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A nutrição como chave para o tratamento e prevenção do câncer em animais de companhia

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Autor(a): Giullia Buriti Meriade

Orientador(a): Felipe Gomes Ferreira Padilha

Instituição: UFF

Trabalho Aprovado na 7ª Edição (2021) do Prêmio de Pesquisa PremieRpet®.

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Índice

Resumo

A longevidade dos cães e gatos aumentou demasiadamente com o passar dos anos, conforme algumas mudanças nos cuidados desses animais. O convívio cada vez maior com o homem influenciou na mudança da alimentação dessas espécies, que associada ao aumento da expectativa de vida, provoca um acréscimo da incidência de câncer. As neoplasias afetam o metabolismo do hospedeiro, assim, o fornecimento da alimentação de acordo com os nutrientes necessários para um aporte energético adequado do paciente e, ao mesmo tempo, oferecendo menos fontes de energia para o desenvolvimento do tumor, pode ser um método utilizado como tratamento e prevenção do câncer. Portanto, esse estudo sugere a adaptação da dieta de animais com neoplasias ou suscetíveis a elas através da formulação de uma ração com um balanço nutricional adequado para reduzir e evitar o desenvolvimento de tumores.

Palavras-chave: Carboidratos. Lipídios. Metabolismo. Oncológico. Proteínas.

 

Introdução

A neoplasia é uma condição médica caracterizada pelas elevadas taxas mitóticas de um determinado tecido, que é desencadeada por mutações, as quais afetam uma única célula e sua progênie clonal. Ela pode acometer diversos órgãos e pode ser benigna ou maligna. O tumor é classificado como benigno caso apresente crescimento lento, limites bem definidos e, assim, apresente caráter inocente e seja incapaz de invadir outros tecidos, e como maligno, se apresentar elevada capacidade de multiplicação em pouco tempo, limites pouco definidos, portanto, sendo apto a adentrar outros tecidos (KUMAR; ABBAS; ASTER, 2016). Os tumores malignos manifestam células menos diferenciadas, o que facilita o seu rápido desenvolvimento. A incidência de câncer em cães é de 50% e, em gatos, entre 30% e 35% ao longo da vida. Esses índices variam de acordo com os hábitos alimentares dos animais, se o animal é inteiro ou castrado e fatores genéticos, principalmente (ARAÚJO, 2017).

Cães e gatos pertencem à mesma ordem da classificação filogenética, a “Carnivora”, mas a sua classificação se diverge nos níveis de família, gênero e espécie. Assim, é indicado que ambos são animais carnívoros, ou seja, se alimentam predominantemente de carne, portanto, apresentam características que permitem a realização desse papel etiológico. No entanto, o cão apresenta uma dieta mais onívora, já que também se alimenta de produtos vegetais e possui uma necessidade proteica menor do que os gatos, que apresentam uma dieta demasiadamente especializada. Além disso, o convívio com o homem aproximou ainda mais a alimentação onívora do cão, diferenciando um pouco mais os hábitos alimentares de caninos e felinos, apesar da semelhança na classificação da ordem.

O manejo nutricional adequado pode atuar preventivamente e como tratamento contra o câncer, pois foi comprovado que o tumor consegue alterar o metabolismo corpóreo de carboidratos, proteínas e gorduras, e tais alterações podem afetar a imunidade do paciente, reduzindo a sua qualidade e expectativa de vida. Um paciente oncológico normalmente apresenta desordem metabólica antes de demonstrar qualquer sintomatologia, o que expressa a relevância de iniciar o tratamento nutricional com antecedência para evitar o avanço do quadro e dificultar o tratamento quando ele já estiver instalado (CASE et al., 2011).

O objetivo deste estudo foi realizar uma revisão de literatura estabelecendo uma relação das alterações metabólicas ocasionadas pelas neoplasias no organismo animal e os efeitos benéficos da dieta em cães e gatos acometidos.

