Pesquisar
Close this search box.

Gastrectomia vertical laparoscópica no tratamento de obesidade em cão (Canis familiaris)

Logo Prêmio de Pesquisa PremieRpet
Logo Prêmio de Pesquisa PremieRpet
Autor(a): Milena Gravino Campos

Orientador(a): Fernando Luis Fernandes Mendes

Instituição: Centro Universitário Serra dos Órgãos – UNIFESO

Trabalho classificado na 8ª Edição (2022) do Prêmio de Pesquisa PremieRpet®.

[Arquivo PDF][Acervo completo]

Índice

Resumo

A obesidade canina é reconhecida como a doença nutricional mais comum em clínicas veterinária, e está diretamente ligada à tendência do aumento de peso nos seres humanos. Essa enfermidade é caracterizada pelo acúmulo excessivo de tecido adiposo no organismo que leva ao comprometimento das funções fisiológicas e, geralmente, é um erro de manejo, sendo a prevenção a melhor forma de tratamento. A gastrectomia vertical é uma das opções mais seguras para o tratamento da obesidade humana, a qual consiste na remoção da grande curvatura do estômago, deixando um novo reservatório em formato tubular e alongado. O objetivo do presente trabalho é relatar o uso da gastrectomia vertical laparoscópica para o tratamento da obesidade em um cão. Após os exames pré-operatórios, o paciente do relato foi diagnosticado obeso, com escore de condição corporal 8 e, então, foi encaminhado para a realização da gastrectomia vertical laparoscópica. O paciente apresentou uma recuperação pós-operatória satisfatória e sem complicações, obtendo perda de 3,8kg de peso, 7cm de abdômen e reduções significativas no lipidograma em 97 dias após cirurgia. A técnica cirúrgica da gastrectomia vertical laparoscópica em humanos apresenta mínimos efeitos adversos, é segura e eficaz e tem bons resultados pós-operatório, sendo um novo caminho a ser estudado na veterinária.

 

 

Palavras-chave: Cirurgia. Gastrectomia Vertical Laparoscópica. Obesidade Canina.

Introdução

A obesidade é uma doença caracterizada pelo acúmulo excessivo de tecido adiposo no organismo que leva ao comprometimento das funções fisiológicas. Essa enfermidade ocorre quando o balanço energético da alimentação é positivo, excedendo o gasto energético diário (1). A obesidade também pode ser estabelecida como um estado inflamatório crônico de baixa intensidade, por apresentar concentrações aumentadas de mediadores inflamatórios em pacientes obesos e que diminuem com a perda de peso (2). Ainda mais, a obesidade está associada à patogênese de muitas doenças e intensifica outras preexistentes (2,3). A obesidade canina é uma doença multifatorial, podendo ter sua causa endógena, quando o paciente apresenta endocrinopatia, ou exógena, por meio de dieta inadequada, sedentarismo e castração, por exemplo (3). A causa mais comum associada à obesidade em cães é a exógena, onde o balanço energético positivo causado pela alta ingestão calórica, favorece o acúmulo de tecido adiposo (2,3). O tecido adiposo é um órgão endócrino que atua nos processos fisiológicos e fisiopatológicos do organismo (4). O excesso de depósito de gordura corporal interfere no metabolismo e, assim compromete suas funções fisiológicas (1). Essas modificações que a obesidade e o excesso de peso provocam, além de reduzirem a longevidade, favorecem o desenvolvimento de distúrbios locomotores, alterações cardiorrespiratórias e imunológicas, desordens metabólicas, dermatopatias, neoplasias e dislipidemias (2,5). A prevenção é o melhor tratamento para a obesidade (4). Os alimentos devem ser prescritos pelo médico veterinário levando em consideração o nível de atividade do animal, a condição física e a quantidade de alimento em função das necessidades fisiológicas de cada paciente. Porém, quando a doença se instala o tratamento é difícil e longo (5,6,7). Além disso, a compreensão do proprietário para o tratamento da obesidade canina é um dos fatores mais importantes para reverter o quadro (8,9). A associação de uma dieta hipocalórica junto a atividade física regular, promove a perda de gordura a longo prazo (10,11). Por isso, novos estudos têm sido realizados com o uso de medicamentos e intervenções cirúrgicas para reduzir esse tempo e melhorar a qualidade de vida do animal (12,13,14). A gastrectomia vertical laparoscópica visa reduzir o tempo do processo de emagrecimento, levando qualidade de vida para o paciente (15). Em humanos, a gastrectomia vertical por videolaparoscopia vem sendo utilizada com frequência no tratamento da obesidade (16,17,18). Porém, o seu uso em cães é muito pouco relatado na literatura. Desse modo, este trabalho se justifica para relatar, não só a técnica cirúrgica, bem como descrever os resultados pós-operatórios em um cão obeso submetido a gastrectomia vertical laparoscópica. Tendo como objetivo descrever o uso da gastrectomia vertical laparoscópica para o tratamento da obesidade em um cão com foco no pré e pós- operatório, avaliando os parâmetros clínicos, laboratoriais e nutricionais.

