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Resposta fisiológica ao incremento de sódio na dieta de felinos domésticos: uma breve revisão

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Autor(a): Janaina Matte Weiss

Orientador(a): Fernanda Vieira Amorim da Costa

Instituição: UFRGS

Trabalho classificado na 7ª Edição (2021) do Prêmio de Pesquisa PremieRpet®.

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Índice

Resumo

Os gatos que recebem alimento seco ad libitum, e que possuem enriquecimento ambiental escasso e sem acesso a ambientes externos exercem pouca atividade física, o que os predispõe a se tornarem obesos. Esse comportamento gera um ciclo de maior ingestão de alimento, menos atividade física e, consequentemente, menos ingestão de água. Essa menor ingestão de água torna a urina do gato, que já é naturalmente concentrada, ainda mais concentrada, predispondo a doenças do trato urinário inferior e obstrução uretral. Em decorrência de todos esses fatores, algumas dietas comerciais coadjuvantes para o tratamento e prevenção destas doenças possuem o teor de sódio elevado, com a finalidade de estimular o aumento da ingestão de água. Porém, a relação entre a ingestão aumentada de sódio e a ocorrência de problemas de saúde em pessoas gera preocupação sobre a prescrição desses alimentos. Portanto, o objetivo desse trabalho de revisão bibliográfica é trazer informações acerca da resposta fisiológica dos felinos domésticos frente a um incremento de sódio na dieta, assim como buscar evidências, em estudos científicos, que possam esclarecer os potenciais benefícios e/ou malefícios deste tipo de alimento para a saúde dos gatos. Ao finalizar a revisão, foi possível concluir que o aumento de sódio dietético, dentro do limite seguro para gatos, não parece causar danos à função cardíaca e renal em gatos jovens e idosos saudáveis. Também, as sensibilidades individuais ao sal parecem não ocorrer, porque nenhuma alteração na pressão arterial foi evidenciada, paralela à ingestão aumentada de sódio. Logo, o uso de dietas terapêuticas coadjuvantes, nas quais há um incremento de sódio, parecem ser seguras e eficientes para gatos saudáveis, pois além de aumentar o consumo de água, não causam prejuízos à saúde do animal. Inclusive, essas dietas podem ser potencialmente benéficas para gatos com doença renal crônica, mas são necessários mais estudos para comprovação do seu benefício como coadjuvante na terapia de gatos com essa e outras doenças.

Introdução

Acredita-se que os gatos domésticos descendam de um pequeno gato selvagem africano, o Felis silvestris libyca, que é naturalmente encontrado nos desertos da África (KRAJCARZ et al., 2020). Devido a disponibilidade de água ser limitada nesse local, essa subespécie passou, de forma evolutiva, a conservar água concentrando sua urina, e reduzindo assim, a perda hídrica. Essa característica foi herdada pelos gatos domésticos (WORTINGER; BURNS, 2015). Os gatos aparentam ser menos sensíveis ao estímulo da sede e conseguem sobreviver com pouca água, quando comparado aos cães (ZORAN, 2002). Podem também ignorar níveis de desidratação de até 4% do seu peso corporal (ANDERSON, 1982). São capazes de compensar o pouco consumo de água através da ingestão de suas presas, que oferecem de 70-85% de umidade (ZAGHINI; BIAGI, 2005) e, também, formando uma urina altamente concentrada (WORTINGER; BURNS, 2015).

Atualmente, os gatos domiciliados possuem pouco ou nenhum acesso a rua, e dispõem de enriquecimento ambiental insuficiente, o que os leva a se exercitarem menos e, consequentemente, ingerirem menos água. Além disso, recebem alimento seco ad libitum (LITTE, 2012), cujo teor de umidade é ≤ 14% (FEDIAF, 2020), favorecendo ainda mais o aumento da densidade urinária, o que propicia o desenvolvimento de alguns tipos de urólitos, que podem causar obstrução uretral nesses animais (LITTLE, 2012). Em decorrência de todos esses fatores, algumas dietas comerciais terapêuticas para gatos possuem o teor de sódio elevado, com a finalidade de aumentar a ingestão de água. Porém, a relação entre a ingestão aumentada de sódio e a ocorrência de problemas de saúde em pessoas, gerou preocupação sobre a prescrição destes alimentos (NGUYEN et al., 2016). Por isso, torna-se importante conhecer os possíveis efeitos do alto teor de sódio na alimentação de gatos.

