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Eficácia clínica de restrição de gordura na linfangite lipogranulomatosa e linfangiectasia em cães

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Autor(a): Vitoria França Gonçalves

Orientador(a): Márcia de Oliveira Sampaio Gomes

Instituição: FMVZ USP

Trabalho Aprovado na 8ª Edição (2022) do Prêmio de Pesquisa PremieRpet®.

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Índice

Resumo

A linfangiectasia intestinal (LI) é uma das enteropatias com perda de proteína mais frequentes em cães e se caracteriza pelo extravasamento da linfa para o lúmen intestinal, decorrente de causas primárias ou secundárias. Em casos raros, a LI pode estar associada à presença de linfangite lipogranulomatosa (LL), devido à ação de macrófagos que fagocitam o conteúdo extravasado rico em proteína e gordura formando lipogranulomas. O manejo nutricional adequado é fator determinante no prognóstico dos animais com LI, não sendo incomum os relatos de desfecho desfavorável de animais com esta enteropatia associada com LL. O presente estudo traz o relato de um cão, da raça Bulldog Francês, macho, com 3 anos de idade, que foi levado a atendimento em Hospital Veterinário Universitário, devido a diversos episódios eméticos. Aos exames complementares, foi cogitada a suspeita de LI, confirmada posteriormente após realização de biópsia intestinal. O paciente em questão, após o fornecimento de dieta comercial com baixo teor de gordura, apresentou boa evolução clínica e melhora nos aspectos ultrassonográficos. Associado à correta terapia, acredita-se que o diagnóstico precoce, ou seja, antes do surgimento de outras manifestações clínicas típicas da doença, também foi fator determinante para a evolução favorável do animal.

Introdução

A linfangiectasia intestinal (LI) é uma enteropatia caracterizada por uma dilatação dos vasos linfáticos no trato gastrointestinal, que podem se romper e cursar com liberação de um fluido rico em proteínas no lúmen e interstício intestinal, sendo assim, classificada como uma enteropatia com perda proteica (CRAVEN; WASHABAU, 2019). É a mais comum enteropatia com perda de proteína em caninos, sendo as raças Yorkshire, Maltês, Shar-pei, algumas das mais predispostas a desenvolverem esta enfermidade. A LI pode ser de origem primária ou secundária, que resulta de alterações importantes a ponto de causar hipertensão linfática e prejudicar a drenagem neste sistema (CRAVEN; WASHABAU, 2019; ILHA; LORETTI; BARROS, 2004).

Os animais que possuem essa doença podem ser assintomáticos, ou apresentar manifestações clínicas como diarreia crônica, êmese, anorexia, caquexia, derrames cavitários e dispneia. Em casos mais graves, pode-se observar imunodeficiência e tromboembolismo, sendo este último relacionado como a causa de morte súbita nesses quadros (CRAVEN; WASHABAU, 2019; ILHA; LORETTI; BARROS, 2004). Os exames complementares laboratoriais podem demonstrar linfopenia, hipoproteinemia por hipoalbuminemia, hipocolesterolemia e hipocalcemia, decorrentes do extravasamento e perda da linfa (KULL et al., 2001; BEHEREGARAY et al., 2008; OKANISHI et al., 2014).

A linfangite lipogranulomatosa, por sua vez, é uma alteração rara que pode estar presente em cães com LI ou outros tipos de enteropatias com perda de proteínas. É caracterizada por uma lesão granulomatosa transmural onde se observam macrófagos repletos de vacúolos de gordura em seus citoplasmas, decorrente da fagocitose da linfa extravasada, bem como células gigantes multinucleadas, neutrófilos, macrófagos e infiltrado linfoplasmocítico (KULL et al., 2001; ILHA; LORETTI; BARROS, 2004; KATHRANI, 2020).

Os achados macroscópicos de necrópsia, para as duas enfermidades, evidenciam mucosa intestinal pálida, de aspecto aveludado, podendo também conter lesões arredondadas, lisas, elevadas, firmes e com efusão pleural ou ascite, nos quadros em que hipoalbuminemia importante estava presente. As lesões microscópicas observadas podem relevar dilatação e distorção dos vasos linfáticos centrais das vilosidades intestinais, com aglomerados de macrófagos vacuolizados com citoplasma preenchido por material lipídico (BEHEREGARAY et al., 2008; ILHA; LORETTI; BARROS, 2004). Embora os exames laboratoriais e a ultrassonografia abdominal possam sugerir a presença de LI, para se obter diagnóstico definitivo, é necessário lançar mão de biópsia intestinal, seguida por análise histopatológica onde é possível observar a dilatação dos vasos linfáticos (CRAVEN; WASHABAU, 2019).

