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Avaliação da conduta dos médicos-veterinários frente a reação adversa ao alimento em cães

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Autor(a): Flavia Lustosa Marques Pereira

Orientador(a): Mariana Yukari Haysaki Porsani

Instituição: ANCLIVEPA-SP

Trabalho Classificado na 10ª Edição (2024) do Prêmio de Pesquisa PremieRpet®.

[Arquivo PDF][Acervo completo]

Índice

Resumo

Em razão das dificuldades encontradas no diagnóstico de reação adversa cutânea (RAAC) em cães esse estudo tem por objetivo avaliar, as principais inconformidades, obstáculos e erros de manejo na prescrição de dietas de eliminação para cães prescrita por médicos-veterinários. Foi disponibilizado 13 questões objetivas em plataforma on-line. Participaram do estudo 113 médicos- veterinários, sendo 92,9% atendiam cães com RAAC em sua rotina e a maioria (82,3%) realiza o diagnóstico de maneira como a literatura preconiza. O alimento comercial hipoalergênico a base de proteína hidrolisada é utilizada na fase de diagnóstico por 84,1% dos participantes, 42,5% responderam que prescrevem a dieta de eliminação por no mínimo 7 a 12 semanas. Sendo assim, observou-se que a maioria dos entrevistados conduz o diagnóstico de RAAC corretamente, porém alguns equívocos foram encontrados em relação ao diagnóstico da doença como a não realização da provocação oral (38%), utilização de testes imunológicos (10,6%), sendo intradérmicos (8,8%) e de saliva (2,6%). Foi também observado a utilização de dietas alternativas na fase de diagnóstico como o alimento comercial hipoalergênico a base de proteínas única (31,9%), alimentação caseira (7,1%), alimento comercial com fonte proteica inédita (6,2%) ou alimentação caseira crua (5,3%). Com isso, percebe-se a necessidade de informação sobre formas de diagnóstico e prescrição de dieta de eliminação.

Introdução

A reação adversa ao alimento (RAAC), implica em reações imunológicas desencadeadas após a ingestão de componentes que culminam em manifestações clínicas dermatológicas (Verlinden et al., 2006; Olivry; Mueller, 2019). Caracterizadas por pruridos não sazonal, generalizado ou localizado. podem apresentar eritema e frequentemente lesões secundárias (como infecções bacterianas) em decorrência do auto trauma (Rostaher et al., 2016). A RAAC pode ocorrer de forma concomitante a outra doença alérgicas como a atopia e a dermatite alérgica a picada de ectoparasitas (Gedon; Mueller, 2018).

A prevalência da RAAC é representada por 1 a 2% de todos os atendimentos clínicos, 20% dos cães com alterações cutâneas; 18% com prurido, 20% em alérgicos e 29% em cães com dermatite atópica (Proverbio et al., 2010; Olivry; Mueller, 2020). RAAC não possui predileção de sexo ou idade ou racial.

A dieta de eliminação é padrão ouro para o diagnóstico de RAAC podendo ser realizada com dieta caseira com proteína única e inédita ou alimento comercial com proteína hidrolisada com menos de 10 Kda por 8 a 12 semanas (Mueller; Unterer, 2018). Se houver melhora após esse tempo, realiza-se provocação com a dieta anterior ou outra fonte proteíca, se ocorrer prurido ou lesões cutâneas em até se 15 dias o diagnóstico é confirmado (Olivry et al., 2015). Existem testes laboratoriais disponíveis para rotina, como: pesquisa de imunoglobulina E (IgE) específica para alimentos, teste intradérmico com antígenos alimentares, teste de contato com antígenos alimentares, skin prick teste, PATH teste entre outros para auxiliar no diagnóstico de RAAC (Bethlehem et al., 2012; Johansen et al.,2017). No entanto, até o momento os testes são controversos, mas são muito solicitados por tutores com objetivo de conduzir o tempo para o diagnóstico e se evite a dieta de eliminação e a provocação (Mueller; Olivry, 2017). Dessa forma objetivou-se com esse estudo avaliar a conduta dos médicos-veterinários frente ao diagnóstico e tratamento da RAAC.