Relato de Caso

Foi atendido no dia 10/05/2021, um cão de 7 anos de idade, macho, sem raça definida (SRD), porte médio, castrado, pesando 21,2kg, com histórico de tentativas de perda de peso sem sucesso. Durante o exame clínico foi observada uma significativa deposição de tecido adiposo ao redor das regiões torácica, abdominal e lombar, as costelas também não foram facilmente palpáveis, tendo que fazer pressão para sentir suas protuberâncias. Não foi possível palpar as vértebras lombares e a base da cauda. Foram medidas suas circunferências torácica e abdominal, medindo 76cm e 64cm, respectivamente, e solicitados exames laboratoriais bioquímicos e hormonais. Os exames bioquímicos estavam todos dentro da normalidade, assim como a função tireoidiana, adrenocortical, os valores de insulina e de cianocobalamina (vitamina B12). O paciente foi então encaminhado para a realização de exames de imagem no mesmo dia. Na ultrassonografia foi solicitada a mensuração da espessura do tecido adiposo ventral do abdômen e dorsal na região lombar, entre L7 e S1, obtendo 1,62cm e 1,10cm, respectivamente. Na radiografia latero-lateral, a espessura do tecido adiposo na região lombossacral foi de 54,45mm e na região torácica foi de 58,88mm. O paciente foi então diagnosticado obeso, com escore de condição corporal 8. Usando a tabela de relação entre o escore corporal e o percentual de sobrepeso em cães de Rodrigues (8), o peso ideal do paciente do presente relato seria de 14,6kg. Foi eleito o tratamento cirúrgico baseado na técnica da gastrectomia vertical laparoscópica, realizado no dia 26/05/2021. Antes do ato cirúrgico, foi realizada uma endoscopia digestiva alta (EDA), com endoscópio flexível para a avaliação do estômago e da mucosa gástrica (Figura 1). O paciente foi posicionado em decúbito lateral esquerdo, onde foi possível observar que o estômago e sua mucosa estavam dentro dos padrões fisiológicos. Após, o paciente foi posicionado em decúbito dorsal para a realização da cirurgia. Foi realizada a insuflação do abdômen (pneumoperitônio) com fluxo de 1L/min de CO2, até a pressão intracavitária atingir 10mmHg, após laparocentese com agulha de Veress (Figura 2). Em seguida o fluxo foi aumentado para 45L/min a fim de manter o pneumoperitônio. Foram realizadas quatro punções, duas com trocáteres de 12mm e duas com trocáteres de 5mm: um, de 12mm, na região paraprepucial esquerda para introdução da ótica; dois de 5mm na região paracostal esquerda e direita; e um, de 12mm, no flanco direito. Após a inspeção da cavidade abdominal, iniciou a técnica cirúrgica fazendo a secção e hemostasia dos vasos gastroepiplóicos, localizados na curvatura maior do estômago, com pinça hemostática tripolar, tendo como referência anatômica o piloro até o ângulo esofagogástrico (Figura 3). Em seguida, foi realizada a secção da região da grande curvatura gástrica, concomitante ao grampeamento da parede estomacal, usando grampeador linear com carga de 45mm com alturas de grampos escalonadas, na mesma direção da ligadura (Figura 4). O segmento gástrico seccionado, com tamanho estimado de cerca de 2/3 do estômago (Figura 5), foi retirado da cavidade, sob inspeção ótica, através do portal realizado na região do flanco direito e, em seguida o pneumoperitônio foi desfeito. A síntese dos portais foi efetuada com fio de poliglactina 910, 2-0, na musculatura, e mononylon, 2-0, na pele. Após o procedimento cirúrgico, foi realizada novamente a endoscopia digestiva alta, com o objetivo de observar possíveis fístulas e/ou hemorragias, o que não foi encontrado (Figura 6). Como suporte nutricional, nos três primeiros dias após o procedimento cirúrgico, foi realizada dieta líquida, composta por sache de frango com arroz integral (100g) batido no liquidificador com 100ml de água, e administrado 60ml três vezes ao dia. No quarto dia, 30/05/2021, foi adicionado 50g de ração seca gastrointestinal ao sache batido no liquidificador com água, formando uma consistência mais pastosa. Já no quinto dia, 31/05/2021, foi adicionado 80g de ração, formando uma consistência mais grossa. No oitavo dia, 03/06/2021, o paciente já estava comendo somente a ração gastrointestinal seca. Durante os 97 dias seguintes, foi indicada somente a utilização da ração gastrointestinal seca, 100g por dia, fracionada em três refeições. Sete dias após o procedimento cirúrgico, no dia 02/06/2021, o paciente foi pesado, apresentando 19,2kg, e medida a circunferência torácica e abdominal, 76cm e 59,5cm, respectivamente. Em uma semana, o paciente perdeu 2kg e 4,5cm de circunferência abdominal. A retirada dos pontos ocorreu em 15 dias após o ato cirúrgico, 09/06/2021, o paciente teve uma cicatrização satisfatória, não apresentou decência de sutura e não havia sinais de infecção e/ou inflamação. No dia 01/09/2021, 97 dias após a realização do procedimento cirúrgico, o paciente foi reavaliado. Apresentava 17,4kg, 73cm de circunferência torácica e 57cm de circunferência abdominal (Figura 7). Foram também reavaliados os exames laboratoriais, no lipidograma, os valores tiveram baixas consideráveis. Na ultrassonografia foi possível notar significativa perda de tecido adiposo nas regiões ventral do abdômen e lombar. Anteriormente, na região ventral, o paciente apresentava 1,62cm de tecido adiposo, já na segunda ultrassonografia, após o procedimento cirúrgico, esse número reduziu para 0,88cm. Na região lombar, a espessura do tecido adiposo era de 1,1cm, esse número diminuiu para 0,39cm. Portanto, o paciente perdeu 0,74cm na região ventral e 0,71cm na região lombar. Na radiografia latero-lateral, o paciente perdeu medidas significativas de tecido adiposo. Anteriormente, na região lombossacral ele apresentava 54,45mm e na região torácica 58,88mm. Atualmente, na região lombossacral a medida é de 51,73mm e na região torácica 34,03mm.

