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Complicações decorrentes do uso de sonda esofágica como suporte nutricional em cães e gatos

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Autor(a): Fernanda Yamamoto Tavares

Orientador(a): Aulus Cavalieri Carciofi

Instituição: Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias UNESP Jaboticabal

Trabalho classificado na 10ª Edição (2024) do Prêmio de Pesquisa PremieRpet®.

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Índice

Resumo

Estudos demonstram que animais hospitalizados não recebem suporte nutricional adequado à sua necessidade energética e aqueles que mais recebem calorias apresentam maior taxa de alta hospitalar. Uma das maneiras de realizar o suporte nutricional à longo prazo é a colocação de sonda esofágica. Entretanto, há maiores chances de complicações, sendo as mais relatadas infecção e inflamação. O objetivo deste trabalho foi realizar levantamento das principais complicações que ocorrem com o uso de sondas esofágicas e elencar os principais motivos para colocação da mesma. Foram incluídos 166 pacientes, sendo 68,6% (114/166) cães e 31,3% (52/166) gatos, que receberam suporte nutricional via sonda esofágica entre o período de novembro de 2015 a março de 2023. As complicações relacionadas com a sonda esofágica foram registradas em 56,1% (n=64/114) dos pacientes caninos e em 94,2% (n=49/52) dos pacientes felinos, sendo a remoção pelo animal a complicação mais frequente nos pacientes (n=28/113), seguida por infecção (n=27/113), deiscência dos pontos (n=19/113), vômito da sonda (n=15/113), secreção (n=7/113), inflamação (n=7/113), edema (n=4/113), hematoma (n=2/113), alimento pela ferida (n=2/113), necrose de pele (n=1/113) e obstrução (n=1/113). O suporte nutricional via sonda esofágica contribuiu para diminuir o risco nutricional. Embora esse tipo de suporte nutricional seja importante e seguro, complicações podem ocorrer.

 

Palavras-chaves: canino, felino, sonda alimentar, nutrição enteral, nutrição.

Introdução

Balanço energético negativo é condição comum em animais hospitalizados (REMILLARD et al. 2001; CHAIN, 2004; BRUNETTO et al., 2010; MOLINA et al., 2018). Ocorre principalmente pela disorexia durante a hospitalização (REMILLARD et. al 2001). Diversos estudos mostraram que a perda de peso involuntária piora o prognóstico dos animais (BAEZ et al., 2007; SLUPE, FREEMAN & RUSH, 2008; PEREA, 2008; CASTRO et al., 2010; Finn et al., 2010; KRICK et al., 2011; PARKER & FREEMAN, 2011; ROMANO et al., 2016; PEDRINELLI et al., 2020).

Estudo realizado no Brasil em hospital veterinário com serviço de nutrição clínica constatou que o fornecimento de energia e alimentos foi positivamente associado à alta hospitalar, enquanto os animais em balanço energético negativo tiveram maiores taxas de óbito (BRUNETTO et al., 2010). O favorescimento do prognóstico pelo suporte alimentar correto é explicado pela estreita relação entre nutrição, imunidade, capacidade cicatricial e metabolismo de drogas (MILLS, KARAGIANNIS, ZULCH, 2014; CARCIOFI & BRUNETTO, 2009; BUFFINGTON; HOLLOWAY; ABOOD, 2004; REMILLARD et al., 2001; FREITAG et al., 2000).

Em especial a homeostasia dos enterócitos e do trato linfóide associado ao intestino é dependente da presença de nutrientes na luz intestinal, que pode ser assegurada por adequado suporte alimentar (KRENZ & ALLEN, 2017; MOHR et al., 2003; OMURA et al., 2000; BURKE et al., 1989; ALVERDY et al., 1988). As sondas são uma das formas de realizar suporte alimentar por via enteral e podem sere aplicadas pela via naso-esofágica ou naso-gastrica, esofágica, gastrica ou enterica (FASCETTI & DELANEY, 2016). Há, porém, poucos estudos que avaliaram as possíveis complicações das terapias enterais com uso de sondas. Deste modo, o objetivo deste estudo foi levantar as principais complicações decocorrentes do emprego de sondas esofágicas como ferramenta de suporte nutricional a pacientes caninos e felinos doentes, bem como elencar os principais motivos para realização desse tipo de terapêutica.

