Orientador(a): Diego Marques Costa Silva
Instituição: Universidade Estadual do Maranhão
Trabalho Classificado na 10ª Edição (2024) do Prêmio de Pesquisa PremieRpet®.
Índice
Resumo
A hospitalização dos animais é um evento comum na prática veterinária, seja para tratamento de doenças agudas, cirurgias ou recuperação de traumas e doenças. Durante esse período, a nutrição desempenha um papel crucial na recuperação e bem-estar desses animais, mas apesar disso, muitas vezes esse acompanhamento é negligenciado. Esta revisão tem como objetivo destacar a importância do manejo nutricional adequado para cães hospitalizados e quais os principais métodos utilizados para identificar o melhor manejo nutricional, analisando a literatura disponível sobre o assunto. A nutrição adequada não apenas fornece os nutrientes essenciais para apoiar a cicatrização de feridas, manter a função imunológica e fornecer energia para o corpo, mas também pode ajudar a prevenir complicações durante o período de internação, como infecções e distúrbios gastrointestinais. Ao observar os aspectos muitas vezes negligenciados na prática veterinária em relação à nutrição de animais hospitalizados, esta revisão destaca a importância de uma abordagem holística para o cuidado desses pacientes.
Introdução
A maioria dos animais que necessitam de internação em clínicas e hospitais veterinários apresentam quadro clínico grave e alguma alteração sistêmica que pode expor o mesmo a risco de morte, exigindo intervenção imediata do médico veterinário (Ferreira, et al. 2017). Com isso, é possível observar que a hospitalização desses animais é uma etapa crucial no processo de tratamento, proporcionando o ambiente e os recursos necessários para monitorar sua condição, administrar terapias e oferecer cuidados intensivos quando necessário.
O correto manejo nutricional do animal hospitalizado depende de uma adequada coleta de informações a respeito da alimentação e estado nutricional do paciente durante a anamnese e exame físico (incluindo a determinação da condição ou escore corporal) e da realização de exames laboratoriais específicos, quando necessário (Carciofi, 2008). Todo o manejo e cuidado deve ser levado em consideração, onde elaborar diretrizes e processos internos é fundamental para definir as exigências energéticas do animal, escolher o tipo de alimento a ser utilizado e sua composição nutricional, decidir sobre o método de administração e estabelecer a quantidade apropriada de alimento a ser fornecida.
Nas últimas duas décadas houve um aumento das informações científicas a respeito da nutrição do animal enfermo. Este conhecimento, no entanto, ainda não faz parte da rotina médica de clínicas e hospitais veterinários, que usualmente não consideram a nutrição uma parte do tratamento médico veterinário (Brunetto & Carciofi,2003; Remlllard, et al ,2000).
Pacientes hospitalizados mal nutridos apresentam riscos maiores de morbidade e mortalidade (Spagnol, 2022; CHAN, 2009). Geralmente os pacientes internados diminuem seu apetite em decorrência da doença, estresse da hospitalização, ambiente e pessoas estranhos e dor no pós-operatório (Brunetto & Carciofi, 2003; BOULCOTT, 1967).
Na medicina veterinária ainda é difícil prever o quanto a desnutrição compromete a sobrevida de cães e gatos, já que, usualmente, clínicas e hospitais veterinários não têm a nutrição como parte do tratamento (Spagnol, 2022; Remillard, 2002). Sabendo disso, é de extrema importância um maior conhecimento clinico, tendo em vista a possibilidade de maior bem-estar dos pacientes.
Suporte nutricional adequado para pacientes hospitalizados
O melhor suporte nutricional vai depender do estado em que o paciente se encontra, além da enfermidade na qual foi motivo de internação. Por esse motivo, uma boa analise e percepção do estado do animal se fazem necessários. O suporte nutricional de animais hospitalizados não tem como função primordial a promoção do ganho de peso, mas sim a diminuição da perda acentuada de musculatura e das deficiências de nutrientes que atuam como catalisadores da cura da doença primária (Spagnol, 2022; Chan, 2009).
Ao realizar a avaliação nutricional dos pacientes admitidos para hospitalização, observa-se que estes podem apresentar diversos fatores de risco para desnutrição, como função gastrointestinal alterada (a exemplo de vômito, diarreia, náusea, constipação), condição médica ou doença aguda, comorbidades crônicas, uso de medicamentos, perda de peso corporal não intencional e perda de massa muscular (Lanchote, 2021; Wsava, 2011).
A determinação do escore de condição corporal (ECC) é método rápido e prático, que pode ser empregada na avaliação do estado nutricional do paciente, ressaltando sua subjetividade já que foi desenvolvido para ponderar depósitos de massa adiposa e não detecção de perdas de massa muscular, devendo ser empregado com atenção (Spagnol, 2022; Brunetto, 2006).
