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Entendendo o papel do microbioma intestinal na saúde dos cães

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Autor(a): Giovanna Casarano Moreira

Orientador(a): Daniele Cristine Raimundo

Instituição: Universidade São Judas Tadeu

Trabalho classificado na 7ª Edição (2021) do Prêmio de Pesquisa PremieRpet®.

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Índice

Resumo

O microbioma intestinal é uma comunidade complexa de microrganismos, seus genes e seus metabólitos que participam na manutenção da saúde do hospedeiro. Estudos sobre a composição e função desta comunidade no trato gastrointestinal dos cães demostram que o desequilíbrio, chamado de disbiose intestinal, mantém relação com diversas doenças gastrointestinais e sistêmicas. Devido a esse entendimento, desenvolveram-se métodos diagnósticos que demostram o desequilíbrio desta comunidade e terapias na tentativa de reestabelecer o equilíbrio. O uso de prebióticos, probióticos e polifenóis e o transplante de microbiota fecal são tratamentos propostos em substituição à antibioticoterapia.

Introdução

O microbioma intestinal tornou-se um assunto de grande interesse cientifico e público, pois nas últimas décadas pesquisas demostraram sua relação com o estado de saúde do hospedeiro (REDFERN et al., 2017; BERG et al, 2020). Em humanos e outros mamíferos já foram descritos a ligação do microbioma intestinal em uma série de processos fisiológicos vitais como metabolismo, a integridade do epitélio intestinal, atividade do sistema imune e ao neuro-desenvolvimento (BARKO et al, 2018).

O termo microbioma se refere a comunidade de microrganismos comensais, simbióticos e patogênicos e os metabolitos produzidos por essa interação, em um habitat especifico. Composto por bactérias, arquéias, fungos, protozoários, vírus e seu genoma coletivo em um equilíbrio dinâmico e simbiótico (NIH HMP WORKING GROUP, 2009; BERG et al, 2020). O desequilíbrio em relação aos componentes desta microbiota intestinal é denominado disbiose, onde ocorre a alteração na quantidade ou composição deste microbioma, podendo ser a causa do desenvolvimento de algumas doenças, ou a consequência de alguma doença do hospedeiro (SUCHODOLSKI, 2016; ZIESE; SUCHODOLSKI, 2021).

Nos cães, além dos avanços na identificação das espécies que compõem o microbioma intestinal, vários estudos comprovam sua relação com doenças gastrointestinais e sistêmicas, e assim novas terapias estão sendo propostas para reestabelecer seu equilíbrio, normalizando a composição e a função da microbiota, sendo que a modulação dietética é considerada a etapa principal para este reestabelecimento (SCMHITZ; SUCHODOLSKI, 2016; BARKO et al, 2018; ZIESE; SUCHODOLSKI, 2021).

Dada a importância da composição, equilíbrio e reestabelecimento do microbioma intestinal na prevenção ou tratamento de diversas doenças, esta revisão tem como objetivo reunir informações atuais sobre o microbioma intestinal dos cães, assim como as terapias disponíveis para reestabelecimento da homeostase intestinal desta espécie animal.

Desenvolvimento

O microbioma intestinal é uma comunidade composta por aproximadamente um trilhão de células e uma coleção de genes que ultrapassa em 100 vezes o número de genes do próprio hospedeiro (SUCHODOLSKI, 2016).

Devido a esta complexidade em quantidade e variedade dos microrganismos que compõem o microbioma intestinal, utilizam-se técnicas de identificação em larga escala, por filos e famílias de amostras de mucosa ou conteúdo intestinal de diferentes segmentos do trato gastrointestinal, através de ferramentas de análises moleculares (comumente com base no sequenciamento do gene 16S rRNA bacteriano (SUCHODOLSKI et al., 2008; GUARD et al, 2015). Em cães e gatos, no intestino delgado são encontradas bactérias aeróbias e anaeróbias facultativas, enquanto no intestino grosso são identificadas quase exclusivamente bactérias anaeróbias (SUCHODOLSKI et al., 2008).

Em geral, os filos bacterianos predominantes na microbiota intestinal de cães são: Firmicutes, Bacteroidetes, Proteobacteria, Fusobacteria e Actinobacteria (SCHMITZ et al., 2016). Assim como nos humanos, a maioria dos estudos em cães revelam que os filos bacterianos predominantes nas fezes caninas são Firmicutes e Bacteroidetes.; sendo que o gênero dominante é o Clostridium, e em contraste com outros animais, o filo Fusobacteria parece também ser abundante nas fezes caninas (BARKO et al, 2018).

