSUJIMOTO, H.

Effect of a high – fat – high-cholesterol diet on gallblader bile acid composition and gallblader motility in dogs. American Journal Veterinary Research, v.78, p.1406-1413, 2017

KUTSUNAI, M; KANEMOTO, H ; FUKUSHIMA, K; OHNO, K; TSUJIMOTO, H..

The association between gall bladder mucoceles and hyperlipidaemia in dogs: A retrospective case control study. The Veterinary Journal, v. 199, p. 76–79, 2014.

MESICH, M. L. LL; MAYHEW, P. D; PAEK, M; HOLT, D; BROWN, D. Gall bladder

mucoceles and their association with endocrinopathies in dogs: a retrospective (case-control study). Journal of Small Animal Practice, v. 50, p. 630–635, 2009.

MIZUTANI, S; TORISU, S; KANEKO, Y; YAMAMOTO, S; FIJIMOTO, S; ONG,

B.H.E, NAGANOBU,K.. Retrospective analysis of canine gallbladder contents in biliary sludge and gallbladder mucoceles. Journal Veterinary Medicine Science, v. 79, p. 366-374, 2017.

PAZZI, P; GAMBERINI, S; BILDRINI, P; GULLINI, S. Biliary sludge: the sluggish gallbladder. Dig Liver Dis, v. 38 ,p. 39–45, 2003.

TSUKAGOSHI,T; OHNO, K; TSUKAMOTO, A; FUKUSHIMA, K; TAKAHASHI, M;

TAKAHASHI, K; NAKASHIMA, K; FUJINO, Y. Decreased gallblader emptying in dogs with biliary sludge or gallblader mucocele. Veterinary Radiology & Ultrasound, v. 53, p. 84–91, 2012.

UNO, T; OKAMOTO, K.; ONAKA, T; FUJITA, K.; YAMAMURA, H; SAKAI, T. .

Correlação entre imagem ultrassonográfica da vesícula biliar e conteúdo da vesícula biliar em onze cães colecistectomizados e seus prognósticos. Journal Veterinary Medicine Science, v. 71, p. 1295-1300, 2009.

WEBSTER, C.R.L; CENTER, S. A; CULLEN, J. M; PENNINCK, D.G; RICHTER,

K.P; TWEDT, D.C; WATSON, P.J. ACVIM consensus statement on the diagnosis and treatment of chronic hepatitis in dogs. Journal Veterinary Internal Medicine. v. 33, p. 1173–1200, 2019.

5/5
ENCONTRE O ALIMENTO IDEAL PARA O SEU PET