As estratégias terapêuticas para a linfangiectasia estão relacionadas a tratar a causa de base, quando presente, e fornecer uma dieta específica para esses animais, a fim de promover uma melhor qualidade de vida e maior sobrevida. É sabido que diminuir a ingestão de lipídios, resulta em diminuição da pressão linfática e reduz o ingurgitamento dos vasos linfáticos. Embora não se tenha um padrão claro e isso deva ser avaliado para cada paciente, em geral, é recomendado que o teor de gordura na dieta esteja entre 10 e 15%, mas há situações em que menores aportes possam ser necessários. Também é preconizado o fornecimento de dietas com alta digestibilidade proteica (CRAVEN; WASHABAU, 2019; KATHRANI, 2020). O pior prognóstico está associado ao baixo escore de condição corporal (ECC), hipoalbuminemia marcante (menor que 13g/L), presença de ascite e diminuição de proteína C reativa, que recentemente foi considerado um biomarcador para animais com esta doença (CRAVEN; WASHABAU, 2019).

Relato de Caso

Um cão, da raça Bulldog Francês, macho, de 3 anos de idade, deu entrada ao atendimento clínico de um Hospital Veterinário Universitário, apresentando diversos episódios eméticos, de conteúdo líquido e espumoso, ocorridos no mesmo dia em que paciente deu entrada ao serviço. Foi referido que no dia anterior, o paciente encontrava-se em normorexia, normoquesia e normodipsia, sem outras alterações percebidas pelos responsáveis. Ao exame físico, observou-se que o paciente estava alerta, clinicamente hidratado, com mucosas róseas, sem alterações à palpação abdominal, com temperatura de 38,5ºC, taquipneico e apresentando roncos inspiratórios que impossibilitaram a auscultação cardiopulmonar. Apresentava escore de condição corporal (ECC) de 5/9 e escore de massa muscular (EMM) de 3/3. O paciente foi medicado com Citrato de Maropitant 1 mg/kg.

Foi coletado material para realização de exames laboratoriais, onde não foi observado alterações em relação ao hemograma e bioquímica sérica (proteína total, albumina, bilirrubina total e frações, ureia e creatinina, sódio e potássio, além da atividade das enzimas alanina aminotransferase e fosfatase alcalina). Na avaliação de imagem, realizou-se radiografia torácica que evidenciava campos pulmonares com discreta opacificação de paredes de brônquios na região hilar e suave opacificação interstício-alveolar difusa correspondente ao lobo cranial direito, compatível com um quadro de pneumonia, possivelmente por aspiração. À ultrassonografia abdominal, o animal apresentava fígado com ecogenicidade diminuída, estômago apresentando paredes espessadas (0,48cm a 0,62cm), duodeno espessado (medido até 0,40 cm), com região de irregularidade de mucosa, jejuno com alguns segmentos espessados (0,24cm a 0,44cm), além da camada mucosa em maior evidência. O pâncreas apresentava dimensões aumentadas (1,17cm) e linfonodos abdominais com contornos abaulados, ecogenicidade diminuída e ecotextura homogênea.

Frente aos resultados dos exames complementares, iniciou-se tratamento em domicílio para o diagnóstico de pneumonia, gastroenterite e pancreatopatia de origem desconhecidas, sendo prescrito por 10 dias amoxicilina com clavulanato de potássio (22 mg/kg) a cada 12 horas, omeprazol (1 mg/kg) a cada 12 horas, acetilcisteína (3 mg/kg) a cada 8 horas e Inalação com solução fisiológica a cada 8 horas. O citrato de maropitant (4,5 mg/kg) a cada 24 horas foi prescrito por 3 dias, além de prednisolona (0,75 mg/kg por 6 dias e 0,37 mg/kg por mais 4 dias).

Os retornos subsequentes foram realizados diariamente, nos 2 primeiros dias após a entrada no serviço e, a cada 14 dias quando passado este período. O paciente apresentava bom estado geral nos primeiros retornos, apresentando alguns episódios eméticos isolados, de conteúdo alimentar. Após 30 dias da admissão do animal ao hospital, outro exame ultrassonográfico foi realizado, onde constatou-se piora do espessamento de duodeno (medindo até 0,49cm) e jejuno (de 0,25cm até 0,57cm), associado a segmento nesta mesma porção intestinal com camada mucosa e submucosa em maior evidência e presença de estriações hiperecogênicas em camada mucosa, sugerindo um quadro de LI, com mesentério adjacente discretamente hiperecogênico.