Dentro deste microbioma, cada comunidade contribui para a manutenção da saúde deste hospedeiro. Os microrganismos comensais comumente induzem a produção de muco pelo epitélio atuando como uma barreira aos patógenos, diversas bactérias auxiliam na digestão dos alimentos, extração de nutrientes e produção de substâncias como ácidos graxos de cadeia curta (SCFA) e vitaminas K, B9, B12 (REDFERN et al, 2017). Esses organismos também desempenham um importante papel na imunidade mediados por competição direta por nutrientes, estimulação de antimicrobianos, produção de peptídeos pelo enterócito e modulação imunológica do hospedeiro, assim essas funções são significativamente prejudicadas com a disbiose (KAMADA et al, 2013).

Por tratar-se de uma comunidade dinâmica, no decorrer da vida do hospedeiro pode sofrer importantes mudanças em consequência de alteração de dieta, mudança de habitat do animal, doenças sistêmicas, assim como terapias medicamentosas com uso inibidores da bomba de prótons (como supressores da acidez estomacal), anti-inflamatórios não estereoidais e antibióticos (BARKO et al, 2018). Estas alterações podem levar a mudanças no pH, motilidade, níveis de oxigênio e presença de sangue no tratogastrointestinal, e todos esses fatores favorecem o crescimento excessivo de algumas espécies e consequente desequilíbrio chamado de disbiose, afetando a funcionalidade deste microbioma (REDFERN et al.,2017). Na disbiose, é comum a diminuição dos filos Firmicutes e Bacteroidetes, e consequente aumento de Proteobacteria e Actinobacteria (HONNEFFER et al, 2017).

Além destes fatores que interferem na dinâmica do microbioma, o uso de antibióticos também altera esse equilíbrio, diminuindo a riqueza e diversidade taxonômica e levando a alterações metabólicas. Estudos já demonstram que cães tratados com antibióticos demoram mais tempo para reestabelecer a homeostase intestinal quando comparados a animais que não usaram antibióticos (REDFERN et al.,2017; CHAITMAN et al, 2020).

A comunidade científica já reconhece que a disbiose está associada às doenças gastrointestinais como nas diarreias agudas e enteropatias crônicas (diarreias responsivas as dietas, diarreias responsivas aos antibióticos e doença inflamatória intestinal idiopática) (HONNEFFER et al, 2017). Diversas doenças que não se restringem apenas ao trato gastrointestinal também são descritas em cães com disbiose, como dermatite atópica (CRAIG, 2016), diabetes e obesidade (NICHOLSON et al, 2012).

As técnicas de diagnostico da disbiose baseadas em sequenciamento conseguem caracterizar detalhadamente a microbiota do animal, porém o custo relativamente alto e a demora na obtenção dos resultados acabam tornando este exame desvantajoso. Para auxiliar no diagnóstico da disbiose de uma forma mais rápida, foi desenvolvido um ensaio de PCR que quantifica a abundância de 8 grupos bacterianos, entre eles: Faecalibacterium, Turicibacter, Escherichia coli, Streptococcus, Blautia, Fusobacterium e Clostridium hiranonis e o total de bactérias da amostra, e os resume em um único número, o chamado “Índice de Disbiose (DI)” que permite que avaliar se o cão tem uma composição normal ou anormal da microbiota fecal. Além disso, com base na abundância de Clostridium hiranonis este exame pode prever a conversão normal ou anormal de ácidos biliares no intestino (ou seja, prevê uma falta de conversão de ácidos biliares primários em secundários), pois a falta de ácidos biliares secundários é um dos principais contribuintes para uma microbiota anormal (ALSHAWAQFEH et al, 2017).

As intervenções dietéticas para modulação da microbiota intestinal dos cães é uma formas mais efetivas de recompor o equilíbrio do microbioma, através do uso de probióticos, prebióticos ou sua combinação (simbióticos) (SCMHITZ; SUCHODOLSKI, 2016; UNTERER; BUSCH, 2021).

Os prebióticos são carboidratos, compostos de fibras de diferentes comprimentos que não são digeridos pelo trato gastrointestinal, que estimulam seletivamente a proliferação e atividade de grupos bacterianos presentes na microbiota (ROBERFROID, 2002). Os dissacarídeos (lactulose e tagatose), oligo- ou polissacáridos (fruto-oligossacáridos FOS, mananoligossacarídeo MOS, xilo- oligossacáridos polidextrose e galacto-oligossacareos) e prebióticos de cadeia longa (como a inulina) são prebióticos disponíveis para serem usados na alimentação animal para recuperação do equilíbrio intestinal (SCHMITZ; SUCHODOLSKI, 2016).

