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Benefício da dieta hidrolisada no diagnóstico e tratamento de reação adversa ao alimento canina: relato de dois casos

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Autor(a): Milena Sayuri Tada

Orientador(a): Mariana Yukari Hayasaki Porsani

Instituição: Médica-veterinária autônoma

Trabalho classificado na 7ª Edição (2021) do Prêmio de Pesquisa PremieRpet®.

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Índice

Resumo

A ingestão de certos componentes dietéticos pode causar as chamadas reações adversas ao alimento (RAA). Neste estudo, foram relatados dois casos de cães com hipersensibilidade alimentar com manifestações gastrointestinais e cutâneas. Ambos vinham em tratamento com dietas caseiras, sem resultados. Receberam então alimentação comercial seca extrusada hidrolisada a base de frango como dieta de eliminação. Este alimento apresentou resposta positiva no controle da RAA, cessando as manifestações clínicas da doença.

Palavras-chave: alergia alimentar, hipersensibilidade alimentar, cães, dieta hipoalergenica.

Introdução

As reações adversas aos alimentos (RAA), também chamadas de alergias ou hipersensibilidades alimentares, são causadas pelo estímulo de resposta imune do organismo aos antígenos presentes no alimento (GUAGUERE, 1998; GASCHEN; MERCHANT, 2011; SILVA, 2015; SALZO, 2016). A patogenia envolvida não está totalmente elucidada até o momento, porém, acredita-se que ocorram por alterações na barreira intestinal, gerando falha na tolerância e, consequentemente, permitindo a sensibilização do organismo pelas partículas alimentares ingeridas, que passarão a ser vistas como antígenos (CIANFERONI; SPERGEL, 2009; ROUDEBUSH; GUILFORD; JACKSON, 2010; GASCHEN; MERCHANT, 2011). Na maioria dos casos já diagnosticados, a constituição desses antígenos era proteica (GASCHEN; MERCHANT, 2011; SALZO, 2016).

Os alérgenos alimentares relatados com maior frequência nos cães são carne bovina, laticínios, carne de frango, trigo e cordeiro. No entanto, outras fontes alimentares, como soja, milho, ovo, carne suína, peixe e arroz, também foram relatadas (MUELLER; OLIVRY; PRELAUD, 2016).

As manifestações clínicas podem acometer o sistema tegumentar em forma de prurido, otites e lesões cutâneas e/ou o trato gastrointestinal, representados por episódios de vômito e/ou diarreia (MULLER; UNTERER, 2018). Podem acometer cães a partir de seis meses até 10 anos de idade, sendo que o pico de incidência parece ser em cães jovens (menos de 1 ano de idade) (PICCO, 2008; PROVERBIO, 2010).

O diagnóstico para RAA é realizado por meio de dietas de eliminação, que consistem em fornecer ingredientes inéditos, ou seja, nunca consumidos previamente ou ainda aqueles cuja fonte proteica é hidrolisada (OLIVRY; MUELLER; PRELAUD, 2015).

Relato de caso

CASO 1

Foi atendido um cão, macho, Bulldogue Francês, de quatro anos de idade e 11,5 quilos de peso corporal. A queixa principal da responsável no momento do atendimento era otite recorrente e prurido em membros, classificando-o em 10, em escala de 0 a 10. Diante disso, o animal foi diagnosticado com atopia, recebendo como tratamento fármacos antiinflamatórios, antibióticos e antifúngicos.

Cerca de nove meses depois, o paciente voltou a apresentar as mesmas manifestações clínicas, com avaliação do prurido em nota 7/10 e, desta vez, com lesões de pele. Foram relatados também episódios de êmese recorrentes, com frequência quase diária, com presença de sangue nos dias anteriores ao atendimento. Nesse dia, o peso do animal era de 10,7 quilos e, ao exame físico, foi observada área de hiperqueratose em face. O tratamento foi alterado para medicações imunossupressoras, além do uso tópico da combinação de antibióticos, antifúngicos e antiinflamatórios.

Diante do insucesso dos tratamentos e da perda de peso, o paciente passou por atendimento nutricional. No primeiro atendimento, seu peso era de 10,2 quilos e foram relatados diversos episódios de êmese com conteúdo alimentar não digerido, mesmo horas após as refeições, além de piora do quadro após alimentação com carne bovina, frango, salmão e lombo. Nesse momento, o animal recebia lentilha, arroz branco, batata doce e cenoura, misturados em total de 900 gramas. Ao exame físico, seu escore de condição corporal (ECC) foi avaliado em 2, em escala de 1 a 9 (LAFLAMME, 1997) e seu escore de massa muscular (EMM) em 2, de 0 a 3 (BALDWIN et al., 2010). Com suspeita de RAA, prescreveu-se dieta de eliminação, composta por proteína inédita que, no caso, foi tilápia (312 gramas por dia), e batata doce (345 gramas por dia) como fonte de carboidrato, ingerindo um total de 664 kcal por dia, determinado pela fórmula 110 kcal/kg0,75.