Diante da suspeita de LI, foi realizada biópsia de intestino delgado e linfonodos no dia seguinte (31 dias após a consulta inicial). Após análise histopatológica dos fragmentos obtidos, indicou lesões microscópicas em intestino delgado, com dilatação dos vasos linfáticos centrais, ocupando de 50 a 70% da largura em mais de 50% dessas estruturas, sendo alguns deles com linfócitos e macrófagos vacuolizados no lúmen. Também foram identificados lipogranulomas isolados e coalescentes nas placas de Peyer e em tecido adiposo do mesentério, contendo macrófagos vacuolizados, repletos de lipídios intracitoplasmáticos. A relação vilo/cripta estava preservada, mas com dilatação e formação de microabscessos de criptas. O diagnóstico final foi de linfangite lipogranulomatosa e necrótica multifocal a coalescente e marcante com linfangiectasia moderada, enterite neutrofílica e edema, conforme apresentado na Figura 1.

Figura 1 – Análise histopatológica dos segmentos da porção intestinal entre jejuno e íleo de um cão com linfangite lipogranulomatosa e linfangiectasia.

Figura 1. Análise histológica da porção intestinal entre jejuno e íleo de paciente canino com diagnóstico de linfangiectasia e linfangite lipogranulomatosa. (A) Presença de vasos linfáticos dilatados em região de vilosidades e de camada mucosa. (B) Presença de macrófagos aglomerados, formando granuloma, com presença de vacúolos lipídicos no citoplasma.

Após confirmação diagnóstica, a responsável foi orientada a realizar a troca da alimentação por um produto comercial com baixo teor de gordura, sendo indicado alimento com níveis de garantia de: umidade (máx.) 110g/kg, proteína bruta (mín.) 200g/kg, extrato etéreo (mín.) 50g/kg, matéria fibrosa (máx.) 37g/kg, matéria mineral (máx.) 78g/kg, cálcio (mín. e máx.) 8.700mg/kg e 13,1g/kg, fósforo (mín.) 6.600mg/kg, sódio (mín.) 3.200mg/kg, cloro (mín.) 8.800mg/kg, potássio (mín.) 5.600mg/kg, magnésio (mín.) 700mg/kg, L-lisina (mín.) 9.450mg/kg, taurina (mín.) 1.890mg/kg e metionina (mín.) 5.400mg/kg.

Após essa indicação e frente ao bom estado geral do paciente, foi realizado acompanhamento clínico a cada 45 dias, sem necessidade adicional de nenhum tratamento medicamentoso desde a realização da biópsia. Foi possível observar evolução para melhora clínica, com bom estado geral e ausência de novos episódios eméticos e persistência de padrões de normalidade aos exames laboratoriais realizados (hemograma e bioquímica sérica). Em relação aos achados ultrassonográficos, embora na última avaliação (140 dias após a realização da biópsia) o paciente ainda apresentava espessamento de alguns segmentos de duodeno e jejuno, houve melhora em relação ao exame realizado antes do fornecimento do alimento coadjuvante específico, conforme apresentando na Tabela 1, onde o dia 0 marca o dia em que foi realizada a biópsia intestinal e prescrição de alimento coadjuvante com restrição de gordura.

Tabela 1 Evolução das mensurações ultrassonográficas de duodeno e jejuno com destaque do aspecto morfológico observado a partir do início da dieta coadjuvante hipocalórica.

Discussão

A linfangiectasia intestinal (LI) é uma das enteropatias com perda de proteína mais frequente em cães, cujas manifestações clínicas mais observadas são diarreia crônica, êmese, anorexia, formação de líquido cavitário e dispneia (ILHA et al., 2004). Apesar disso, o paciente relatado deu entrada para atendimento apenas com histórico de repetidos episódios eméticos. Adicionalmente, não foi evidenciada linfopenia, hipoproteinemia por hipoalbuminemia e hipocolesterolemia, que são alterações laboratoriais comuns em animais com LI (BEHEREGARAY et al., 2008). Tal quadro e ausência de alterações pode ser justificado por um possível estágio inicial da doença e ao fato da responsável ter trazido o animal rapidamente para o atendimento.

Casos de LI com linfangite lipogranulomatosa em cães já foram relatados na medicina veterinária. Ilha et al. (2004), relataram tais enfermidades em dois cães, um sem raça definida (SRD) e um Fila Brasileiro, com 7 anos e 9 meses de idade, respectivamente. O desfecho de ambos foi desfavorável, sendo realizada eutanásia no primeiro e o segundo veio a óbito durante laparotomia (ILHA; LORETTI; BARROS, 2004). Outro caso de LI com linfangite lipogranulomatosa que evoluiu de forma desfavorável aconteceu em um Pitbull de 14 meses, macho, com quadro de diarreia crônica, anorexia, aumento de volume abdominal e dispneia, submetido a drenagem de efusão pleural e abdominal. Em quatro semanas, o paciente apresentou piora do quadro, com hipoalbuminemia importante, diarreias mais frequentes e piora da dispneia, evoluindo óbito por parada cardiorrespiratória (BEHEREGARAY et al., 2008).