Discussão

No presente relato de caso, o paciente é um cão obeso sem raça definida (SRD), de acordo com Jericó; Scheffer (9), 28% dos cães obesos em seu estudo eram SRD, e no estudo de Mao et al. (10), 43,7% dos cães de sua pesquisa eram SRD obesos. O paciente relatado tinha 7 anos de idade, o que vai ao encontro de Mao et al. (10), os quais constaram que a maioria dos cães obesos em seu estudo apresentavam idade entre 7 e 8 anos. Assim como, Aptekmann et al. (11), que dizem que o intervalo de maior prevalência da obesidade em cães é de 5 a 10 anos. O animal em questão é macho e castrado, o que vai de encontro a Law et al. (12), que afirmam que fêmeas caninas possuem a taxa metabólica basal reduzida, quando comparadas aos cães machos. No exame físico de inspeção e palpação, não foi possível palpar facilmente as costelas e as vertebras lombares do paciente, apresentando significativo depósito de gordura na inserção da cauda e na região inguinal, o que segundo Guimarães; Tudury (15) é observado nos pacientes obesos. O paciente apresentou uma recuperação satisfatória, sem complicações, como afirmam Lemos et al. (7). Segundo os mesmos, a técnica cirúrgica da gastrectomia vertical laparoscópica apresenta mínimos efeitos adversos, é segura e eficaz, apresenta baixa mortalidade e tem bons resultados pós-operatório. Quanto a redução do peso, o paciente perdeu 3,8kg em três meses, o que corresponde a 18% do peso inicial; número que se assemelha ao relatado por Lemos e colaboradores (7), que afirmam que o paciente humano bariátrico perde em média 10% do peso inicial no primeiro mês, 6% no segundo mês e 4% no terceiro mês, perdendo em 3 meses 20% do peso inicial, de forma gradual.

