Pesquisar
Close this search box.

Dermatite Alérgica e Enteropatia Crônica Responsivas à Dieta Hidrolisada como tratamento único em Cão: Relato de Caso

Logo Prêmio de Pesquisa PremieRpet
Logo Prêmio de Pesquisa PremieRpet
Autor(a): Juliana Martins Ribeiro

Orientador(a): Nathália Spina Artacho

Instituição: Médica-veterinária autônoma

Trabalho classificado na 9ª Edição (2023) do Prêmio de Pesquisa PremieRpet®.

[Arquivo PDF][Acervo completo]

Índice

Resumo

A enteropatia crônica é definida pela inflamação crônica da mucosa intestinal. É uma patologia que acomete muitos cães, porém, as manifestações clínicas são inespecíficas e similares à outras patologias do trato gastrointestinal. Neste relato, um canino, SRD, macho, 6 anos de idade, apresentava desde jovem anorexia, emagrecimento progressivo, náuseas, inconsistência na frequência e formato das fezes, episódios de êmese, prurido intenso, lesões de pele circulares eritematosas e importante queda de pelo. Seu diagnóstico foi definido por meio de avaliação histopatológica de biópsias dos fragmentos coletados através de endoscopia digestiva, sendo conclusivo para enteropatia crônica, e a terapêutica instituída foi somente a substituição da alimentação caseira para ração hipoalergênica de proteína hidrolisada de soja, havendo melhora significativa do quadro e estabilidade da saúde do animal, não necessitando de tratamento imunossupressor e/ou corticoide, concluindo portanto, o diagnóstico de enteropatia crônica devido a hipersensibilidade alimentar.

Palavras-chaves: cães; enteropatia crônica; dieta;

Introdução

As enteropatias crônicas (EC) são uma causa comum de quadros recorrentes e persistentes de gastroenterites em cães e gatos, e existem diferentes formas de manifestações e abordagens dessa patologia, que é definida pela inflamação crônica da mucosa intestinal e diagnosticada por meio de fragmentos coletados por biópsias e posterior avaliação histopatológica. O tipo celular inflamatório predominante e as alterações morfológicas do tecido envolvido irão definir a sua classificação, sendo linfoplasmocitária a forma mais comum, seguida da enterite eosinofílica e a enterite granulomatosa ou histiocítica (WASHABAU & DAY, 2013). As doenças inflamatórias intestinais podem acometer cães de qualquer sexo ou idade, e algumas raças parecem ter uma maior predisposição como cães pastores alemães, sharpei, rottweilers, yorkshire terrier, basenjis e shibas (PETERSON et al., 2003). As manifestações clínicas são observadas de acordo com o segmento intestinal acometido, sendo os principais a anorexia, emagrecimento, náusea, êmese, fezes com consistência e coloração alteradas, a sua frequência, entre outros (ARTACHO, 2017). De acordo com ALLENSPACH, et al., 2007, marcadores de enteropatia crônica podem avaliar o índice de gravidade da doença de cada indivíduo acometido, como: apetite, êmese, consistência de fezes, frequência de fezes e perda de peso, concentração sérica de albumina, presença de ascite e edema de membros e por último, presença de prurido.

Esta patologia pode também ser classificada de acordo com a resposta do paciente ao tratamento, sendo elas a enteropatia responsiva a dieta (ERD), enteropatia responsiva a antibióticos (ERA), enteropatia responsiva a imunossupressores (ERI) e enteropatia não responsiva (ENR). Ainda assim ocorrem sobreposições das manifestações clínicas apresentadas e a distinção entre elas pode ser difícil mesmo com a realização da endoscopia digestiva e avaliação histopatológica. Uma hipótese predominante é que a maioria das formas de enteropatia crônica envolve uma interação complexa entre a genética do hospedeiro, a microbiota intestinal e o sistema imunológico, e portanto, tratamentos sequenciais utilizando dietas terapêuticas, antimicrobianos e medicamentos imunossupressores são as estratégias mais comuns utilizadas para atingir uma remissão clínica, e seu diagnóstico geralmente é feito de acordo com a resposta ao tratamento juntamente com avaliação histopatológica (MAKIELSKI et al 2018).

