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Nutrição oral para felinos com linfoma

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Autor(a): Maria Eduarda de Moraes Flores

Orientador(a): Amanda Leite Bastos Pereira

Instituição: UDESC

Trabalho classificado na 7ª Edição (2021) do Prêmio de Pesquisa PremieRpet®.

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Índice

Resumo

No Brasil, em felinos, a forma de linfoma prevalente é aquela associada à Leucemia Viral Felina (FeLV), que causa alterações funcionais e estruturais no animal, diretamente ou relacionadas às síndromes pananeoplásicas. Sinais clínicos como anorexia e perda de peso são frequentes nestes pacientes, associadas ao menor apetite e alterações metabólicas geradas pelo linfoma. Entre essas alterações, está a metabolização por via anaeróbica da glicose como fonte energética das células, pouco eficiente energeticamente e que produz compostos tóxicos como o lactato, o que contribui para anorexia. Uma dieta adequada é fundamental para aumentar a resposta imunológica, tornar a produção energética funcional e suprir as necessidades nutricionais, além de ser capaz de reduzir a toxicidade de tratamentos quimioterápicos. Estudos indicam que pacientes com escore corporal ideal apresentaram maior sobrevida. Para as dietas, deve-se optar por restringir os carboidratos e favorecer fontes proteicas, a fim de atender às necessidades do catabolismo proteico elevado e manter a massa muscular; e lipídicas, essenciais para reverter o quadro de hiporexia do paciente. Fontes de vitamina B, com importante papel hematopoiético, também deverão compor a dieta, uma vez que os felinos não são capazes de produzi-la. A alimentação oral será a primeira opção para nutrição, de forma voluntária ou fornecida por profissional. Atualmente, estão presentes no mercado rações com alto valor proteico, suplementados com vitaminas, pobres em carboidratos, porém não foram desenvolvidas rações para pacientes felinos com linfoma. Testes deverão ser realizados com novas formulações, servindo de base para novos trabalhos, pois formulações específicas para essas necessidades podem ter espaço no mercado de nutracêuticos.

Palavras chave: nutrição, oncologia, gatos, linfoma.

Introdução

O linfoma é uma neoplasia hematopoiética, sendo uma das mais comuns em felinos, principalmente na faixa etária de 11 anos. Podem estar associados ao vírus da leucemia felina, sendo nesses casos mais comum sua forma mediastinal. (TOME, 2010). Os animais poderão apresentar sinais clínicos gastrintestinais, neurológicos, cardiovasculares e renais, e entre os mais comuns estão a anorexia e apatia. (DALEK et al., 2016). O ganho de massa corporal nestes animais é um desafio clínico, e sabe-se que manter o escore corporal é um diferencial para o prognóstico do felino. (LIPTAK,2020).

Pacientes oncológicos requerem dietas ricas em proteínas e lipídios, com carência de carboidratos, devido às suas necessidades energéticas. A deficiência do estado nutricional ocorre conforme a evolução da doença, assim como possível efeito do tratamento. (BRUNETTO; CARCIOFI; PEIXOTO, 2016). O tema desse artigo refere-se à nutrição, especialmente por via oral, em pacientes felinos com linfoma, tendo como objetivo geral apontar o que os autores falam sobre a nutrição oncológica, para ampliar o debate do mesmo e sugerir novas opções nutracêuticas.

Desenvolvimento

Linfomas são neoplasias ocasionadas pela proliferação de linfócitos malignos. Originários de órgãos linfoides, são classificados de acordo com a sua localização anatômica em: multicêntrico, alimentar, mediastinal e extradornal. (DALEK et al., 2016).

A forma alimentar representa 31% a 52,1 % de todos os linfomas em felinos (VEZZALI et al., 2010). Felinos portadores do vírus da leucemia felina (FeLV) possuem maior probabilidade de desenvolver linfomas (CRISTO et al., 2019). No Brasil, casos de linfomas mediastínicos associados ao FeLV são frequentes, principalmente no sul do país (COSTA et al., 2018). Na Europa e EUA, após a vacina contra o vírus da leucemia felina ser amplamente administrada, os casos de linfoma alimentar passaram a ser os prevalentes em relação aos ocasionados pelo retrovírus (POHLMAN et al., 2009). Os sinais clínicos dependerão da classificação do tumor e do estágio da doença. (DALEK et al., 2016).

