Orientador(a): Mariana Yukari Hayasaki Porsani
Instituição: Faculdade ANCLIVEPA
Trabalho classificado na 7ª Edição (2021) do Prêmio de Pesquisa PremieRpet®.
Índice
Resumo
A pandemia da doença COVID 19 (sigla, em inglês, para coronavírus disease 2019) e as medidas implementadas para seu controle acarretaram mudanças de rotina e impactaram nas relações sociais, econômicas e na saúde física e mental das pessoas. No município de São Paulo, 60% dos adultos passaram a exercer suas funções remotamente, de casa. Muitos tutores transferem hábitos alimentares para seus cães. Assim, o escopo deste estudo foi avaliar se houve modificação no manejo alimentar de cães domiciliados no município de São Paulo durante a pandemia de COVID-19. Para esse fim, disponibilizou-se um questionário on line composto por 20 perguntas. 1188 tutores participaram do estudo. Destes,19% (n=226/1188) observaram ganho de peso em seus animais durante o isolamento social, 36% (n= 427/1188) relataram oferecer o que come aos cães, 35% (n=415/1188) reduziram a prática de atividade física e apenas 5% (n=59/1188) diminuíram a quantidade de alimento diário fornecido. Houve um aumento de 25 vezes na quantidade de tutores que forneciam petiscos várias vezes ao dia. 57% (n=675/1188) afirmaram que forneceram pão, bolo, biscoito humano ou guloseimas açucaradas ao animal, neste período. A percepção dos participantes é que seu cotidiano ficou menos saudável, assim como o de seus cães. Concluiu-se que houve modificação na rotina e no manejo alimentar de muitos cães durante a pandemia e isso pode ter levado a prejuízos na saúde animal. O estilo de vida dos animais de companhia tem relação com o ambiente e dinâmica familiar e sofre influências do contexto histórico vigente.
Palavras-chave: Alimentação. Caninos. Isolamento social.
Introdução
A pandemia da doença COVID 19 (sigla em inglês, para coronavirus disease 2019) causada pelo coronavírus da síndrome respiratória aguda grave 2 (SARS- CoV-2) foi reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) no dia 11 de março de 2020 (WHO, 2020).
A fim de reduzir a progressão da doença no Brasil e seus prejuízos, medidas de distanciamento social e quarentena foram implementadas. Houve redução de jornada de trabalho, adesão ao regime de trabalho à distância, fechamento de escolas e centros de lazer, entre outros. Tais medidas, associadas à própria doença, culminaram em mudanças de rotina e impactaram nas relações sociais e econômicas e na saúde física e mental das pessoas (SMITH, FREEDMAN, 2020; NICOLA et al., 2020; BARROS, 2020; FIOCRUZ, 2021). No município de São Paulo, o mais populoso do Brasil, 60% dos adultos passaram a exercer suas funções remotamente, de casa, pelo menos por um período (COGNATIS, 2021).
Já foi estabelecido que muitos tutores transferem hábitos alimentares para seus cães (ZORAN, 2010). Inclusive, aqueles que consomem guloseimas com frequência também as fornecem aos seus animais (PORSANI et al., 2020).
Material e método
Tratou-se de um estudo descritivo. Os participantes eram tutores de cães domiciliados no município de São Paulo que responderam a um questionário anônimo on line, disponível na plataforma google forms, de 01 de novembro a 31 de dezembro de 2020. O questionário foi composto por 20 questões relacionadas aos hábitos antes e durante a pandemia, impacto econômico da quarentena e manejo alimentar dos cães.
Foram realizadas análises descritivas com frequência simples (n) e relativa (%) das variáveis. As diferenças entre antes e durante a pandemia foram verificadas com o teste de qui-quadrado. Os testes foram considerados significativos quando p<0,05 e as análises foram realizadas no ambiente R (R CORE TEAM, 2019).
Resultados
Participaram do estudo 1188 tutores de cães domiciliados do município de São Paulo. As respostas estão apresentadas nas tabelas 1 a 5:
Em caso de mudança no tipo de alimento (caseiro ou comercial), solicitou- se aos participantes que descreveram o motivo da troca. Dos participantes, 11% (n=130/1188) afirmaram ter mudado ou ter a intenção de mudar para a comida caseira em busca de saúde e qualidade de vida.
Em uma questão que propunha que a pessoa assinalasse afirmativas a respeito do período de distanciamento, com a possibilidade de assinalar quantas fossem necessárias, 34% (n=411/1188) relataram que passaram a observar mais a alimentação do(s) cão(es) durante esse período e 8% (n=98/1188) fizeram receitas retiradas da internet, especificamente para o animal. Ainda, 39% (n=460/1188) referem que o(s) cão(es) comeu(ram), pelo menos uma vez, biscoito humano, pão, bolo ou guloseima açucarada (balas ou pirulitos) antes da pandemia; número que subiu para 57% (n=675/1188) no período de distanciamento social.
Discussão
Ao participar da pesquisa, os munícipes de São Paulo já estavam imersos em uma nova realidade por 9 meses, já tendo passado tanto por fases mais restritivas quanto mais flexíveis da quarentena (SÃOPAULO, 2020). A cidade apresentou, de março a dezembro, índices de adesão ao distanciamento social que oscilaram entre 43% e 75% com 60% dos indivíduos trabalhando de seu domicílio (SÃOPAULO, 2020; COGNATIS, 2020), mesma porcentagem de participantes do estudo que afirmava ter passado a estudar ou trabalhar de casa.