Em um outro estudo com 10 cães com LLG isoladas ou associadas a doença inflamatória intestinal (DII), 4 animais tiveram remissão do quadro após instituição de corticoterapia associada a dieta com restrição de gordura, variando entre 2 a 9 meses, após a instituição da terapia. Outros 4 pacientes ainda apresentavam episódios de diarreia recorrentes, pelo menos uma vez por mês e 2 outros foram eutanasiados devido a deterioração do estado geral (LECOINDRE et al., 2016).

Diferente de maioria dos outros casos, o paciente deste relato evoluiu de forma favorável, apresentando melhora gradual em relação às manifestações clínicas e alterações encontradas à ultrassonografia abdominal, tendo sido importante a terapia de suporte inicialmente instituída e fundamental o emprego de alimento coadjuvante com baixo teor de gordura para o resultado obtido, uma vez que o paciente estava sem nenhuma outra terapia há aproximadamente 140 dias. Já que a restrição de gordura reduz a pressão e o fluxo na circulação linfática, propiciando menor dilatação dos ductos deste sistema e menor perda de proteína para o lúmen intestinal (CAVE, 2012).

Conclusão

A ocorrência de quadros de LI e linfangite lipogranulomatosa tem sido relatada em cães associada com desfecho clínico desfavorável e baixa sobrevida, a despeito da instituição de dieta com baixo conteúdo de lipídios e terapia de suporte. No presente relato, conclui-se que o diagnóstico precoce destas enfermidades aliado à correta conduta terapêutica, baseada em alimento coadjuvante com baixo teor de gordura, proporcionou evolução clínica favorável ao paciente, que pode ser comprovada pela interrupção das manifestações clínicas e melhora dos parâmetros ao exame ultrassonográfico.

Referências bibliográficas

BEHEREGARAY, W. K.; GIANOTTI, G. C.; LAMBERTS, M.; PAVARINI, S. P.; FERREIRA, P. R.; LACERDA, L. A.; CONTESINI, E. A. Linfangiectasia intestinal associada à linfangite lipogranulomatosa em cão da raça Pit Bull. Acta Scientiae Veterinarie, v.36, n.1, p.63-67, 2008.

CRAVEN, M. D.; WASHABAU, R. J. Comparative pathophysiology and management of protein-losing enteropathy. Journal of Veterinary Internal Medicine, v.33, n.2, p.383-402, 2019.

CAVE, N. Nutritional Management of Gastrointestinal Disease. In: FASCETTI, A. J.; DELANEY, S. J. Applied Veterinary Clinical Nutrition. 1ª Edição. Wiley- Blackwell, 2012.

ILHA, M. R. S.; LORETTI, A. P.; BARROS, C. S. L. Linfangiectasia intestinal e linfadenite lipogranulomatosa em dois caninos. Ciência Rural, v.34, n.4, p.1155-1161, 2004.

KATHRANI, A. Dietary and Nutritional Approaches to the Management of Chronic Enteropathy in Dogs and Cats. Veterinary Clinics of North America: Small Animal Practice, v.51, n.1, p.123-136, 2021.

KULL, P. A.; HESS, R. S.; CRAIG, L. E.; SAUNDERS, H. M.; WASHABAU, R. J. Clinical, clinicopathologic, radiographic, and ultrasonographic characteristics of intestinal lymphangiectasia in dogs: 17 cases (1996-1998). Journal of the American Veterinary Medical Association, v. 219, n.2, 197-202, 2001.

LECOINDRE, A.; LECOINDRE, P.; CADORÉ, J. L.; CHEVALLIER, M.; GUERRET, S.; DERRÉ, G.; MCDONOUGH, S. P.; SIMPSON, K. W. Focal intestinal lipogranulomatous lymphangitis in 10 dogs. Journal of Small Animal Practice, v. 57, n. 9, p. 465-471, 2016.

OKANISHI, H.; YOSHIKA, R.; KAGAWA, Y.; WATARI, T. The Clinical Efficacy of Dietary Fat Restriction in Treatment of Dogs with Intestinal Lymphangiectasia. Journal of Veterinary Internal Medicine, v.28, n.3, p.809-817, 2014.

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