A monitoração frequente dos sinais vitais, das condições do cateter e a realização de exames bioquímicos permitem ao clínico antecipar e/ou diagnosticar precocemente várias complicações (Ferreira, et al. 2017). A avaliação dos exames ECC e dos bioquímicos são essenciais, não só para o tratamento da enfermidade como para traçar o melhor suporte nutricional desse indivíduo. A escolha do alimento utilizado para o suporte nutricional desses pacientes deve levar em conta não só as necessidades nutricionais para a idade e espécie do paciente, mas as alterações metabólicas decorrentes da doença, a possibilidade de intolerância gastrointestinal e a via de administração do alimento (Lanchote, 2021).
Realizando o suporte nutricional adequadamente
O mais adequado é que a nutrição ocorra da forma mais fisiológica possível, sendo que o primeiro passo a ser adotado é estimular a ingestão natural (Ferreira, et al. 2017; Armstrong and Lippert, 1988). Seguindo as necessidades do paciente, se o mesmo conseguir efetuar o hábito alimentar com sucesso, tendo em vista que é necessário o acompanhamento para evitar possíveis problemas, o natural é o mais indicado.
Caso haja fracasso na tentativa de alimentar o animal de forma natural ou a ingestão voluntária esteja contra indicada, deve-se partir para o suporte nutricional enteral através de sonda nasoesofágica, gástrica ou duodenal, de acordo com o estado clínico do paciente (Ferreira, et al. 2017; Carciofi, 2008). Trata-se da técnica mais próxima do fisiológico por utilizar o trato digestório e, sempre que possível, o suporte nutricional enteral é preferível ao parenteral (Ferreira, et al. 2017; Armstrong and Lippert, 1988).
Para Carciofi, 2008, quando a alimentação natural não é efetiva, em função de anorexia, ou é contraindicada, a próxima opção passa a ser a alimentação enteral (via sonda nasoesofágica, esofágica, gástrica ou duodenal).
Os dois métodos mais comuns de fornecimento de nutrição enteral em animais e humanos são infusão contínua ou em bolus intermitente (Ferreira, et al. 2017). O alimento deve ser preparado antes de ser administrado. Umedecer, triturar e coar é indicado para facilitar a digestão (Ferreira, et al. 2017).
Para Carciofi, 2008, a estruturação e condução de protocolo ou serviço nutricional para animais doentes deve considerar ao menos os seguintes pontos:
- a) determinar a condição nutricional do paciente;
- b) estimar a proporção e relação entre as fontes de energia do alimento (proteínas, gorduras e carboidratos);
- c) estimar as necessidades energéticos do paciente;
- d) selecionar a dieta e a via de administração (oral, esofágica, gástrica, intestinal ou parenteral);
- e) condução do programa nutricional;
- f) avaliar as respostas e realizar ajustes necessários;
- g) planejar a transição para a dieta e alimentação de manutenção.
Quando se fala de exemplo em suplementação de animais hospitalizados, pode-se falar dos animais cardiopatas, segundo Crivellenti & Borin-Crivellenti, 2015, a caquexia cardíaca é o estado catabólico que surge frequentemente nas fases mais avançadas das cardiopatias. Cães e gatos com doença cardíaca muitas vezes podem ter alterações nutricionais que podem ser pré-existentes ou secundárias da doença. Podendo incluir anorexia, caquexia cardíaca, excreção alterada de sódio, cloro e potássio ou deficiência de algum nutriente.
A energia de um animal cardiopata precisa ser regulada, portanto, deve-se prestar atenção na condição do animal, especialmente para que não haja o excesso de uso dos carboidratos. Em situação de um animal cardiopata que recebe calorias insuficientes, o primeiro tecido perdido é a massa corporal magra, onde essa perda possui efeito deletério sobre a força muscular, função imune e sobrevida. O mais indicado é que um alimento com alta densidade energética deverá ser fornecido para esses pacientes para facilitar a ingestão energética diária adequada (Crivellenti & Borin-Crivellenti, 2015). Outro fator de importância é a proteína, que é parte da composição e manutenção muscular desses animais. Assim, a dieta mais indicada deve conter teores de proteína adequados (mínimo 20% para cães e 24% para gatos) e de qualidade superior para manutenção da massa muscular que está sendo perdida em função do processo de caquexia cardíaca. Entretanto, a proteína deve ser restrita em animais que apresentam doença renal crônica em estágio avançados (Crivellenti & Borin-Crivellenti, 2015).
