Autora: MV. Dra. Camila Goloni – Médica Veterinária com residência em Nutrição e Nutrição Clínica de Cães e Gatos, Mestrado em Medicina Veterinária, área de Clínica Médica com ênfase em Nutrição de Cães e Gatos e Doutorado em Medicina Veterinária, área de Clínica Médica com ênfase em Nutrição de Cães e Gatos pela FCAV – UNESP, Campus de Jaboticabal – SP
Os gatos são considerados animais gliconeogênicos por apresentar metabolismo energético com elevada taxa de conversão de aminoácidos em glicose, empregando a proteína como importante substrato energético. Esta característica define os felinos como animais carnívoros, com elevada necessidade de proteína quando comparados a outras espécies como o cão.
Em estudos de preferência alimentar de macronutrientes energéticos foi demonstrado que felinos domésticos selecionam dietas com alta proteína e gordura, à semelhança de seu ancestral evolutivo o gato selvagem africano Felis silvestres lybica, por se alimentar de pequenos roedores e pássaros, cuja composição corporal apresenta entre 52 e 63% de proteína, 25 e 46% de gordura e apenas 2 e 12% de carboidratos na matéria seca.
Se reconhece que um elevado teor de gordura em alimentos favorece muito o desenvolvimento de obesidade, especialmente em indivíduos castrados em ambiente indoor. Assim, dietas com elevada gordura são mais adequadas a pacientes abaixo do peso e reque em uso em sistema de alimentação por porção controlada.
Maior debate e controvérsia em composição dos macronutrientes da dieta existe quanto à ingestão de amido e relação amido e proteína do alimento. Elevado amido na dieta associado ao teor recomendado de aminoácidosé adequadamente utilizado como substrato energético por gatos com elevada digestibilidade aparente e que não altera de modo pronunciado as respostas pós-prandiais de insulina e glicose.
Dietas comerciais secas extrusadas podem apresentar mais de 25% de amido, podendo este somar mais de 40% em algumas formulações não prejudicando populações saudáveis de gatos. No entanto, ingestão de amido em gatos que apresentam alterações na sensibilidade insulínica, não se beneficiam da ingestão alta de amido, destacando-se aqui os pacientes obesos e diabéticos, o qual deve ser restrito este macronutriente nesta população de gatos.
Parte considerável de felinos domésticos que não apresentam alterações patológicas, na fase adulta e castrados, podem se beneficiar de alimentos com teor elevado de amido na dieta em relação à limitação de consumo de alimento em sistema de alimentação ad libitum.
Hipótese levantada na comunidade científica reflete possibilidade de um limite máximo de ingestão de amido, denominada de “carbohydrate ceiling”, termo inglês que propôem haver um máximo de amido que gatos ingeririam no dia em alimentação ad libitum, por favorecer potencialmente o controle da ingestão de alimentos evitando-se ganho de peso e promovendo maior saciedade.
Estudo de nosso grupo de pesquisa com gatos domésticos adultos, saudáveis e castrados consumindo por quatro meses dieta com elevado amido e proteína com teor recomendado para a espécie, em sistema ad libitum, proporcionou em machos ou fêmeas em condição corporal ideal ou com sobrepeso, peso corporal estável em todos os animais, além de promover expansão da massa corporal magra em gatos machos ou fêmeas em condição corporal ideal.
Os mesmos animais, ao consumirem dieta com elevado teor de proteína e baixo amido ganharam peso corporal, refletindo em ganho de massa gorda para fêmeas e ganho de massa magra para os gatos machos. Interessante observar que o gasto energético diário destes animais não apresentou variação em relação ao macronutriente da dieta, permanecendo semelhante entre as dietas durante todo o período de avaliação, mesmo com mudanças na composição corporal.
Estes resultados são semelhantes ao encontrado por outros autores em que a relação proteína e amido não interferiu no metabolismo energético. Assim, aponta-se vantagem para o consumo de alto amido em relação a alta proteína, pela manutenção voluntária do peso corporal no sistema de alimentação ad libitum, mas implicações à longo prazo, associado a avaliações hormonais, são interessantes para investigação mais aprofundada destes efeitos.
Outro ponto no qual a dieta pode interferir é sobre o movimento voluntário e atividade física. Existe pouca informação sobre as implicações quantitativas da atividade muscular voluntária de gatos consumindo diferentes substratos energéticos.
Com base no emprego de acelerômetro 3-axial, foi verificado por nosso grupo de estudos que gatos de laboratório são menos ativos que gatos domiciliados e machos inteiros mais ativos que machos castrados. Correlação positiva pôde, também, ser estabelecida entre o movimento voluntário e o gasto energético diário, conforme os gatos apresentaram maior movimento o gasto energético diário aumentou.
No entanto, em relação ao efeito do consumo de proteína ou amido, a atividade física voluntária não foi influenciada, comportamento semelhante ao gasto energético diário em que houve ausência de efeito quando comparado o consumo de amido ou proteína no metabolismo energético.
Efeito da relação amido proteína da dieta com consequências metabólicas, podem se refletir no metabolismo de água e na formação de oxalato em gatos. Gatos originaram-se de espécie desértica, com elevada capacidade de concentrar urina e fazer balanço hídrico com reduzida ingestão de água. Assim, alimentados com dietas secas não compensam a baixa ingestão de água via alimento com maior água de bebida, resultando em redução da produção de urina e elevação da densidade urinária.
Especula-se que alimentos secos possam favorecer o desenvolvimento de urolitíase, mas isto ainda não está comprovado. Além disso, a investigação do consumo de alto amido na possível síntese endógena e excreção renal de oxalato, com possíveis efeitos na supersaturação urinária para oxalato de cálcio merece maiores estudos em período de consumo prolongado.
Neste contexto, é reconhecido que elevada proteína alimentar aumenta a excreção renal de água, necessária à excreção de ureia e a sua correspondente carga de solutos. Estudos apontam aumento de 15% no turnover de água corporal ao elevar-se o teor proteico da ração seca e relação linear positiva entre consumo de proteína e turnover de água, promovendo com maior eliminação renal da ureia, advinda do catabolismo proteico resultado em diurese.
As implicações da ingestão de elevada proteína ou amido pelos gatos são complexas e ainda pouco compreendidas. Gatos preferem dieta com alta proteína, o que em sistema ad libitum parece favorecer obesidade. Gatos digerem adequadamente o amido, este não induz alterações negativas na glicose e insulina pós-prandial de não obesos, parecendo ser seguro em dietas adequadamente formuladas.
Dietas com alto teor de amido parecem ocasionar limitação voluntária do consumo energético, melhorar a composição corporal de não obesos, tornando-se recurso potencialmente interessante em manejo ad libitum. Elevada proteína, por outro lado pode aumentar a produção de urina e reduzir o oxalato urinário, efeitos que merecem consideração em relação à ocorrência de urolitíases.