No mês seguinte, o animal apresentou melhora das manifestações gastrointestinais e cutâneas, embora tenha apresentado apenas quatro episódios de êmese no período, com ganho de peso de 500 gramas, ECC 3/9 e EMM 3/3. Devido à melhora clínica, foi adicionado ainda o óleo de girassol (1,5 mL por dia). Contudo, a responsável relatou piora da pele, retornando com o quadro de prurido. Apesar da manifestação cutânea, houve bom controle dos episódios de êmese e ganho de peso corporal de 300 gramas, ECC 4/9 e EMM 3/3. Diante da queixa, foi prescrito troca, ainda como dieta de eliminação, para alimento comercial extrusado seco com proteína hidrolisada de frango, com média de 22% de proteína bruta, 16% de extrato etéreo, 7,5% de matéria mineral, 4% de fibra bruta e 3,86 kcal por grama. Como o ganho de peso do animal ocorria de forma positiva, a quantidade calórica diária a ser fornecida foi mantida em 650 kcal, recalculadas para o novo alimento (171 gramas por dia). Com isso, houve melhora significativa tanto da pele quanto da manifestação gastrointestinal do paciente.

CASO 2

Canino, macho, Jack Russel, três anos de idade, 9,3 quilos, encaminhado para atendimento nutricional. Como histórico, a responsável referia que o animal apresentava prurido e otites de repetição e, por isso, o animal vinha sendo acompanhado há um ano por médico veterinário especializado em dermatologia. Fazia uso contínuo de medicamento para controle de prurido e ectoparasitas. A responsável referia que o prurido havia melhorado: antes dos medicamentos nota 8 e, depois, 5 de 10. Referia também que, desde os seis meses de idade, o animal apresentava diarreia. Informou ainda que havia sido prescrito dieta de eliminação composta por mandioca e peixe cação, que reduziu o prurido para 2/10, mas ainda com episódios de diarreia. Em virtude do sucesso no controle do prurido, o animal foi encaminhado apenas para balancear a dieta. Ao exame físico, ECC 3/9 (LAFLAMME, 1997) e EMM3/3 (BALDWIN et al., 2010) e, com isso, foi prescrito 599,9 kcal por dia pela fórmula 110 kcal/kg0,75, sendo arroz branco (190 gramas), vagem (120 gramas), tilápia (235 gramas), óleo de girassol (2,3mL) e suplemento mineral vitamínico Complet zero proteína® (8 gramas). Optou-se pela tilápia pela menor quantidade de gordura, para avaliar possível melhora nos quadros de diarreia. Um mês depois, o cão retornou apresentando diarreia com início há dois dias. Dessa forma, a orientação foi retirar a suplementação e o óleo. No entanto, a diarreia piorou e novamente foi necessário fazer uso do antibiótico. A tutora relatou receio de adicionar novamente a suplementação e foi orientada a testar dieta comercial de proteína hidrolisada de frango (22% de proteína bruta, 16% de extrato etéreo, 7,5% de matéria mineral, 4% de fibra bruta e 3,86 kcal/g). No entanto, ficou muito resistente em mudar para alimento comercial, pois acreditava que não seria saudável e que causaria piora na alergia. Nesse momento, foi orientada dos malefícios de uma dieta caseira desbalanceada e sem suplementação, bem como dos benefícios de uma dieta comercial seca extrusada hidrolisada, indicada para RAA. Com isso, aceitou as orientações e, após um mês de uso da dieta, informou que o animal teve apenas um único episódio de diarreia, recuperando-se sem necessidade de uso de medicação. Após três meses o animal não apresentou nenhum outro episódio de diarreia, ainda com a mesma classificação leve de prurido e, portanto, o veterinário dermatologista alterou o tratamento de prurido para o medicamento Cytopoint®. Diante desse quadro, o animal foi diagnosticado com atopia e RAA, melhorando esta com o alimento comercial extrusado hidrolisado.

Discussão

Os dois animais relatados no presente estudo foram diagnosticados com RAA, apresentando manifestações tanto em trato gastrointestinal, com manifestação de êmese e diarreia, como cutâneas, com prurido e otite, assim como descrito na literatura como as principais manifestações clínicas da doença (LOEFFLER et al., 2006; MULLER; UNTERER, 2018). Quanto à manifestação gastrointestinal, além de êmese e diarreia crônicas, outros sinais podem ser observados com frequência, como desconforto abdominal e flatulência (MULLER; UNTERER, 2018). O diagnóstico de RAA deve ser realizado por meio de dieta de eliminação, como realizado nos dois casos apresentados neste estudo, onde ambos receberam proteína e carboidrato. Alguns estudos afirmam que dieta caseira é a melhor forma de diagnóstico de alergia alimentar (WILHEM, 2005; MUELLER, 1998). No entanto, segundo Loeffler et al. (2006), em estudo retrospectivo com 181 cães, foi concluído que dietas extrusadas com proteína hidrolisada de frango podem ser uma alternativa valiosa para dietas caseiras, tanto no diagnóstico quanto no tratamento de RAA canina. Segundo Cabe e Guilford (2004), a hidrólise diminui 97% da proteína de frango para um peso molecular, sendo, portanto, incapaz de gerar resposta alérgica.

Essas informações foram evidenciadas no presente estudo, no qual os dois animais não apresentaram mais manifestações gastrointestinais, além de redução do prurido, após consumir alimento extrusado hidrolisado de frango.

Conclusão

Muitos acreditam que o uso de alimentos caseiros são melhores para a dieta de eliminação e controle da RAA canina. No entanto, foi possível evidenciar que melhores resultados no controle das manifestações clínicas foram observados utilizando a dieta extrusada hidrolisada de frango.

Referências bibliográficas

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