Material e métodos

Este foi estudo retrospectivo conduzido por levantamento de dados de cães e gatos atendidos em Hospital Veterinário, que receberam suporte nutricional enteral por sonda esofágica no período de novembro de 2015 a março de 2023. Apenas animais que permaneceram com a sonda por pelo menos 24 horas e foram alimentados no período foram incluídos. Foram excluidos animais que não possuíam registros médicos completos após a colocação da sonda.

Para cada paciente incluído foi feita busca em prontuário dos seguintes dados: espécie, sexo, idade, peso corporal, escore de condição corporal (ECC; Laflamme, 1997a, 1997b), escore de condição muscular (EMM; WSAVA, 2011), diagnóstico e/ou sistema orgânico afetado e dias em disorexia. Para os fins do estudo, os dias de suporte enteral via sonda nasogástrica/nasoesofágia anteriores à colocação da sonda esofágica foram considerados como dias em disorexia. O diagnóstico e/ou sistema orgânico afetado foi classificado em: trauma, neoplasias, gastrointestinal, urogenital, respiratório, infeccioso, periodontal, ortopédico, hepáticos e “outros”, sendo este último aqueles que não se encaixaram nas categorias anteriores ou quando o diagnóstico não foi definido.

Em todos os pacientes foi aplicada sonda de foley, confeccionada em látex. Já os dados de colocação da sonda esofágica incluíram o calibre da sonda, complicações no procedimento de aplicação e nos dias subsequentes à colocaçao. Para contabilização dos dias com a sonda as datas de óbito foram definidas como o último dia com o suporte. Animais acompanhados da colocação até a retirada da sonda esofágica, sem registro de complicação foram classificados como ausência de complicações. Se foi colocada mais de uma vez a sonda esofágica no mesmo animal, este foi considerado como novo paciente. Foram classificadas como complicações de baixa gravidade aquelas que não colocam em risco a saúde do paciente, como inflamação, edema, hematoma, deiscência de pontos, obstrução da sonda e secreção no óstio. Complicações de média gravidade foram aquelas que não colocam a vida do paciente em risco, como remoção pelo animal, vômito levando a regurgitação da sonda, alimento extravasando via ferida cirúrgica, necrose de pele e infecção. Complicações de alta gravidade foram definidas como aquelas que colocam em risco a vida do paciente, como aspiração pulmonar e obstrução do trato respiratório (adaptado de IRELAND et al., 2003). Foram considerados quadros de infecções quando havia secreção purulenta ou abscessos ao redor da sonda, pois não foram realizados culturas das secreções observadas. Os dados foram interpretados por meio de estatistica descritiva símples.

Resultados

No período de novembro de 2015 a março de 2023 foi realizada a colocação de 304 sondas esofágicas. Destas, 71,0% (n=216/304) foram em cães e 28,9% (n=88/304) em gatos. Foram excluídos dados de 136 animais por ausência de informações na ficha médica e 2 por terem permanecido menos de 24 horas com a sonda esofágica. Com isto foram incluídos 166 pacientes, sendo 68,6% (114/166) cães e 31,3% (52/166) gatos (Tabelas 1 e 2).

Tabela 1 - Animais incluidos no estudo e suas características
Tabela 1 - Animais incluídos no estudo e suas características
Sistemas afetados ou grupo de diagnósticos dos pacientes incluídos no estudo
Tabela 2 - Sistemas afetados ou grupo de diagnósticos dos pacientes incluídos no estudo

Em 21% (n=35/166) dos animais do estudo foi colocada sonda esofágica mesmo com o animal sem redução do apetite, devido a procedimentos cirúrgicos que impossibilitavam alimentação espontanea ou como prevenção de anorexia após procedimento cirúrgico. Informações quanto ao calibre das sondas utilizadas encontram-se na Tabela 3.

Calibres das sondas esofágicas aplicadas nos pacientes incluídos no estudo
Tabela 3 - Calibres das sondas esofágicas aplicadas nos pacientes incluídos no estudo

O tempo médio com a sonda esofágica nos cães foi de 15,3±13,8 dias, com variação de 1 a 97 dias. Óbito foi registrado em 5,26% (n=6/114) dos cães. Já entre os gatos, o tempo médio com a sonda esofágica foi de de 20,9±20,3 dias, variando de 1 a 90 dias. Óbito registrado em 9,6% (n=5/52) dos gatos. Tanto em cães como gatos, nenhum óbito foi atribuído a aplicação ou uso da sonda esofáfica. Complicações relacionadas com a sonda esofágica foram registradas em 56,2% (n=64/114) dos pacientes caninos e nove cães tiveram mais de uma complicação (Tabela 4). Em gatos foram registradas complicações em 65,4% (n=34/52) dos pacientes, tendo nove mais de uma complicação (Tabela 4).