Segundo Sykes e Hartmann (2013) a FeLV do subtipo A  vem sendo associada com o desenvolvimento de linfoma e imunossupressão. Assim, gatos também acometidos pelo vírus possuem maiores chances de desenvolver infecções secundárias. Alguns nutrientes vem demontrando resultados promissores sobre a atividade do sistema imune em humanos. Polifenóis por exemplo, presentes em alimentos como cúrcuma e hortelã, possuem ação imunomoduladora. O polissacarídeo Coriolus versicolor, em laboratório, diminuiu a replicação viral do HIV através da liberação de quimiocinas. Ainda, o lipídeo tributina, restaurou a resposta oxidativa em camundongos que sofreram exposição ao etanol. (WANG et al., 2018).

O câncer é capaz de produzir alterações funcionais e estruturais no organismo do animal, chamadas de síndromes paraneoplásicas (BERGMAN, 2013). Pacientes com linfoma apresentam anorexia e perda de peso como principais sinais clínicos, além de emese, diarreia crônica e apatia (LIPTAK, 2020). Reconhecer as síndromes de forma precoce pode ser relevante para o sucesso do tratamento (NORTH; BANKS, 2009).

Os animais acometidos pelo linfoma apresentam alterações na ingestão de alimentos. Em decorrência de uma maior resposta inflamatória, possuem elevada produção de interleucinas pró-inflamatórias (fator de necrose e interleucina-1) que por sua vez podem ser responsáveis pela diminuição do apetite (CASE et al., 2011). Segundo Baez et al. (2007) a perda de peso e de massa corporal magra é mais prevalente em felídeos, tendo impacto sobre a qualidade de vida do animal e sua resposta ao tratamento. Quadros de anorexia são recorrentes em pacientes com linfoma, especialmente as formas alimentar ou mediastinal, que levam a inapetência. É preciso considerar também a náusea secundária a quimioterapia como desencadeadora de anorexia. (CARVALHO, 2014).

A aversão ao alimento é um comportamente comum em gatos, principalmente quando ofertados logo após quadros de emese. Esta conduta persiste mesmo após a remissão completa. (PEREA, 2008). A palatibilidade do alimento terá impacto direto no padrão de consumo do animal, uma baixa aceitação levará a ingestão ineficiente, incapaz de atender as necessidades energéticas do animal. Dessa forma, observar os padrões alimentares do paciente é fundamental para uma avaliação nutricional efetiva. (CARVALHO, 2014).

O metabolismo sofre alteração principalmente em relação a carboidratos, lipídeos e proteínas. Células tumorais possuem como fonte de energia a glicose, unicamente obtida por via anaeróbica, não sendo incomum casos de hipoglicemia em pacientes com linfoma (CASE et al., 2011). O tumor se desenvolve utilizando a glicose e gerando lactato. No fígado do hospedeiro, o lactato será transformado através do Ciclo de Cori em glicose, uma via onde há maior gasto energético para que ocorra a transformação. (BRUNETTO; CARCIOFI; PEIXOTO, 2016). Elevadas concentrações de lactato, insulina, além do glucagon com valores alterados, podem ser identificados em exames bioquímicos. Somadas a isso, animais com linfoma desenvolvem frequentemente insulinorresistência. (RODRIGUES, 2013).

O tratamento de linfomas é feito principalmente através da quimioterapia, utilizando, por exemplo, o protocolo CHOP (Ciclofosfamida, Doxorubicina, Vincristina, Prednisolona) podendo durar cerca de 25 semanas em gatos. (OLIVEIRA et al., 2020). Apesar de animais apresentarem menor taxa de efeitos tóxicos aos quimioterápicos do que humanos, os fármacos também agem em células de rápida divisão gerando sinais clínicos como mielossupressão e alterações gastrointestinais. Portanto, o tratamento quimioterápico também trará desafios ao metabolismo do paciente. (DALECK; DE NARDI, 2016).

