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Abordagem nutricional da obesidade felina – Revisão de literatura

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Autor(a): Ana Helena Toledo Belletti

Orientador(a): Mariana Santos de Miranda

Instituição: PUCC

Trabalho classificado na 7ª Edição (2021) do Prêmio de Pesquisa PremieRpet®.

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Índice

Resumo

A obesidade é uma doença caracterizada pelo acúmulo excessivo de tecido adiposo no corpo, que ocorre principalmente, quando a quantidade de energia ingerida é superior ao gasto energético do animal. É uma doença de caráter nutricional e crônico, que vem ocupando um espaço de grande importância na medicina felina devido ao aumento da ocorrência na rotina clínica. Muitos fatores podem predispor a obesidade no gato, incluindo hábitos comportamentais, castração, predisposição genética bem como aspectos nutricionais relacionados com dietas desbalanceadas e altamente energéticas. Esse transtorno está associado a uma série de distúrbios metabólicos e comportamentais, que comprometem o bem-estar e a expectativa de vida do animal. O diagnóstico da obesidade é feito através de alguns métodos, sendo o mais utilizado a avaliação do escore de condição corporal e o peso corporal relativo. O tratamento consiste na elaboração de uma rotina esquematizada e no fornecimento da quantidade e tipo de alimentação adequada a composição corporal, idade e peso do animal. O médico veterinário deve trabalhar de maneira preventiva e conhecer a complexidade da doença, de forma a orientar e buscar o comprometimento do tutor durante o tratamento. A compreensão da relação tutor-animal é um ponto essencial que deve ser abordado pelo médico veterinário para definir as estratégias adequadas dentro de um programa de perda de peso. Este trabalho teve como finalidade realizar uma revisão bibliográfica da obesidade felina, apresentando aspectos gerais da doença, particularidades comportamentais e principalmente nutricionais do gato bem como métodos diagnósticos e tratamentos que devem ser considerados no paciente obeso.

Palavras-chave: obesidade felina, nutrição felina, balanço energético.

Introdução

A obesidade é uma doença caracterizada pelo acúmulo excessivo de gordura corpórea, resultante de um desequilíbrio crônico entre o consumo e o gasto energético (JERICÓ; MACHADO, 2015; NELSON; DELANEY, 2015). A ocorrência dessa afecção em felinos domésticos tem se tornado comum na rotina clínica (NELSON; DELANEY, 2015). As causas são multifatoriais, entretanto, é considerada a doença mais importante dentro da nutrição de felinos. Há ainda uma série de distúrbios metabólicos correlacionados a obesidade que podem comprometer severamente a qualidade e expectativa de vida do animal (TARKOSOVA et al., 2016). Além disso, relação tutor-animal tem grande influência no desenvolvimento da doença e pode tornar tratamento desafiador (WITZEL, 2017).

O gato é considerado um carnívoro estrito e tem a necessidade de ingerir pequenas porções de alimento várias vezes ao dia devido as suas particularidades anatômicas e metabólicas (LITTLE; HAMPER, 2017).

Atualmente é uma espécie que vem ganhando espaço como animal de companhia, o que traz uma necessidade de entender os cuidados específicos para a espécie adequando o convívio no ambiente familiar respeitando as exigências nutricionais e os hábitos comportamentais, sendo responsabilidade do médico veterinário realizar um diagnóstico adequado da obesidade e instruir esse tutor sobre a importância de uma alimentação equilibrada (CLINE, 2017; WITZEL, 2017).

Aspectos gerais da obesidade em gatos

A obesidade é uma síndrome caracterizada pelo acúmulo em excesso de tecido adiposo corpóreo, resultante de um desequilíbrio crônico entre o aporte de energia e o gasto dela. Indica, de modo geral, um balanço energético positivo, isto é, quando a quantidade de energia ingerida é superior ao que ele necessita. Atualmente, existem diversos graus de obesidade presentes tanto nos seres humanos quanto nos animais de companhia, mostrando o caráter epidêmico e social da doença (HOENIG, 2010; JERICÓ; MACHADO, 2015; NELSON; DELANEY, 2015).

Considerada atualmente a doença mais importante na nutrição de felinos, a obesidade demonstra um estado de supernutrição. Apresenta alta casuística na rotina da clínica veterinária, considerando que em média 25% a 40% dos pacientes felinos atendidos apresentam sobrepeso ou são obesos. Um estudo publicado por Ward (2019), apontou que em um ano cerca de 59,5% dos gatos atendidos nos Estados Unidos apresentaram sobrepeso ou eram obesos. Um gato é classificado com sobrepeso quando está com 10% a 20% do seu peso acima do ideal, enquanto obesos são gatos que apresentam um peso superior a 20% ao peso ideal. A maior incidência é em gatos machos, adultos e castrados, porém, não há uma prevalência racial estabelecida em gatos (HOENIG, 2010; JERICÓ; MACHADO, 2015; NELSON; DELANEY, 2015; TARKOSOVA et al., 2016; WARD, 2019; WITZEL, 2017).