Material e métodos

O estudo teve aprovação aprovado Comissão de Ética em Pesquisa com Seres Humanos protocolo número 70091323.5.0000.9029. Foi elaborado um questionário que ficou disponível por 3 meses no google forms (Tabela 1), composto por 13 questões de múltipla escolha sobre RAAC destinados a médicos- veterinários atuantes na clínica de pequenos animais.

Os dados obtidos foram analisados por meio de estatística descritiva no software Excel (2016) sendo resultados expressos em porcentagem.

Resultados

Participaram do estudo 113 médicos-veterinários, sendo 33,6% especializados em nutrição, 31,9% em clínica geral, 15,9% em dermatologia; 0,9% em dermatologia e nutrição, e 17,7% de outras especialidades. Os resultados das respostas ao questionário estão apresentados na tabela 1.

Perguntas e resultados (expressos em porcentagem) sobre reação adversa ao alimento cutânea aplicado a médicos-veterinários
Perguntas e resultados (expressos em porcentagem) sobre reação adversa ao alimento cutânea aplicado a médicos-veterinários
Tabela 1: Perguntas e resultados (expressos em porcentagem) sobre reação adversa ao alimento cutânea aplicado a médicos-veterinários

Discussão

O presente estudo avaliou a conduta de 113 médicos-veterinários na prescrição de dietas de eliminação para cães, avaliando os principais erros de manejo durante o diagnóstico e tratamento da enfermidade.

Segundo a literatura a prevalência da RAAC em cães é baixa (1 a 2%), se avaliada com amostras de cães com qualquer diagnóstico (Proverbio et al., 2010; Olivry; Mueller, 2020). Diferente do presente estudo, no qual foi observado alta frequência de atendimentos desses pacientes (92,9%), o que não corrobora com o visto em literatura, no entanto a maioria dos entrevistados possuíam espiralizações com grande casuística da doença, como dermatologia e nutrição o que pode ser sugerido com um viés.

Foi observado que poucos entrevistados (8,9%) consideram que a grande maioria (80,1 a 100%) dos animais melhoram apenas com a dieta, e a maioria (53,1%) afirma que existe a necessidade do uso de corticoide para controle da doença. Corroborando com o fato de que alguns animais com RAAC apresentam também outras doenças cutâneas concomitante (Gedon et al., 2018).

Para o diagnóstico da alergia alimentar, a literatura é clara em dizer que o teste de eleição é a dieta de eliminação, seguida da dieta provocativa (Mueller; Olivry, 2017) e no presente trabalho essa forma de diagnóstico foi a eleita pela maioria dos entrevistando 82,3% corroborando com a literatura. Entretanto, alguns médicos veterinários (38%) não utilizam a fase provocativa da dieta e outros ainda utilizam testes imunológicos (10,6%), intradérmicos (8,8%) ou de saliva (2,6%). Não estando de acordo com a literatura atual que mostram que esses testes embora utilizados na rotina clínica, não podem ser utilizados como fonte de diagnóstico, e sim apenas como uma etapa para auxiliar na escolha dos alimentos para a dieta de eliminação (Bexley et al, 2016; Mueller; Olivry, 2017; Vovk et al., 2019; Jackson, 2022).

Sobre a duração da dieta de eliminação em cães, os estudos recentes mostram que ocorre melhora das manifestações clínicas em 50% dos cães com 3 semanas de dieta e essa porcentagem aumenta para mais de 85% quando realizada por 5 semanas e para 95% se for estendida por 8 semanas. Poucos animais necessitam de dieta por mais de 13 semanas para melhorar seus sintomas (Olivry et al., 2015; Jackson, 2022). Corroborando assim com o presente estudo.

A maioria dos entrevistados 51,3% classificou o fato da dieta comercial possuir proteína única como muito importante, porém não foi visualizado essa mesma preferência quando questionado sobre estar escrito no rótulo “hipoalergênico” já que apenas 36,3% dos entrevistados o classificaram como muito importante. O alimento comercial que possui uma fonte inédita ao animal, apesar de parecer ser uma boa opção para o diagnóstico, não é preconizada como tal devido a possibilidade de apresentarem resíduos proteicos de outras fontes, não listadas no rótulo (Mueller; Unterer, 2018).