Em relação a gordura, esta deve ser utilizada em forma de palatabilizante, maximizando a alimentação do animal na relação quantidade e qualidade. Deve-se elevar a gordura (superior a 15%) para aumentar a palatabilidade da dieta e também sua densidade energética (Crivellenti & Borin-Crivellenti, 2015).
Além disso, é necessário ter um cuidado maior com a quantidade de sódio presente nos alimentos desses animais. A terapia hipossódica na doença cardíaca inicial pode exercer efeito deletério nestes pacientes. A restrição de sódio normalmente é recomendada para auxiliar na redução da pré-carga e no controle do acúmulo de fluidos. Contudo, o grau de restrição deve ser dependente da
classificação funcional da insuficiência cardíaca do paciente. Dietas mais restritas em sódio podem ativar o sistema renina-angiotensina-aldosterona de forma inadequada, promovendo o aumento da pré-carga e, assim, contrapor o principal efeito desejado com a implementação da restrição de sódio (Crivellenti & Borin- Crivellenti, 2015).
O Potássio e o magnésio são substâncias que precisam manter seus níveis ideais no organismo para evitar distúrbios e agravamento do quadro clinico do animal, onde sua baixa pode estar relacionada devido ao uso de diuréticos e menor ingestão de alimento. Deste modo, a avaliação das concentrações séricas destes elementos deve ser mensurada periodicamente e quando necessário realizar o ajuste (Crivellenti & Borin-Crivellenti, 2015).
Impacto da ausência de nutrição em pacientes hospitalizados
A falta de uma assistência nutricional padronizada para esses pacientes pela equipe médica pode ser um fator agravante para o risco desses pacientes apresentarem baixa ingestão calórica durante a hospitalização e consequentemente menor alta hospitalar (Lanchote, 2021; Brunetto, 2006). A ausência de nutrição no paciente crítico leva ao catabolismo muscular, deficiências proteicas e aumento do risco de sepse (Spagnol, 2022; Phillips, 2020).
Considerações finais
O suporte nutricional adequado para animais hospitalizados desempenha um papel fundamental no processo de tratamento e recuperação desses pacientes. É crucial considerar que a maioria dos animais que requerem internação em clínicas e hospitais veterinários apresentam quadros clínicos graves, exigindo intervenção imediata para garantir sua sobrevivência. No entanto, muitas vezes, a nutrição não é integrada como parte essencial do tratamento, o que pode comprometer significativamente o prognóstico e a qualidade de vida desses animais. A correta avaliação nutricional durante a anamnese e o exame físico, juntamente com a realização de exames laboratoriais específicos, é fundamental para determinar as necessidades energéticas do paciente. Neste sentido, é visível a necessidade do acompanhamento nutricional dos animais, com o correto acompanhamento por médicos veterinários durante a rotina da internação, melhorando o bem-estar e aumentando a chances de melhora dos pacientes.
Referências bibliográficas
Ferreira, V. F., et al. Nutrição clínica de cães hospitalizados: Revisão. PUBVET, v.11, n.9, p.901-912, setembro, 2017. Acessado em 28 de fevereiro de 2024.
Carciofi, Aulus Cavalieri. “Manejo nutricional do cão e do gato hospitalizado.” Disciplina Clínica das Doenças Carentiais, Endócrinas e Metabólicas. Departamento de Clínica e Cirurgia Veterinária, Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da UNESP, Jaboticabal. Acessado em: 29 de fevereiro de 2024. Disponível em: https://www.fcav.unesp.br/Home/departamentos/clinicacv/AULUSCAVALIERICAR CIOFI/manejo-nutricional-do-cao-e-do-gato-hospitalizado.pdf
Carciofi, Aulus Cavalieri; Fraga, Valéria Oliveira; Brunetto, Márcio Antônio. “Ingestão calórica e alta hospitalar em cães e gatos.” Revista de Educação Continuada do CRMV-SP, São Paulo, v. 6, n. 1/3, p. 16-27, 2003. Acessado em: 29 de fevereiro de 2024.
Spagnol, Laura. “Nutrição clínica de cães e gatos hospitalizados.” Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Botucatu, 2022. Acessado em: 29 de fevereiro de 2024. Disponível em: https://repositorio.unesp.br/server/api/core/bitstreams/d5482621-6bdc-48e4- 86fc-948dc9cf8368/content
Lanchote, Maria Cecília. “Procedimento Operacional Padrão: Nutrição Enteral Precoce em Cães e Gatos Hospitalizados.” Uberlândia, 2021. Acessado em: 1 de março de 2024. Disponível em: https://repositorio.ufu.br/bitstream/123456789/32720/1/ProcedimentoOperacionalPadrão.pdf
Crivellenti, L.Z. e Borin-Crivellenti, S. (2015). Casos de rotina em medicina veterinária de pequenos animais. 2a edição.