Dessa maneira, o objetivo desse trabalho de revisão bibliográfica é trazer informações acerca da resposta fisiológica dos felinos domésticos frente a um incremento de sódio na dieta, assim como buscar evidências, em estudos científicos, que possam esclarecer os potenciais benefícios e/ou malefícios deste tipo de alimento para a saúde dos gatos.

Aumentar o nível de sódio nas dietas de gatos é prejudicial?

A obstrução uretral (OU) em gatos pode ocorrer devido a problemas intramurais relacionados a presença de urólitos, tampões e, também, por alterações murais associadas à estenose e fibrose da uretra (MAZZOTI, 2018). As concreções formadas a partir de uma matriz mineral, são chamadas de urólitos (LITTLE, 2012), sendo os mais comuns os urólitos de estruvita e de oxalato de cálcio (HOUSTON et al., 2003; CANNON et al., 2007;). Já os tampões, são formados por uma matriz orgânica a base de mucoproteínas e debris inflamatórios, além de pequenos cristais (LITTLE, 2012). Entretanto, existem casos em que não há evidência de obstrução física, apenas uma obstrução funcional secundária a espasmos e edema, que pode ou não estar associado a formações de tampões ou urólitos (COOPER, 2015).

Os fatores de risco envolvidos nos casos de OU em gatos estão relacionados a uma dieta exclusivamente com alimentos secos ad libitum, a gatos obesos e com pouca atividade física (LITTLE, 2012). A consequente menor ingestão de água torna a urina do gato, que já é naturalmente concentrada, ainda mais concentrada, predispondo a OU (BARTGES; KIRK, 2006).

Algumas dietas comerciais modificam o teor de sódio em sua composição para o manejo terapêutico de algumas doenças, sobretudo para os casos de urolitíase (NGUYEN et al., 2017). O aumento da osmolaridade do líquido extracelular, ocasionado por uma elevação da concentração plasmática de sódio, promove desidratação intracelular nos centros da sede, estimulando a ingestão de água (HALL, 2017). Dessa forma, há o aumento da produção e da diluição da urina, com maior excreção de substâncias calculogênicas, o que diminui o risco de desenvolvimento de urólitos (XU et al., 2009).

Na medicina humana, já é bem descrito que o excesso de sódio na dieta é prejudicial, pois aumenta o risco de doenças cardiovasculares, principalmente devido ao aumento da pressão arterial (PA), assim como de acidente vascular cerebral, hipertrofia ventricular esquerda, rigidez arterial, doença renal, osteoporose (ROBINSON et al., 2019), formação de urólitos de oxalato de cálcio (XU et al., 2009) e, também, pode ter influência sobre o sistema imunológico (EVANS et al., 2018).

Os principais eletrólitos dos fluidos corporais são o potássio, o cloreto e o sódio. Em gatos adultos, a concentração corporal total de sódio é de 1,4g\kg de peso corporal e, em gatos filhotes, é de 1,9g\kg de peso corporal (KIENZLE et al., 1991). Desse total, um terço está na estrutura do esqueleto, e os dois terços restantes estão principalmente no fluido intersticial, no plasma sanguíneo e, em menor quantidade, nos tecidos colágenos como um íon intracelular (SHENG; CAUDILL, 2019). O sódio e o cloreto são os principais eletrólitos do fluido extracelular, enquanto o potássio está localizado sobretudo no liquido intracelular. A concentração extracelular de sódio em gatos é de aproximadamente 155 mEq\L (WELLMAN et al., 2012). Em relação a função, esse mineral determina e mantem o balanço iônico e osmótico entre os fluidos intra e extracelulares, assim como tem um papel importante no transporte de nutrientes e na transmissão de impulsos nervosos (SHENG; CAUDILL, 2019). Qualquer mudança na concentração plasmática de sódio altera a osmolaridade ou a tonicidade do plasma, provocando ativação de mecanismos fisiológicos regulatórios. Os principais mecanismos que participam da homeostase do sódio são (HALL, 2017):

  • o sistema nervoso central, através do hormônio arginina-vasopressina, que permite a conservação de sódio e água;
  • o sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA), que através da angiotensina II estimula a liberação de arginina-vasopressina e, também, a secreção de aldosterona, que promove a reabsorção de sódio pelos rins;
  • os peptídeos natriuréticos que, diferente dos dois mecanismos descritos anteriormente, irão inibir a secreção de aldosterona e arginina-vasopressina, o que, consequentemente, leva a excreção de sódio pelos rins.