Considerações Finais

A obesidade é uma doença comum e crescente no mundo, dessa forma, o uso da gastrectomia vertical laparoscópica visa ampliar as formas de tratamento da obesidade utilizadas hoje na veterinária. A técnica da gastrectomia vertical laparoscópica, no presente relato, se mostrou segura, eficaz e proporcionou resultados semelhantes aos descritos na literatura humana. Diante da escassez de trabalhos sobre o uso da gastrectomia vertical laparoscópica em cães e o que a literatura relata sobre a obesidade, foi possível analisar a carência de novas pesquisas nessa área e a crescente porcentagem de animais obesos.

Referências bibliográficas

  1. German Obesity in companion animals. Practice, Londres. 2010;32: 42-50.
  2. Cao Adipocytokines in obesity and metabolic disease. Journal of endocrinology. 2014;220(2):47-59.
  3. Lund EM, Armstrong PJ, Kirk CA, Klausner JS. Prevalence and risk factors for obesity in adult dogs from private US veterinary International Journal of Applied Research in Veterinary Medicine. 2006;4(2):177-186.
  4. Zoran DL. Obesity in dogs and cats: A metabolic and endocrine disorder. Veterinary Clinics of North America: Small Animal Practice, 2010; 40:221-239.
  5. Laflamme DP. Understanding and managing obesity in dogs and cats. Veterinary Clinics: Small Animal 2006;36(6):1283-1295.
  6. Jeusette IC, Lhoest ET, Istasse LP, Diez Influence of obesity on plasma lipid and lipoprotein concentrations in dogs. American journal of veterinary research. 2005;66(1):81-86.
  7. Lemos SLS, Domingos TA, Vinha JM, Nadai AP, Vasconcellos CP, Ferragut CB. Nova proposta de tratamento cirúrgico da obesidade: gastrectomia vertical e bypass intestinal parcial: resultados preliminares. Revista Brasileira de Videocirurgia. 2005;3(3):131-142.
  8. Rodrigues Métodos de Avaliação da Condição Corporal em Cães. 2011. Seminário (Pós-Graduação) – Escola de Veterinária e Zootecnia, Universidade Federal de Goiás, Goiânia – GO; 2011.
  9. Jerico MM, Scheffer Epidemiological aspects of obese dogs in the city of Sao Paulo. Clínica veterinária. 2002;37:25-29.
  10. Mao J, Xia Z, Chen J, Yu J. Prevalence and risk factors for canine obesity surveyed in veterinary practices in Beijing, Preventive veterinary medicine. 2013;112(3-4):438-442.
  11. Aptekmann KP, Suhett WG, Mendes Junior AF, Souza GB, Tristão APPA Adamn FK, Aoki FK, Palacios Junior RJG, Carciofi AC, Tinucci-Costa Aspectos nutricionais e ambientais da obesidade canina. Ciência rural. 2014:2039-2044.
  12. Law J, Bloor I, Budge H, Symonds The influence of sex steroids on adipose tissue growth and function. Hormone molecular biology and clinical investigation. 2014;19(1):13–24.
  13. Debastiani C. Epidemiologia da obesidade canina: fatores de risco e complicações. São Paulo-UNESP. 2018. 82f. Dissertação (Mestrado em Medicina Veterinária), Programa 50 de Pós-Graduação em Medicina Veterinária, Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Universidade Estadual Paulista; 2018.
  1. Manens J, Bolognin M, Bernaerts F, Diez M, Kirshvink N; Clercx Effects of obesity on lung function and airway reactivity in healthy dogs. The Veterinary Journal. 2012;193(1):217-221.
  2. Guimarães ALN, Tudury EA. Etiologias, consequências e tratamentos de obesidades em cães e gatos – revisão. Veterinária notícias. 2006;12(1):29-
  3. Wilkinson MJA, Mcewan NA. Use of ultrasound in the measurement of subcutaneous fat and prediction of total body fat in The Journal of nutrition. 1991;121(11):47-50.
  4. Shmulewitz A, Teefey SA, Robinson BS. Factors affecting image quality and diagnostic efficacy in abdominal sonography: a prospective study of 140 Journal of clinical ultrasound. 1993;21(9):623-630.
  5. Lucina SB, Da Luz MT, Albernaz VGP, Ganho RGR, Cavalcante C Z, Tasqueti U I. Correlação entre o escore de condição corporal com medidas ultrassonográficas de camadas de tecido subcutâneo lombossacral em cães obesos. In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE DIAGNÓSTICO POR IMAGEM VETERINÁRIO; 2014, 23; Curitiba. Anais… Curitiba: UFPR, 2014b.
5/5
ENCONTRE O ALIMENTO IDEAL PARA O SEU PET