As síndromes paraneoplásicas ocorrem antes da perda de peso ser perceptível, e mesmo após a remissão podem ser detectadas, sendo o ganho de massa corporal nestes pacientes um desafio clínico. É necessário que a intervenção nutricional seja feita o mais rápido possível. (CASE et al., 2011). Os casos de linfoma alimentar são particularmente mais difíceis de desenvolver uma terapêutica nutricional adequada devido a má absorção de nutrientes. (HADDEN et al., 2008). Uma dieta adequada pode ser capaz de reduzir a toxicidade de quimioterápicos, aumentar a resposta imunológica, tornar a produção energética eficiente, suprir as necessidades nutricionais e, dessa forma, manter o peso do paciente. (DALECK; DE NARDI, 2016).

Deve-se optar por uma dieta com restrição de carboidratos (e quando presentes, preferencialmente, aqueles de processamento mais lento) e com maior teor protéico. Dessa forma, limitam-se as fontes de energia para o tumor. Por serem essencialmente carnívoros, gatos não possuem necessidade de carboidratos e conseguem sintetizar a glicose através de aminoácidos e glicerol.

(BRUNETTO; CARCIOFI; PEIXOTO, 2016).

Ao fornecer maiores quantidades de proteína, tem-se o objetivo de atender as necessidades do catabolismo proteico acelerado e manter a massa muscular. (BRUNETTO; CARCIOFI; PEIXOTO, 2016). Pacientes que apresentam escore corporal baixo e deficiências nutricionais possuem maior taxa de mortalidade quando comparados àqueles com escore ideal ou até mesmo sobrepeso. (BRUNETTO, 2006). Entretanto, caso sejam ofertadas quantidades excedentes de proteína, os aminoácidos serão oxidados ou desaminados e metabolizados como glicose, podendo levar o paciente a um quadro de azotemia. (MAULDIN,2012).

A anorexia é a alteração mais recorrente no grupo de felinos com linfoma, seja ela ocasionada pela neoplasia ou como efeito adverso do quimioterápico. (DALECK, 2016). Aumentar a palatabilidade da dieta é uma tarefa complexa. É preciso compreender que a palatibilidade é multifatorial, onde elementos como características da dieta: aspecto, textura e odor possuem grande papel como atrativos alimentares, porém o ambiente, a raça e a idade também afetam a resposta alimentar.(PIZZATO; DOMINGUES, 2008). Rações úmidas tendem a possuir maior aceitação entre os animais, devido a maiores quantidades de proteínas e gorduras, além de sua textura pastosa e odor acentuado, acabam atraindo o interesse dos felinos. (FASCETTI; DELANEY, 2012).

A fonte lipídica deverá ser o composto de maior teor energético, e o responsável por aumentar a palatabilidade da dieta oncológica. Utilizar uma fonte de lipídios é importante para reverter o quadro de hiporexia do paciente oncológico, seja ele causado pela neoplasia ou por seu tratamento (BRUNETTO; CARCIOFI; PEIXOTO, 2016). Os lipídeos escolhidos para compor a dieta, são os ácidos graxos n-3, conhecidos como ômega 3. Dietas compostas por altas quantidades de fontes de gordura, são mais palatáveis estimulando a ingestão (MAULDIN, 2012).

O ômega-3 é formado por um grupo de ácidos graxos poli-insaturados. Não são produzidos pelo organismo felino, sendo considerados ácidos graxos essenciais. (BARBALHO et al., 2011). A metabolização de ácidos graxos poli- insaturados resulta em resolvinas e protectinas nas membranas celulares, que atuam reduzindo a migração de neutrófilos e citocinas pró-inflamatórias, desempenhando um papel imunológico importante. Ainda, por diminuirem a produção do fator TNF-α (um dos responsáveis pela supressão do apetite) auxiliam a reverter os quadros de anorexia. (MAULDIN, 2012).