Desenvolvimento

A presença de tumores malignos em cães e gatos gera alterações no metabolismo de carboidratos, proteínas e lipídeos. Principalmente, o metabolismo de carboidratos é alterado pela presença e desenvolvimento do tumor, que utiliza essa fonte de energia para o seu crescimento. Desse modo, as células tumorais metabolizam a glicose através da glicólise anaeróbica, processo que ocorre na ausência ou em baixas concentrações de oxigênio. Assim, esse mecanismo utiliza da glicose associada ao piruvato e à adenina difosfato, gerando como produto da reação o lactato, a adenina trifosfato e a água. Ainda, o ciclo de Cori (figura 1) atua nos hepatócitos do animal para converter o lactato gerado em glicose, o que provoca uma mudança no metabolismo de produção de energia das vias oxidativas para a requisição de energia através das vias gliconeogênicas. Resultando, portanto, no ganho de energia para o tumor e uma perda para o hospedeiro (CASE et al., 2011).

O ciclo de Cori consiste em uma interação entre o metabolismo muscular e hepático, na qual as células musculares convertem glicose em lactato para a obtenção de energia e, posteriormente, os hepatócitos transformam o lactato em glicose em um momento de menor exigência energética. Fonte: Princípios de Bioquímica de Lehninger 6ª edição, 2014

O câncer também é capaz de alterar o metabolismo proteico dos animais acometidos. As proteínas são macromoléculas formadas por aminoácidos, que se ligam entre si por ligações peptídicas. O organismo animal produz proteínas e as degrada continuamente, assim, os aminoácidos que não são utilizados para a síntese proteica logo serão degradados para a formação de ureia. Esses aminoácidos são compostos de um radical próprio, um grupo carboxila e um grupo amino. Por conseguinte, o processo de transaminação deles, que ocorre no citosol dos hepatócitos, se inicia por meio das aminotransferases. O aminoácido, então, é degradado e perde o grupamento amino, o qual é transferido junto a um íon de hidrogênio para o alfa-cetoglutarato, que irá transpassar um átomo de oxigênio para o aminoácido. O grupamento amino e o íon de hidrogênio irão formar o íon amônio, que passará pelo ciclo da ureia, gerando este como produto da reação.

Então, como tanto o tumor quanto o paciente apresentam exigências proteicas, é comum um balanço negativo de ureia em animais com câncer. Ou seja, a quantidade de proteínas produzidas no organismo não será suficiente para abastecer as necessidades nutricionais do paciente, visto que elas também objetivam suprir as demandas do tumor. Assim, o metabolismo proteico é alterado, e mesmo que seja identificado pelo organismo a maior necessidade proteica e, portanto, gere maior síntese de proteínas, grande parte delas continuará sendo encaminhada para o aglomerado de células. Logo, essa alteração metabólica é caracterizada por uma maior formação de proteínas no organismo em geral, no entanto, em um olhar minucioso, a síntese proteica no sistema muscular esquelético é reduzida, enquanto há um aumento da sua produção no fígado (CASE et al., 2011).

Muitos animais desenvolvem um quadro de caquexia relacionada ao câncer, principalmente avançado. Ela pode ter como causa predominante a redução da alimentação do paciente, que associada a várias alterações metabólicas, provocam essa síndrome. Portanto, animais com esse quadro apresentam perda de peso, especialmente relacionada à perda de gordura (CASE et al., 2011). Isso se deve ao fato de que o tumor também provoca alterações no metabolismo de lipídios, grupo heterogêneo de moléculas orgânicas hidrofóbicas que fornecem uma grande quantidade de energia ao organismo. Esse complexo é baseado, principalmente, nos processos de lipogênese e lipólise. A lipogênese consiste na síntese e no armazenamento de triglicerídeos no tecido adiposo em razão das elevadas concentrações de ácidos graxos e gliceróis no sangue. Já a lipólise baseia-se na degradação de lipídeos em ácidos graxos e gliceróis no tecido adiposo, estimulada pela liberação de glucagon no pâncreas (TAKANA SANTOS, 2021). Assim, os pacientes com câncer costumam apresentar redução da lipogênese e aumento da lipólise, o que acarreta a perda de gordura corporal armazenada em tecido adiposo e, consequentemente, a perda de peso.

Alguns estudos retratam a relação entre inflamações crônicas e o desenvolvimento de células malignas (HOFSETH; YING, 2006). Essa interação ocorre devido à capacidade da inflamação crônica provocar mutações no DNA e alterações em proteínas que podem ampliar a malignidade das células, mesmo após a sua tradução. Portanto, é recomendado selecionar moléculas com efeito anti- inflamatório para compor a dieta, visto que pode reduzir ou até mesmo cessar a formação de radicais livres e aldeídos durante o processo inflamatório, que culminam nessas mutações de DNA (HUSSAIN; HOFSETH; HARRIS, 2003). Desse modo, reduzindo o teor maligno das células cancerígenas ou impedindo, pelo menos, a sua evolução.