Por não ocorrer a degradação pelo estomago e intestino, os prebióticos chegam íntegros ao ceco e cólon, servindo como substrato para fermentação da microbiota intestinal, enquanto além de colaborar na frequência e umidade do conteúdo fecal em consequência do efeito osmótico criado neste ambiente (ROBERFROID, 2002). Entre os vários efeitos benéficos da suplementação com prebióticos podemos destacar o aumento dos gêneros Lactobacilos e Bifidobacterium e redução C. perfringens no microbioma canino (SWANSON et al.,2002)

Diferente dos prébióticos, os probióticos são microrganismos vivos administrados com a intenção de melhorar a saúde do hospedeiro sendo uma estratégia na tentativa de recuperar o equilíbrio do microbioma intestinal, pois além de competir com os patógenos, atuam também inibindo a aderência destes na mucosa intestinal, podendo produzir bacteriocinas, aumentar a produção de IgA e absorção de nutrientes e regulam negativamente a secreção de citocinas pró-inflamatórias (SCHMITZ; SUCHODOLSKI, 2016; CANDELLONE et al, 2020).

Os benefícios dos probióticos já são comprovados no tratamento de diversas doenças em cães, como na diarreia idiopática, diarreia aguda e síndrome de diarreia hemorrágica, onde tanto a remissão do quadro clinico, quanto a melhora da consistência das fezes ocorreu em menor tempo comparados com grupos controle (CANDELLONE et al, 2020). O uso de probióticos em cães com Doença inflamatória intestinal também mostrou resultados promissores, tanto para prevenir quanto para tratar esses animais (SCHMITZ; SUCHODOLSKI, 2016). Além de doenças gastrointestinais, o benefício dos probióticos já foi comprovado no tratamento de dermatite atópica canina (BOTONI, 2018) e até como coadjuvante no tratamento de cães nefropatas auxiliando na diminuição da uremia (GULDRIS et al. 2017).

A associação dos pré e próbioticos dão origem a uma terapia simbiótica potente para o reestabelecimento da microbiota intestinal e estado imunológico do hospedeiro, principalmente nas doenças gastrointestinais, onde já é observado que essa terapia muitas vezes é capaz de auxiliar na resolução da diarreia aguda infecciosa, não infecciosa ou idiopática nos cães, sem a utilização de qualquer fármaco (SCHMITZ; SUCHODOLSKI, 2016; SINGLETON et al., 2019).

O desequilíbrio do microbioma intestinal pode ocasionar a perda da integridade da barreira intestinal com aumento da resposta inflamatória, e consequente aumento do estresse oxidativo celular, elevando a destruição celular e tecidual, quadro este muito visto nas enteropatias crônicas e agudas nos cães. Vários compostos fenólicos têm sido reconhecidos como potenciais agentes antimicrobianos com ações bacteriostáticas ou bactericidas, entre os mais estudados destacam-se: a quercetina, quercitrina, resveratrol e rutina. Além dos pré e próbioticos, a suplementação dietética com polifenóis pode representar uma estratégia de integração antinflamatória e antioxidante eficaz nestes quadros (CANDELLONE et al., 2020).

Outra alternativa para reestabelecer a microbiota é o transplante de microbioma fecal, uma técnica que transfere microrganismos de um animal saudável, para um animal doente. Através da introdução uma comunidade microbiana estável, seja por enema retal, colonoscopia ou cápsulas orais, é uma técnica onde observa-se resultados muito positivos principalmente em comparação às terapêuticas tradicionais como a antibioticoterapia (CHAITMAN et al, 2020; UNTERER; BUSCH, 2021).

Considerações finais

O conhecimento sobre microbioma intestinal evoluiu ao longo dos anos, e a disbiose intestinal nos cães está cada vez mais em evidência pela intrínseca relação com diversas afecções.

A ciência descobre e desenvolve novos protocolos terapêuticos alternativos à antibioticoterapia, que demonstrou possuir muitos malefícios a médio e longo prazo. Neste contexto, a modulação dietética, seja pelo uso de prébioticos, próbioticos, simbiotóticos ou polifenóis, é uma das formas de tratamento mais eficazes e acessíveis tanto para prevenir esse desequilíbrio, quando para tratar a disbiose.

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