As causas que levam ao desenvolvimento da obesidade no animal envolvem fatores relacionados a nutrição, ao comportamento, sistema endócrino, castração, genética, metabolismo individual e uso contínuo de alguns medicamentos como os corticoides. O tipo de alimentação, a composição da microbiota e a forma como o alimento é fornecido são fatores importantes que podem influenciar a ocorrência da obesidade (JERICÓ; MACHADO, 2015; SILVA et al., 2019; ZORAN, 2010).

A regulação basal do apetite é controlada por uma interação entre tecido adiposo, sistema gastrointestinal e pelo sistema nervoso central autônomo. O hipotálamo é o centro regulador do apetite, e recebe estímulos externos de ações hormonais da leptina, colecistoquinina e grelina. A colecistoquinina é um supressor de apetite e é secretada pelo duodeno. Já a leptina é um hormônio primariamente sintetizado em adipócitos diferenciados e atua no hipotálamo reduzindo a ingestão de alimentos, consequentemente aumentando o gasto energético, pode ser encontrada em altas concentrações sanguíneas em felinos como uma forma de resposta compensatória do organismo, sendo um importante marcador da obesidade. E por fim a grelina, conhecida como o “hormônio da fome”, é produzida no estômago e responsável por estimular o apetite mediada por neuropeptídios e o gene Agouti (HOENIG, 2010).

No gato obeso, ocorre um aumento do percentual de tecido adiposo, principalmente na região central do animal, distribuído igualmente entre a região intra-abdominal e subcutânea. Os depósitos de gordura serão mais evidentes na base da cauda, sobre os quadris e na região inguinal. O tipo de tecido adiposo mais estocado é o tecido adiposo branco, responsável por produzir adipocinas, mediadores inflamatórios, reguladores de metabolismo e fatores de crescimento. O aumento do depósito de gordura irá levar a um consequente aumento na produção de adipocinas e mediadores inflamatórios, criando uma condição de inflamação crônica do organismo (HAMPER, 2016; HOENIG, 2010; JERICÓ; MACHADO, 2015; SILVA et al., 2019).

A obesidade pode levar a uma série de consequências (Figura 1) como doenças osteoarticulares, diabete mellitus e resistência insulínica, lipidose hepática idiopática, doença do trato urinário inferior de felinos (FLUTD), constipação, dermatites, doenças em cavidade oral, disfunções reprodutivas, maior risco em procedimentos anestésicos e cirúrgicos, problemas pulmonares e cardiovasculares e neoplasias. (KIL; SWANSON, 2010; MENTZEL et al., 2006; NELSON; DELANEY, 2015; TARKOSOVA et al., 2016).

Consequências da obesidade
Figura 1 - Consequências da obesidade (Fonte: Adaptado HOENIG, (2010))

Entender o conceito de obesidade auxilia na determinação do diagnóstico da doença, pois para diagnosticar que há um acúmulo excessivo de gordura corporal é necessário saber avaliar com precisão a quantidade de gordura corporal no animal. Os principais métodos utilizados durante o exame clínico é a inspeção direta, a graduação do escore de condição corporal de 5 ou de 9 pontos (ECC), o sistema de índice de gordura corporal (BFI- Body Fat Index), o índice de massa corporal felino (IMCF) e exames de imagem e laboratoriais para avaliação metabólica. Uma vez diagnosticado, é necessário instituir o tratamento adequado a partir de um cronograma de perda de peso criado em conjunto com o tutor, baseado na rotina e na avaliação individual de cada paciente (NELSON; DELANEY, 2015; WITZEL, 2017).

O tratamento da obesidade consiste em realizar o balanço energético negativo, calculando a quantidade adequada e o tipo de alimento que será fornecido. Introduzir o enriquecimento ambiental na vida do gato é muito importante, como mudar a forma de fornecer o alimento e utilizar comida no processo educativo como brinquedos para rechear para promover a curiosidade e a caça do alimento, além de aumentar a movimentação. O sucesso do tratamento irá depender da determinação do tutor e da orientação nutricional adequada (MENTZEL et al., 2006; NELSON; DELANEY, 2015; TARKOSOVA et al., 2016).

Nutrição e comportamento alimentar do gato

O gato doméstico é um mamífero pertencente a Ordem Carnivora, Família Felidae, que descente do felino selvagem Felis silvestris. Sua trajetória evolutiva foi baseada no consumo de tecido animal sendo considerado um carnívoro estrito. O gato selvagem é um caçador solitário de pequenas presas e, para atingir sua necessidade energética diária precisa predar várias vezes, se alimentando de 7 a 20 por dia. O felino doméstico se assemelha ao comportamento alimentar do felino selvagem e mantém a necessidade de comer várias refeições ao dia,12 a 20 porções, remetendo a esse hábito de caça (CARCIOFI; JEREMIAS, 2010; LITTLE; HAMPER, 2017).