Nos estudos da enteropatia responsiva a dieta, a resposta marcada somente a mudança da alimentação, foi responsiva em mais de 50% dos cães acometidos (ALLENSPACH et al., 2007). Algumas dietas utilizadas são com rações hidrolisadas, hipoalergênicas, dietas com ingredientes limitados, dietas caseiras e dietas de alta digestibilidade (DANDRIEUX, 2016). Os dados dos estudos também sugerem que um cão que responda relativamente rápido a esse tratamento dietético sozinho (em cerca de 1-2 semanas), são mais prováveis de ter um melhor prognostico à longo prazo. E ao contrário desses animais, os cães de meia idade ou mais idosos com uma doença mais severa e sinais clínicos predominantes do intestino delgado, como diarreia, anorexia, melena, são mais prováveis de necessitar utilizar um tratamento dietético em conjunto com imunossupressores (ALLENSPACH et al 2007).

O objetivo deste trabalho é relatar o caso de um cão diagnosticado com enteropatia crônica (EC) responsiva à dieta, onde a mudança na alimentação desse paciente apresentou impacto direto na saúde e melhora do quadro clínico dermatológico e gastrointestinal. Este relato possui o intuito de demonstrar que é possível obter sucesso no tratamento, sem a utilização de fármacos imunossupressores e corticoides que ocasionam efeitos colaterais a longo prazo, substituindo somente a alimentação, tendo impacto direto na qualidade de vida e bem-estar dos pacientes.

Relato de caso

Foi atendido em um hospital veterinário, um canino, macho, sem raça definida (SRD), 6 anos de idade, castrado, 18kg de peso corporal, que apresentava histórico de êmese desde 1 ano de idade, muitas vezes com aspecto espumoso e bilioso (principalmente após muitas horas em jejum), apresentava apetite seletivo, náuseas, anorexia, prurido intenso, lesões de pele circulares eritematosas e importante queda de pelo. O cão já havia sido diagnosticado com hipersensibilidade alimentar através de uma dieta de eliminação, onde foi constatada uma alergia a carne de frango, e desde os dois anos de idade, se alimentava com alimentação natural balanceada composta de carne suína, fígado bovino, batata doce, arroz integral, chuchu e abobrinha, suplementada com ômega 3 e suplemento de vitaminas, minerais e aminoácidos próprios para alimentação caseira, prescrita e acompanhada por uma médica veterinária nutróloga.

Imagem de cima, animal anterior ao tratamento apresentando áreas de alopecia, lesões erosivas e pele eritematosa, imagem de baixo posterior a terapia com ração hipoalergênica com proteína de soja hidrolisada, demonstrando melhora na pelagem e pele e ausência de alterações dermatológicas (Fonte: arquivo pessoal)
Figura 1 - Imagem de cima, animal anterior ao tratamento apresentando áreas de alopecia, lesões erosivas e pele eritematosa, imagem de baixo posterior a terapia com ração hipoalergênica com proteína de soja hidrolisada, demonstrando melhora na pelagem e pele e ausência de alterações dermatológicas (Fonte: arquivo pessoal)

A partir desse atendimento em 2021, foi iniciada uma nova conduta e investigação, com uma médica veterinária gastroenterologista. Ao exame físico, animal estava com todos os parâmetros dentro da normalidade, porém estava abaixo do peso (score corporal 2, em uma escala de 1-5), apresentava lesões circulares na pele e queda de pelo acentuada. Foram realizados novos exames complementares e no laudo da ultrassonografia abdominal foi constatado o piloro gástrico espessado, sugerindo processo inflamatório. Após avaliação dos resultados dos exames e correlacionando com a clínica do paciente, foi indicada a realização de uma endoscopia digestiva alta para realização de biopsia e análise histopatológica das amostras coletadas, onde as principais suspeitas clínicas eram gastrite e enteropatia crônica (EC).