As diferenças morfológicas e fisiológicas dos caninos e felinos refletem nos seus hábitos alimentares e nas suas necessidades nutricionais. Os olhos, orelhas, garras e dentes dos gatos são adaptados para facilitar a caça e a sua alimentação, tornando a sua forma de se alimentar mais próxima a dos felinos selvagens. Diferentemente dos gatos, os cães apresentam dentes e garras com um papel auxiliar à caça, mas não primordial (KIRK et al., 2000; BEAVER, 2003; ULLREY, 2005). No entanto, os antecessores dos caninos eram predadores, mas, também, se alimentavam de vegetais em menor escala. Com o aumento do convívio com o homem, o Canis lupus familiaris passou a se alimentar um pouco mais de carboidratos do que era acostumado, mas, ainda não apresenta uma fisiologia digestiva totalmente adaptada a esse consumo. Dessa forma, os gatos exigem um maior aporte proteico do que os cães, mas, ambos apresentam uma baixa necessidade de amido, visto que não possuem glândulas salivares para a degradação dessas macromoléculas na boca, restringindo a sua quebra através da amilase pancreática, de forma que possa ocorrer a sobrecarga do pâncreas caso o fornecimento de carboidratos seja maior do que o necessário.

O baixo desenvolvimento do ceco e cólon dos felinos também retrata a dieta altamente específica dessa espécie e a pequena capacidade de digestão de fibra e amido (KIRK et al., 2000; BEAVER, 2003; ULLREY, 2005). A elevada ingestão de proteínas dos gatos e a baixa de carboidratos também pode explicar o índice de incidência de câncer de 15 a 20% menor do que nos cães, que consomem mais carboidratos e menos proteínas que os felinos (ARAÚJO, 2017).

Considerando a influência da nutrição no bom funcionamento do organismo dos animais, a dieta a ser fornecida deve constar os nutrientes necessários para cada espécie nas suas devidas proporções e, ainda, apresentar uma distribuição nutricional de acordo com as alterações no metabolismo causadas pelo tumor, considerando as principais fontes de energia que ele utiliza para se desenvolver. Portanto, na dieta de animais com câncer deve constar uma maior concentração de proteínas e lipídios e um baixo teor de carboidratos, visto que providenciarão uma boa fonte energética, atingirão as necessidades proteicas do organismo e, ao mesmo tempo, restringirá o desenvolvimento do tumor, que tem como preferência a utilização de carboidratos como principal fonte de energia (OGILVIE; VAIL, 1990; ROSSI-FANELLI; CASCINO; MUSCARITOLI, 1991). Assim, o tumor não terá alternativa a não ser utilizar outros substratos, reduzindo, portanto, a proliferação celular (PIBOT et al., 2006; DE SANTIS, 2012).

Associado a isso, a dieta deve conter o ácido graxo ômega-3 devido ao seu efeito anti-inflamatório, e o aminoácido arginina, que influencia no aumento da ingestão de nitrogênio, aumenta a imunidade e apresenta efeitos benéficos no tratamento de pacientes com câncer (LOWELL; PARNES; BLACKBURN, 1990). Ademais, a composição da ração para animais com neoplasias também deve variar de acordo com a espécie animal e o porte. A variação na dimensão do animal reflete na sua taxa metabólica, assim, animais de pequeno porte costumam receber uma dieta com mais proteínas, enquanto os de grande porte, com menos lipídeos.

Na formulação das rações deve constar os aminoácidos essenciais, aqueles que não são produzidos pelo organismo ou, pelo menos, não em quantidades suficientes. Assim, a escolha dos alimentos para compor as rações pode se basear na excelência e limitação que os aminoácidos apresentam. Alguns alimentos como: milho, trigo, arroz, farelo de soja e farinha de peixe são boas alternativas para o fornecimento de metionina, lisina e triptofano, por exemplo. Deve-se atentar, também à necessidade particular de aminoácidos essenciais dos gatos, como a arginina, a taurina, a metionina e a cistinina (KIRK et al., 2000).