Distribuição dos animais com e sem complicações
Tabela 4 - Distribuição dos animais com e sem complicações
Complicações relatadas ao emprego de sondas esofágicas nos pacientes do estudo
Tabela 5 - Complicações relatadas ao emprego de sondas esofágicas nos pacientes do estudo

Considerando cães e gatos, dos 59,0% (n=98/166) dos animais que apresentaram algum tipo de complicação relacionado à sonda esofágica, complicações de baixa gravidade representaram 35,4% (n=40/113) e as de média gravidade 64,6% (n=73/113). Nenhum paciente demonstrou complicação de alta gravidade. A evolução do ECC dos cães entre o momento da aplicação e retirada da sonda foi registrado em 63,1% (n=72/114) dos pacientes, 56,9% (n=41/72) mantiveram o ECC, 25,0% (n=18/72) reduziram e 16,6% (n=12/72) aumentaram. O EMM dos cães no momento da aplicação e retirada da mesma foi registrado em 60,5% (n=69/114) dos pacientes, 60,8% (n=42/69) mantiveram o EMM, 24,6% (n=17/69) reduziram o EMM e 14,4% (n=10/69) aumentaram o EMM. Já para gatos, em 48,0% (n=25/52) dos pacientes o ECC foi acompanhado e 40,0% (n=10/25) mantiveram o ECC, em 32,0% (n=8/25) este reduziu e em 28,0% (n=7/25) aumentou. O EMM dos gatos foi registrado em 48,0% (n=25/52) dos pacientes, 68,0% (n=17/25) destes mantiveram o EMM, 16,0% (n=4/25) apresentaram redução e 16,0% (n=4/25) aumetno do EMM.

Discussão

Nas duas espécies,  o  diagnóstico  motivo  da  redução  de  apetite  e necessidade de colocação de sonda esofágica ocorreu principalmente devido ao quadro de neoplasia, em torno de um terço dos casos em cada espécie. Dentre as complicações, a maioria foi de média gravidade. Resultados semelhantes foram observados em estudo retrospectivo em gatos, sendo o deslocamento da sonda (19,1%) a complicação mais comum observado e a segunda foi a infecção da ferida (12,1%), seguido de vômito da sonda (2,8%) e obstrução da sonda (2,8%) (BREHENY et al., 2019).

FASCETTI & DELANEY (2016) recomendam a passagem de sondas de calibre 12 a 14 Fr para gatos e cães de pequeno porte, e de 14 a 18 Fr em cães de médio a grande porte, para melhor conforto do paciente. No estudo em questão, os calibres utilizados foram superiores aos recomendados por alguns autores. Devido ao baixo número de obstruções de sondas esofágicas deste estudo, é provável que o tamanho do calibre tenha diminuído as chances de obstruções. Outro questionamento acerca do calibre das sondas seria o desconforto do animal levando a remoção, já que esta foi a segunda complicação mais comum no presente estudo. Em estudo similar com gatos, 7,6% (n=19/248) removeram a sonda, sendo 35,1% (n=6/19) de 14 Fr, 21,0% (n=4/19) sonda de calibre 19 Fr, 5,7% (n=1/19) de 16 Fr e para 42,1% (n=8/19) não havia registro do calibre (BREHENY et al. 2019), ou seja, utilizar um menor calibre não necessariamente diminui o risco de remoção pelo animal.

Em relação a evolução do ECC e EMM depois da sondagem, apesar de a minoria dos pacientes ter evoluído positivamente no escore, é possível dizer que este suporte nutricional neste estudo contribuiu para diminuir o risco nutricional, visto que a principal função do suporte nutricional é evitar que os animais percam peso, o que foi atingido em boa parte dos animais do estudo em questão.

Conclusões

As complicações relacionadas ao uso de sonda esofágica foram frequentes, com ocorrência em aproximadamente 90% dos animais. As principais complicações que ocorrem com o uso de sondas esofágicas são de média gravidade (que não colocam a vida do paciente em risco), sendo as mais frequentes remoção da sonda pelo animal e infecção no local de incisão da sonda.

Referências bibliográficas

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