O tecido animal é composto majoritariamente por proteínas, gordura moderada, água e pouco carboidrato. Apesar da variedade de alimentos úmidos ou secos que são oferecidos ao gato doméstico, seu organismo é capaz de regular a ingestão de macronutrientes e, da energia total consumida aproximadamente 52% provém de fonte proteica, 36% de fonte lipídica e 12% de carboidratos, o que demonstra a semelhança evolutiva em relação ao felino selvagem (LITTLE; HAMPER, 2017)

Os gatos apresentam um metabolismo adaptado para utilizar preferencialmente proteína e gordura como principais fontes de energia. Possuem uma alta atividade de enzimas hepáticas do catabolismo proteico, sobretudo das enzimas aminotransferases e enzimas do ciclo da ureia, assim, são capazes de utilizar os aminoácidos para produzir glicose, através do processo de gliconeogênese. Esse mecanismo faz com que eles mantenham os níveis adequados de glicose no sangue e também tenham um maior requerimento proteico quando comparado a outros animais domésticos (LITTLE; HAMPER, 2017; ZAGHINI; BIAGI, 2005; ZORAN, 2010).

Algumas particularidades anatômicas demonstram o tipo de dieta do gato, sendo a dentição projetada para rasgar o alimento, seu comprimento de intestino relativamente curto e sua microbiota muito ativa em intestino delgado proximal, sugerindo uma adaptação a uma dieta carnívora nesse segmento (CARCIOFI; JEREMIAS, 2010; LITTLE; HAMPER, 2017; MENTZEL et al., 2006; PLANTINGA; BOSCH; HENDRIKS, 2011).

Quanto ao aspecto sensorial do alimento, os felinos domésticos possuem maior receptores de sabor para identificar aminoácidos e a palatabilidade acaba se correlacionando a sua necessidade nutricional, sendo que fontes de proteína animal, gordura e alimentos úmidos são extremamente palatáveis a ele (LITTLE; HAMPER, 2017).

Na alimentação industrializada, a ração seca extrusada contém cerca de 7% a 10% de água, enquanto a ração úmida chega a um percentual médio de 80%. Quando oferecido apenas o alimento seco, o gato pode não conseguir completar a necessidade hídrica bebendo a água, o que torna as dietas estritamente secas um fator que pode predispor a problemas no trato urinário inferior. Já uma alimentação úmida leva a um consequente aumento da ingestão hídrica e diurese, diluindo os íons formadores de cristais e impedindo a formação de cálculos (LITTLE; HAMPER, 2017).

A alimentação humanizada do gato é uma realidade na relação tutor- animal e muitas vezes os tutores acabam demonstrando afeto para o seu animal através da comida e como uma forma de compensar a atenção por o gato passar muitas horas do dia sozinho, podendo levar a uma alimentação excessiva e desbalanceada, principalmente quando a comida fica disponível à vontade (ad libitum) e em criação indoor (MENTZEL et al., 2006; NELSON; DELANEY, 2015; PROVIDELO; TARTAGLIA, 2011;).

Considerações finais

O felino doméstico é um animal carnívoro estrito e vem atualmente ocupando um papel importante como animal de companhia, levando a necessidade de entender mais sobre a nutrição e comportamento natural da espécie. O funcionamento apropriado do metabolismo energético depende de uma dieta balanceada, sendo o catabolismo proteico a principal fonte de produção de energia no gato. A obesidade felina é uma realidade preocupante de alta casuística na rotina clínica e pode causar limitações físicas, emocionais e consequências metabólicas graves e irreversíveis. Uma nutrição adequada combinada a um bom manejo nutricional irá garantir comportamentos saudáveis e naturais para a espécie, além de influenciar positivamente no controle de peso corporal e no metabolismo. A conscientização da complexidade da doença deve ser feita pelo médico veterinário. O diagnóstico adequado é um ponto determinante para instituir o tratamento correto. Acompanhamentos periódicos do paciente são importantes para a prevenção da doença.

Referências bibliográficas

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HOENIG, M. Obesity. In: Clinical Endocrinology of Dogs & Cats. 2. ed. [s.l: s.n.]p. 297–301.

JERICÓ, M. M.; MACHADO, F. L. A. Obesidade. In: Tratado de Medicina Interna de Cães e Gatos. [s.l.] gen, ROCA, 2015. p. 4167–4199.

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MENTZEL, R. et al. A obesidade no cão e no gato – abordagem comportamental.

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TARKOSOVA, D. et al. Feline obesity – prevalence, risk factors, pathogenesis, associated conditions and assessment: A review. Veterinarni Medicina, v. 61, n. 6, p. 295–307, 2016.

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Veterinary Clinics of North America – Small Animal Practice, v. 40, n. 2, p. 221– 239, 2010. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1016/j.cvsm.2009.10.009>.

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