Os felinos possuem uma maior necessidade de vitamina B, cerca de oito vezes maior do que cães (LIPTAK; THAMM; VAIL, 2020). Esta vitamina não é sintetizada pelo gato, sendo necessário que a obtenha através da alimentação. (RITT, 2017). Sua ação abrange células do sistema nervoso, da medula óssea e do trato gastrointestinal, através da produção de ácido nucléicos, da formação de hemácias, e da participação no metabolismo de carboidratos, gorduras e proteínas.(PAULINO; SOUZA, 2016). Devido principalmente ao seu papel hematopoiético, as concentrações de vitamina B devem ser mantidas na dieta do paciente. A deficiência de vitamina B pode causar anorexia, perda de peso e naúsea. (LIPTAK; THAMM; VAIL, 2020). Destaca-se a importância da suplementação da vitamina B, para animais que apresentam anorexia devido a suas propriedades orexígenas e antieméticas. (SPINOSA, 2016).

Outro ponto que merece atenção para a estipulação de dietas destes pacientes, é a ingestão de água, especialmente devido ao maior consumo proteico. A maior quantidade de proteínas pode levar ao aumento da carga solúvel e por consequência, maior produção de urina. (FUNABA et al., 1996). Para Benitez (2010) a água deve ser considerada como um componente crítico para a formulação de dietas de felinos. O manejo de água afetará o consumo de matéria seca e influencia a digestibilidade de forma direta. Nesses casos, a recomendação de dieta úmida poderá ser benéfica.

A alimentação oral será a primeira opção para nutrição, por ser a forma mais segura, econômica e de fácil oferta. Animais que apresentam consumo voluntário possuem o manejo alimentar mais simples. (DALEK; DE NARDI, 2016). É preciso levar em conta o histórico alimentar de cada animal e o escore corporal antes e durante o tratamento, para formular uma dieta adequada para cada caso (MACEWEN’S; WITHROW, 2013). Alguns tutores preferem que seus animais sigam a alimentação natural, outros optam por rações comerciais, secas ou úmidas. Essas preferências devem ser respeitadas, pensando em qual alimento terá melhor aceitação. O foco principal ao estipular a dieta é que o paciente deve manter-se em normorexia. Quaisquer que sejam as intervenções nutricionais realizadas, não serão efetivas se não forem consumidas pelo animal (HORTA; LAVALLE; VASCONCELOS, 2013).

Em muitas situações, o manejo com seringas e até mesmo sondas podem ser demandados. Segundo a WSAVA (2011) o animal que não ingere quantidades maiores do que 70% das necessidades nutricionais, deve sofrer intervenções nutricionais através da ingestão forçada. Nesses casos, dietas que proporcionem esses procedimentos devem estar disponíveis no mercado.

A nutrição de pequenos animais evoluiu juntamente com a prática veterinária, tornando-se uma forma de recurso terapêutico. (RODRIGUES, 2013). Atualmente, estão presentes no mercado rações com alto valor proteico, suplementadas com vitaminas e pobres em carboidratos. Ainda, alguns utilizam o ômega 3 como fonte lipídica. Em pacientes oncológicos, aquelas que visam tratar distúrbios gastrointestinais, ou as indicadas para animais convalescentes são utilizadas de forma segura. No entanto, salienta-se que a formulação de algo específico, preferencialmente na forma úmida e que possa ser diluída com segurança para uso em sondas naso ou orogástricas, terá nicho comercial e consumidores satisfeitos.

Considerações finais

A nutrição de animais domésticos é um grande desafio por si só, frente às adversidades e particularidades de cada espécie e raça. Quadros de linfoma adicionam mais variáveis à equação, dificultando ainda mais a tarefa. Como visto nesta revisão, compostos como os carboidratos favorecem o desenvolvimento do linfoma, enquanto os lipídeos atuam com exclusividade no metabolismo do animal. Assim, recomenda-se a elaboração de rações com altos valores lipídicos e baixas concentrações de carboidratos. Testes deverão ser realizados com estas formulações, servindo de base para novos trabalhos. O mercado carece de rações específicas para pacientes oncológicos, apesar dos casos de linfomas serem recorrentes nas rotinas clínicas. A sobrevivência destes pacientes está firmemente ligada à sua nutrição, uma vez que escores corporais ideais ou acima obtiveram maiores taxas de sobrevivência. O tratamento de linfomas não deverá se resumir apenas em quimioterapia, radioterapia ou cirurgia, uma vez que alimentação e a nutrição estarão associadas ao sucesso destas práticas.

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