No mês seguinte à primeira consulta, o animal foi submetido a endoscopia digestiva alta, e no laudo do histopatológico foi diagnosticada gastrite e antrite crônicas linfoplasmocitárias discretas a moderadas em atividade com focos de erosão discreta e presença de raras bactérias compatíveis com Helicobacter spp.; Duodenite crônica linfoplasmocitária moderada em atividade com discreta participação de eosinófilos e focos de linfangiectasia discreta; Fragmento superficial de mucosa com indícios de erosão discreta e processo inflamatório supurativo. Em retorno com a médica veterinária gastroenterologista responsável pelo caso, foi feita a correlação entre as manifestações clínicas apresentadas pelo animal e o seu histórico, todos os exames realizados e laudos apresentados, e então foi concluído o diagnóstico de enteropatia crônica (EC) linfoplasmocitária, doença de fundo imunomediada que cursa com hipersensibilidade alimentar. O animal encontrava-se clinicamente bem e estável, e por conta disso optou-se por não iniciar nenhum tratamento que envolvesse fármacos imunossupressores ou corticoides e foi indicada uma terapia de suporte de acordo com as manifestações clínicas que viessem a ser apresentadas, além de indicado uso frequente de probióticos, para regularização de possível disbiose.

Animal voltou a ser avaliado em março de 2022, onde foi constatado que o quadro permanecia instável com alguns episódios de êmese, apetite seletivo e anorexia, a partir disso foi instituída uma nova dieta, para avaliar uma possível resposta positiva e melhora no quadro clínico. Foi introduzida uma ração hipoalergênica com proteína hidrolisada de soja como alimentação exclusiva e após duas semanas, as manifestações clínicas já demonstravam melhora de apetite, que anteriormente era seletivo, não apresentava mais episódios de êmese e nem alterações gastrointestinais. Além da ração, foi administrado suplemento Ômega 3 – óleo de Peixe 1 cápsula ao dia, e a cada 30-60 dias, foi utilizado probiótico 1g com composição de Lactobacillus paracasei, Lactobacillus rhamnosus, Lactobacillus acidophilus e Bifidobacterium lactis. A partir da introdução desses complementos, o animal se tornou mais ativo, aparentando estar mais saudável, concluindo, portanto, que o cão apresentava ERD (enteropatia responsiva a dieta). Tutora relatou que animal ganhou peso, estava com escore corporal adequado (score 3 numa escala de 1-5), não possuía mais lesões em pele, pelame não apresentava mais falhas, prurido estava controlado, pelagem estava mais brilhante e com aspecto mais saudável, e considerou que o animal estava muito melhor de maneira geral. Foram realizados novos exames complementares de acompanhamento, e todos os resultados estavam dentro da normalidade, constatando que o animal permanecia clinicamente bem e estável, assim como confirmam os exames, e foi recomendada a continuação da dieta com ração hipoalergênica com proteína hidrolisada de soja.

Discussão

De acordo com a descrição de literatura (PETERSON et al., 2003), algumas raças são predispostas a EC, e este caso clínico demonstrou que qualquer cão pode apresentar essa patologia, independente de raça predisposta, inclusive um cão sem raça definida. De acordo com ALLENSPACH, et al., 2007, a hipersensibilidade alimentar e o prurido podem estar associados a enteropatia crônica em cães. Estudos relatam que algumas manifestações clínicas gastrointestinais, assim como o aumento de peristaltismo intestinal, êmese, diarreia e flatulência, podem ocorrer simultaneamente ao prurido, em 20 a 30% dos casos de hipersensibilidade (MEDLEAU, HNILICA, 2009). As manifestações clínicas apresentadas pelo cão relatado no caso são compatíveis com os descritos por SIMPSON & JERGENS (2012). Relatado por WASHABAU & DAY, a EC linfoplasmocitária é a forma mais comum, o que foi confirmado pela endoscopia digestiva realizada.