O excesso da ingestão de sal é o principal fator que contribui para patogênese da hipertensão arterial em humanos (BALAFA; KALAITZIDIS, 2020). Essa resposta fisiológica à ingestão aumentada de sódio está relacionada a sensibilidade individual ao sal que, de acordo com a American Heart Association, é uma característica fisiológica presente em roedores e mamíferos, na qual a PA de alguns membros da população exibe mudanças paralelas às mudanças na ingestão de sal (ELIJOVICH et al., 2016).

Em gatos, assim como em cães, a presença da sensibilidade ao sal e seu efeito sobre a PA não foi evidenciada (CHANDLER, 2018). Alguns estudos foram realizados para investigar se os gatos têm algum efeito adverso com um incremento de sódio na dieta. Luckschander et al. (2004), avaliaram a resposta de dez gatos adultos jovens, que foram submetidos a uma dieta com moderado teor de sódio (1,02%) por duas semanas. Ao final desse período, os autores concluíram que o aumento dietético de sódio resultou em um aumento da ingestão de água e da osmolaridade da urina, além de uma diminuição da gravidade especifica da urina, quando comparado aos animais que receberam uma dieta controle (0,46% de sódio). Além disso, a dieta com mais sódio não mostrou nenhum efeito sobre a PA. Xu et al. (2009) realizaram um estudo com 24 gatos adultos saudáveis (idade média de sete anos), onde 12 deles receberam uma dieta com maior teor de sódio (1,1%) durante seis meses, e não foi evidenciada nenhuma alteração na PA.

Quatro anos após, um estudo conduzido por Reynolds et al. (2013) mostrou que, em 24 meses, a PA de 12 gatos idosos e saudáveis não foi afetada por uma dieta rica em sódio (1,3 %). No ano seguinte, Chetboul et al. (2014) conduziram um estudo, por 24 meses, onde dez gatos idosos saudáveis receberam uma dieta cujo teor de sódio foi igual ao estudo de Reynolds et al. (2013), mas a diferença foi que, além da pressão arterial, a frequência e a morfologia cardíaca foram avaliadas, e nenhuma alteração foi encontrada ao longo desse período. De acordo com a Federação Europeia de Alimentos para Animais de Estimação (FEDIAF, 2020), níveis de sódio de até 1,5% MS (3,75 g\ 1000 kcal ME ou 0,89g\ MJ ME) são seguros para gatos saudáveis.

A hipertensão secundária é a forma mais frequente de hipertensão em gatos, e a condição mais comumente associada a ela é a doença renal crônica (DRC), sobretudo pela ativação SRAA e pela falha dos túbulos e ductos coletores em manter a função de excreção e reabsorção de sódio dentro da normalidade (TAYLOR et al., 2017). Em virtude dessa condição nos gatos, surgiu uma preocupação em relação a prescrição de dietas com alto teor de sódio para gatos com essa doença. Em um estudo de caso-controle, foram analisados constituintes da dieta para gerar hipóteses sobre os potenciais fatores de risco para o desenvolvimento de DRC em gatos. Ao coletar os dados referentes a 38 gatos que foram diagnosticados recentemente com DRC e 56 gatos do grupo controle, os autores concluíram que o aumento da fibra na dieta, assim como do magnésio, da proteína e do sódio, foi associado a diminuição da probabilidade de desenvolver DRC (HUGHES et al., 2002).

Buranakarl et al. (2004) realizaram um estudo com 21 gatos, dos quais sete não tinham alteração renal e 14 apresentavam insuficiência renal crônica induzida. Todos receberam a mesma dieta, sendo que, na primeira semana, a quantidade de sódio foi de 50mg\kg\dia, na segunda semana foi de 100mg\kg\dia e na terceira semana a quantidade foi a mais elevada, 200mg\kg\dia. Após esse período de análise, os autores evidenciaram que não houve alteração na PA e na frequência cardíaca em nenhum gato, mesmo nos animais que já eram hipertensos devido ao dano renal, ou seja, não houve um agravamento do estado hipertensivo devido ao aumento do sódio dietético. Também, um dado interessante desse estudo foi que, em sete gatos com dano renal, houve aumento na taxa de filtração glomerular e inibição do SRAA. Além disso, o menor consumo de sódio foi associado a hipocalemia, pois ao suplementar sódio, houve uma diminuição da excreção fracionada de potássio. Portanto, essa dieta pode ser potencialmente benéfica para gatos com DRC, dado o potencial de suprimir o SRAA, que ativado a longo prazo, tem efeitos iminentemente deletérios sobre a função e estrutura renal. Porém, o tempo desse estudo foi muito curto, de apenas sete dias com o teor de sódio elevado, logo, é necessário um tempo maior de análise para confirmar se realmente esse tipo de dieta poderia beneficiar gatos com DRC.