Apesar da maioria utilizar as dietas preconizadas, foi observado alguns equívocos durante o questionário. A utilização da alimentação crua como dieta de eliminação foi selecionada por 5,3% dos entrevistados. A oferta desse estilo de dieta é uma preocupação para a saúde pública, já que essa prática pode favorecer a propagação de algumas bactérias patogênicas e zoonóticas como a Escherichia coli, Clostridium spp., Salmonella spp., Listeria spp. e Campylobacter spp. e também de alguns parasitas como Toxoplasma gondii, Neosporum caninum, Sacocystis spp., Cryptosporidium parvum e Echinococcus granulosus (Viegas et al., 2020; Ahmed et al., 2021; Ramos et al., 2022).

Nesse estudo, a presença de conservantes no alimento foi classificada como muito importante (82,3%). Contudo, não há evidência que a presença de conservantes e outros aditivos na alimentação sejam causadores de prurido (Verlinden et al., 2014). A ausência de transgênicos foi classificada como muito importante (11,5%), importante (14,2%) e não importante (35,4%) pelos médicos- veterinários entrevistados e não foi encontrado nada na literatura que associe o uso de transgênico com alergia alimentar em cães.

A hidrólise da proteína a um peso molecular abaixo de 10kDa faz com que a sua alergenicidade diminua (Cave; Guildord, 2004; Bizikova; Olivry, 2016) pois ela evita que haja a degranulação de mastócitos que normalmente ocorre em resposta a proteínas intactas, e assim, o cão com uma hipersensibilidade a proteína consegue realizar a ingesta da mesma sem manifestação clínica (Cave, 2006). A dieta comercial utilizada para diagnóstico da alergia alimentar deve conter uma proteína hidrolisada (Mueller; Unterer, 2018) e quando foi questionado sobre o grau de importância desse item, a maioria (82,3%) dos entrevistados o classificaram como “muito importante”. E importante destacar que ninguém a classificou como “não importante”.

Alguns entrevistados (23%) acreditam que a dieta comercial não deva conter frango, mesmo que seja hidrolisado, muito provavelmente pelo receio da deflagração da alergia. E existem relatos na literatura, onde o animal apresentou reação ao se alimentar de uma dieta comercial hidrolisada da proteína alergênica e isso provavelmente se deve ao fato, dessa ração em específico conter uma porcentagem pequena (3%) de peptídeos maiores de 10kDa (Cave; Guilford, 2004; Bizikova; Olivry, 2016). E por esse motivo, alguns autores não recomendam que a escolha inicial do alimento comercial hipoalergênico seja com a hidrólise de uma proteína que é conhecido sua alergenicidade ou que suspeite da mesma (Cave, 2006). Mas, outros estudos mostram resultados positivos na melhora do prurido com dietas comerciais a base de proteínas de soja e frango hidrolisadas (Mueller et al., 2016; Puigdemont et al., 2006).

Caso a dieta caseira seja a de escolha para o diagnóstico, deve-se optar, preferencialmente, por uma fonte de proteína inédita, pois assim, há maior chances de o cão não apresentar reação a ela (Bethlehem et al., 2012). A literatura cita, como principais alérgenos alimentares em cães a carne bovina, laticínios, frango, trigo e cordeiro. Outras relatadas com menor frequência são a soja, milho, ovo, porco, peixe e o arroz (Mueller et al., 2016).

Conclusão

Pode-se concluir que a maioria dos entrevistados possuem conduta correta no diagnóstico e tratamento de cães com alergia alimentar. Entretanto, alguns erros e contradições na prescrição da dieta de eliminação e do manejo alergia alimentar foram observados. Com isso, espera-se que esse trabalho sane algumas dúvidas e auxilie o médico-veterinário a conduzir melhor esse paciente na prática clínica.

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