Como abordado por MAKIELSKI e colaboradores, essa patologia pode ser classificada de acordo com a resposta do paciente a terapêutica escolhida, como é o caso da ERD onde o paciente possui resposta positiva com a mudança da dieta utilizando rações hidrolisadas, hipoalergênicas, dietas com ingredientes limitados, dietas caseiras ou dietas de alta digestibilidade. Foi o caso do paciente relatado no caso, em que houve uma resposta positiva com a introdução de uma ração hipoalergênica com proteína hidrolisada de soja e o cão se manteve estável, sem alterações gastrointestinais, prurido e lesões em pele.

Conclusão

As manifestações clínicas de EC já causam diminuição da qualidade de vida dos cães, quando estas também estão associadas às manifestações clínicas de prurido, pioram ainda mais o comportamento, qualidade de vida e bem-estar dos pacientes. A partir desse relato, foi possível entender a importância da alimentação na vida de qualquer indivíduo. Foi possível entender também, que o trato gastrointestinal apresenta íntima relação com a pele, órgão que muitas vezes, é tratado separadamente, como sendo outra patologia, de etiologia distinta, na verdade, pode ter relação simbiótica, parece compartilhar dos mesmos mecanismos de hipersensibilidade alimentar ou autoimunes.

Um grande desafio na medicina, tanto humana, quanto veterinária, é a administração de corticoides, que, na maioria das vezes, ocasionam efeitos colaterais importantes, não só de poliúria, polidipsia, polifagia, hipertrigliceridemia, hipercolesterolemia, além de ocasionar doenças secundárias, como Síndrome de Cushing, Diabetes, Esteatose Hepática, Sobrepeso e Hipertensão, etc., e imunossupressores, que podem predispor a infecções graves, que, em alguns casos, ocasionam diminuição do tempo e qualidade de vida do paciente. Neste caso, foi possível concluir, que em algumas situações, somente a adequação de dieta pode ser suficiente para tratamento e evitar esse tipo de medicações, tão prejudiciais à saúde e qualidade de vida dos pacientes.

Referências bibliográficas

ALLENSPACH, K. et al. Chronic enteropathies in dogs: Evaluation of risk factors for negative outcome. Journal of Veterinary Internal Medicine, v. 21, n. 4, p. 700– 708, 2007.

ARTACHO, N. P. Associação Do Prurido E Enteropatias Crônicas. São Paulo, 2018. 49p. Dissertação (Mestrado) – Programa de Mestrado em Saúde e Bem- Estar Animal, Faculdades Metropolitanas Unidas, São Paulo, 2018

DANDRIEUX, J. R. S. Inflammatory bowel disease versus chronic enteropathy in dogs: are they one and the same? Journal of Small Animal Practice, v. 57, n. 11, p. 589–599, 2016.

JERGENS, A. E.; WILLARD, M. D.; ALLENSPACH, K. Maximizing the diagnostic utility of endoscopic biopsy in dogs and cats with gastrointestinal disease. Veterinary Journal, v. 214, p. 50–60, 2012.

MEDLEAU, L.; HNILICA, K.; Dermatologia de pequenos animais – Atlas colorido e guia terapêutico, 2ed. ROCA. São Paulo, 2009. p.165.

MAKIELSKI, K. et al. Narrative review of therapies for chronic enteropathies in dogs and cats. Journal of Veterinary Internal Medicine, v. 33, n. 1, p. 11–22, 2018.

PETERSON, P.; WILLARD, M.; Protein-losing enteropathies. Veterinary Clinic North American Small Animal Practice.33(5): p.1061-1082, 2003

SIMPSON, K.W. Gastrointestinal diseases: canine ulcerative colitis. USA: Saunders Elsevier, 2009

WASHABAU R.J., DAY M.J., et al. Endoscopic, biopsy, and histopathologic guidelines for the evaluation of gastrointestinal inflammation in companion animals. Journal Veterinary Internacional Medicine 24(1):10-26, 2010.

5/5
ENCONTRE O ALIMENTO IDEAL PARA O SEU PET