A ingestão aumentada de sódio tem sido implicada na patogênese da osteoporose em humanos, devido ao seu efeito potencial em causar calciúria (NGUYEN et al., 2016), porque o sódio e o cálcio compartilham alguns dos mesmos sistemas de transporte no túbulo proximal. Em humanos, cada incremento de 2,3g de sódio excretado pelo rim atrai aproximadamente 24 a 40mg de cálcio, que acompanha a saída do sódio (WEAVER; HEANEY, 2014). A diminuição da concentração plasmática de cálcio ionizado estimula a secreção do paratormônio (PTH) e do calcitriol, que aumentam a reabsorção óssea para liberação de cálcio, que, a longo prazo, pode levar a alterações ósseas (TRYFONIDOU et al., 2013). Alguns estudos avaliaram o conteúdo mineral e a densidade óssea de gatos que consumiram uma dieta rica em sódio, porém, nenhuma alteração foi encontrada (KIRK et al., 2006; XU et al., 2009). Também, no estudo de Reynolds et al. (2013), citado anteriormente, a concentração de PTH não diferiu de forma significativa entre os animais que consumiram mais sódio daqueles que tinham um menor consumo. Recentemente,   um           estudo       prospectivo                               de     curto       prazo              avaliou        a concentração de íons na urina (cálcio, fosfato, magnésio, sódio, potássio, amônio, oxalato, citrato, sulfato e ácido úrico) e a supersaturação relativa (RSS) de estruvita e de oxalato de cálcio em 13 gatos e oito cães, os quais foram alimentados com dietas que diferiram apenas no teor de sódio (0,3%; 0,7%; 1% e 1,4%). Ao final do estudo, os autores observaram que a concentração de todos os íons na urina, exceto o sódio, diminuiu significativamente com o aumento do sódio na dieta, o que se deve ao aumento do volume urinário, que é consequência da maior ingestão de água. Houve uma diferença em relação a excreção urinária de cálcio entre as espécies: nos cães ocorreu um aumento da excreção conforme uma maior ingestão de sal, porém, nos gatos não houve esse aumento. Já a RSS diminuiu com o aumento do sódio dietético em ambas as espécies e, nos gatos, a RSS de oxalato de cálcio foi mais baixa quando eles foram alimentados com a dieta contendo 1,4% de sódio (QUEAU et al., 2020).

Em humanos, tem se estudado a influência do sal sobre o sistema imunológico. Esse mineral, quando em excesso, mostrou ter efeito na atividade de várias células da imunidade inata e adaptativa. In vitro, o sal mostrou ter influência sobre a ativação dos macrófagos M1 (pró-inflamatórios) e de células Th17, além de um efeito supressor sobre os macrófagos M2 (anti-inflamatórios) e a função dos linfócitos T reguladores (Treg) (EVANS et al., 2020). Segundo os autores, esses efeitos in vivo seriam benéficos em relação ao aumento da eliminação da infecção, porém, maléficos devido ao desenvolvimento de doenças autoimunes. Em gatos, nenhum estudo foi realizado para investigar se há alguma influência do sódio sobre o sistema imunológico, sendo assim, pesquisas são necessárias uma para esclarecer se as células imunológicas dos felinos também podem ser influenciadas pelo aumento do sódio dietético.

Considerações finais

O aumento de sódio dietético, dentro do limite seguro para gatos, não parece causar danos a função cardíaca e renal em gatos jovens e idosos saudáveis. Também, a sensibilidade individual ao sal parece não ocorrer em gatos, isso porque nenhuma mudança na pressão arterial, paralela à ingestão aumentada de sódio, foi evidenciada. Logo, o uso de dietas coadjuvantes terapêuticas com incremento de sódio, parecem ser seguras e eficientes para gatos, pois além de aumentar o consumo de água, não causam prejuízos à saúde do animal. Inclusive, essas dietas podem ser potencialmente benéficas para gatos com doença renal crônica, mas são necessários mais estudos para comprovação de seu benefício como coadjuvante na terapia de gatos com essa e outras doenças.

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