Leite, ovo, carne, milho, sorgo, farelo de trigo, feijão e vagem são alimentos com elevado teor de proteína bruta e podem ser adicionados na composição da dieta destinada a pacientes com câncer. Para o fornecimento de lipídeos, algumas fontes podem ser: milho, aveia, sorgo, semente de colza, de girassol e de soja (BERCHIELLI et al., 2011). Pressupondo que alguns dos alimentos citados também são fontes de carboidratos, este nutriente não deve ser adicionado à dieta através de alimentos com fontes primárias de amido, já que a concentração dele para o consumo deve ser baixa. Em conclusão, recomenda-se a formulação de uma ração rica em proteínas e lipídios, e com baixo teor de carboidratos para cães e gatos em quadro de câncer, respeitando, sempre, as necessidades nutricionais da espécie e o porte do animal.

Considerações Finais

O câncer é uma doença cada vez mais comum e uma das principais causas de morte em animais idosos. É uma enfermidade que precisa da devida atenção e que pode ser tratada e prevenida de forma menos desconfortável para o paciente. Portanto, a nutrição deve ser adotada como ferramenta para diminuir a ocorrência neoplásica e tratar pacientes através da mudança de hábitos alimentares, que refletem no desenvolvimento do tumor e na imunidade do paciente. Provocando, assim, uma melhora no estado de saúde do animal através da alimentação.

Referências bibliográficas

ARAÚJO, P. Prevenção como combate ao câncer em animais de companhia. Rio de Janeiro, 2017.

BEAVER, B. Feline behavior: A guide for veterinarians. 2 ed. New York: Moseby Elsevier, 2003. 360 p.

BERCHIELLI, T. T.; PIRES, A. V.; OLIVEIRA, S. G. Nutrição de ruminantes. 2 ed. Jaboticabal: Funep, 2011.

CASE, L. P. et al. Canine and feline nutrition: a resource for companion animal professionals. 3 ed. Cap. 36. Missouri: Mosby Elsevier, 2011. 562 p.

DE SANTIS, C.W. Aspectos Nutricionais de Cães e Gatos com Neoplasia e o Papel dos Ácidos Graxos Ômega 3 e Ômega 6. Trabalho apresentado como requisito parcial para graduação em medicina veterinária Universidade do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2012. 42p.

HOFSETH, L. J.; YING, L. Identifying and defusing weapons of mass inflammation in carcinogenesis. Columbia: Moseby Elsevier, 2006.11 p.

HUSSAIN, S. P.; HOFSETH, L. J.; HARRIS, C. C. Radical causes of cancer. Nature, 2003. 9 p.

KIRK, C.A. et al. Normal cats, in Small animal clinical nutrition. Missouri: Mark Morris Institute, 2000. 49 p.

KUMAR, V.; ABBAS, A.; ASTER, J. Robins & Cotran Patologia: bases patológicas das doenças. 9 ed. 7 cap. P. 471-601. Moseby Elsevier, 2016.

LOWELL, JA; PARNES, HL; BLACKBURN, GL. Dietary immunomodulation: beneficial effects on carcinogenesis and tumor growth. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins on behalf of the Society of Critical Care Medicine, 1990. 4 p.

NELSON, D. L.; COX, M. M. Princípios de Bioquímica de Lehninger. 6 ed. Nova Iorque: W. H. Freeman and Company, 2014. 1220 p.

 

OGILVIE, G. K.; VAIL, D. M. Nutrition and cancer: recent developments. Zeist: Moseby Elsevier, 1990. 16 p. PIBOT, Pascale et al. Enciclopedia de la nutrición clínica canina. 4 ed. Paris: Aniwa SAS, 2006. 517 p.

PIBOT, P. et al. Enciclopedia de la nutrición clínica canina. 4 ed. Paris: Aniwa SAS, 2006. 517 p.

ROSSI-FANELLI, F.; CASCINO, A.; MUSCARITOLI, M. Abnormal substrate metabolism and nutritional strategies in cancer management. Roma: Sage Publishing, 1991. 4 p.

TANAKA SANTOS, G. N. Lipólise. Maringá: Todo Estudo, 2021. Disponível em: <https://www.todoestudo.com.br/biologia/lipolise>

 

ULLREY, D.E. Proteins and Amino Acids in Basic animal nutrition and feeding. Hoboken: Wiley, 2005. 30 p.

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