A maioria da população estudada foi impactada economicamente pela pandemia, com cortes de custos e/ou reorganização dos gastos. Apesar de, em cães saudáveis, a alimentação contribuir com a maior parcela do custo mensal com o animal (ABINPET, 2016) apenas 8% (n=95/1188) relataram ter mudado a marca do alimento comercial ou os ingredientes da comida caseira buscando economia.
Por conta do ganho de peso de animais, alguns tutores foram motivados a trocar de marca de alimentos e/ou de ingredientes. No presente estudo, a maioria (75%) afirmou que seus cães estavam condição corporal ideal. Segundo a literatura, nas últimas décadas, a população canina com sobrepeso ou obesa corresponde de 30% a 50% do total (ALONSO et al., 2017; GERMAN, 2006; PORSANI, 2020), sendo que, no município de São Paulo, estimou-se que 40,5% dos cães estão nessa categoria (PORSANI et al.,2020). Porém, tutores tendem a subestimar a condição corporal de seu cão (APTEKMANN. et al., 2014; PORSANI et al., 2020). Logo, existe a hipótese que o número de animais acima do peso possa ser maior do que o informado.
Muito mais cães ganharam peso na quarentena do que perderam. Isso pode ser justificado pela diminuição na quantidade de exercício físico e pela oferta de petisco ter aumentado de maneira relevante. Houve um aumento (p=0,023) de 25 vezes nos responsáveis que ofertavam petiscos várias vezes ao dia. Mais de um terço dos tutores afirmaram oferecer o que come ao animal e, ao se realizar mais refeições em casa, há mais oferta de alimento, assim como ocorreu em outros países (PRNEWSWIRE, 2020; ANIMALSHEALTH, 2020).
A alimentação é parte da interação dos proprietários para com seus animais. Muitos relacionam-na com demonstração de afeto (COLLIARD et al., 2006). Com a antropomorfização, o animal pode ser visto como membro da família, muitas vezes infantilizado (OSÓRIO, 2016; ROSA et al., 2018). Porsani et al., (2020) observaram que tutores que consomem guloseimas, transferem o hábito aos cães. Na população estudada, proprietários passaram a dar alimentos destinados às pessoas ao animal. E alguns cozinharam para seu cão. Alimentos como pães e doces para consumo humano costumam ser calóricos e podem ter ingredientes com potencial tóxico para cães.
O manejo alimentar está associado à condição corporal do animal, seja em relação à frequência de alimentação, escolha do alimento ou modo de quantificá-lo (BROOKS et al., 2014). Estudos epidemiológicos referem que o manejo ideal para controle de peso consiste em alimentar os cães várias vezes ao dia, com pequenas quantidades, com intuito de aumentar a termogênese (COLLIARD et al. 2006; COURCIER, et al; 2010). No entanto, segundo Porsani et al., (2020), a obesidade foi relacionada ao consumo de alimentos em frequência igual ou superior a três vezes ao dia. No presente estudo, a maioria (88%-n=1045/1188) dos tutores alimentava seus cães duas a três vezes ao dia com quantidades definidas pelo rótulo ou pelo médico veterinário.
A alimentação ad libitum, embora conste em manejo facilitado para o tutor, contribui para consumo excessivo de calorias pelos cães (BROOKS et al., 2014). Dos participantes, apenas 15% (n=178/1188) realizavam tal prática.
Estudo anterior mostra o alimento comercial como escolha de 94% dos tutores (APTEKMANN et al., 2013). Na população estudada, houve menos indivíduos que faziam a mesma opção. Alguns referiram mudar para comida caseira em busca de saúde para seu animal. Não há menção de mudança para alimento comercial a fim de promover saúde. Isso pode demonstrar que alguns tutores têm a crença, atualmente, de que alimentos não industrializados são mais saudáveis. Não foi avaliado se o alimento caseiro fora balanceado por profissional habilitado. Sem acompanhamento, essa alteração poderia gerar deficiência nutricional. Em estudo conduzido por Pedrinelli et al., (2017), foram analisadas dietas retiradas da internet e nenhuma atendia às necessidades nutricionais dos cães.
Através da proposição de uma escala, de 5 pontos, em que o participante avaliava o quão saudáveis eram seus hábitos em dois momentos, antes e durante a pandemia, notou-se que houve aumento de 148% (p<0,001) nos que os categorizavam como nada saudável e aumento de 137% (p<0,001) nos que passaram a perceber a rotina dos cães do mesmo modo, após o advento da pandemia. A doença pandêmica, o sedentarismo, a ansiedade e prejuízos econômicos justificam este declínio na saúde (SOUSA, 2020; BARROS, 2020). Hábitos dos tutores influenciam nos caninos (ZORAN, 2010; PORSANI, 2021).
Entre as limitações do estudo atual, aponta-se a coleta de dados pela internet, que pode não atingir todos os estratos populacionais. Há um viés inerente de questionários auto preenchíveis, uma vez que indivíduos podem optar por alternativas consideradas “corretas” e não pelas reais.
Conclusão
Assim como ocorreu com as pessoas, houve modificação na rotina e no manejo alimentar de muitos cães durante a pandemia do SARS-COV-2 e isso pode ter acarretado prejuízo na saúde dos animais. O estilo de vida dos cães, a exemplo do que ocorre com humanos, tem relação com o ambiente e dinâmica familiar e sofre influências do contexto histórico vigente.
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