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Dermatose nutricional secundária após a administração de sucedâneo lácteo – Relato de caso

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Autor(a): Danieli Zanoni Cypriano

Orientador(a): Thais Andrade Costa Casagrande

Instituição: Universidade Positivo

Trabalho Classificado na 9ª Edição (2023) do Prêmio de Pesquisa PremieRpet®.

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Índice

Resumo

As doenças dermatológicas podem afetar várias espécies animais em diferentes idades. A alopecia é uma condição dermatológica caracterizada pela perda de pelo localizada, multifocal ou generalizada devido a múltiplas causas. O objetivo deste trabalho é relatar a ocorrência de uma alopecia generalizada e três alopecias multifocais em gatos recém-nascidos da raça Norwegian Forest Cat, após suplementação com sucedâneo lácteo. A ingestão de alimentação seca e úmida super premium, formulada especificamente para filhotes de gatos, foi eficaz na resolução da dermatose nutricional.

PALAVRAS-CHAVE: felino, alopecia, sucedâneo lácteo.

Abstract

Dermatological diseases can affect several animal species at different ages. Alopecia is a dermatological condition characterized by localized, multifocal or generalized hair loss due to multiple causes. The objective of this paper is to report the occurrence of one generalized alopecia and three multifocal alopecias in newborn cats of the Norwegian Forest Cat breed, after supplementation with milk replacer. Intake of super premium wet and dry food, specifically formulated for kittens, was effective in resolving nutritional dermatosis.

KEYWORDS: feline, alopecia, milk replacer.

Introdução

A pele, o maior órgão do corpo, é composta por epiderme, derme, subcutâneo e anexos como os folículos pilosos, glândulas sebáceas, sudoríparas entre outras estruturas. Os folículos pilosos são responsáveis pela formação dos pelos que desempenham importantes funções no organismo como termorregulação, proteção, percepção sensorial, interação social e camuflagem para os animais Este folículos se desenvolvem durante a morfogênese e, após o nascimento, inicia-se o ciclo do pelo que é dividido em fases de crescimento do folículo piloso (anágeno), regressão do folículo piloso (catágeno), repouso do folículo piloso (telógeno), queda do pelo do folículo piloso (exógeno) e latência do folículo piloso (quenógeno) (ZACHARY, 2021).

As doenças que acometem a pele, também chamadas de dermatopatias, podem ter diferentes causas e representam cerca de 30 a 40% da casuística veterinária em pequenos animais (PAULA, 2019). Nos felinos domésticos, as dermatopatias estão entre as doenças que mais os acometem. Podendo estas ser de origem infecciosa, alérgica, psicogênica ou mesmo multifatorial (BARBOSA; DEL NERO; AMBROSIO, 2013).

A perda de pelos, parcial ou generalizada, é definida como alopecia. Ela pode ser classificada quanto a sua distribuição: localizada, multifocal, simétrica ou generalizada; e quanto a permanência da perda de pelo: reversível (quando a perda de pelo é temporária) ou irreversível (quando a perda é permanente) (VAZ, 2021). Analisando sobre outros parâmetros, é factível segregar as alopecias entre as causadas por fatores externos (agentes biológicos, parasitas, microorganismos, nutricional, químico, trauma e estresse) e fatores internos (por exemplo, genéticos) (DA SILVA TUPAN, 2016).

As causas estão envolvidas do surgimento de alopecias são inúmeras, entre elas anormalidades no folículo piloso, supressão e distribuição do folículo piloso, eflúvio telógeno, irritações, auto traumatismo, atividade leucocítica, invasão e enfraquecimento da haste pilosa, necrose e fibrose dos tecidos e respostas imunomediadas (PAIS, 2013).

O estresse pode interferir na digestibilidade de nutrientes e comportamento alimentar. Um estudo foi conduzido com gatos para avaliar a digestibilidade dos nutrientes em relação ao estresse nas condições ambientais de alojamento. Foi verificado que gatos alojados em salas maiores tiveram a digestibilidade da proteína bruta aumentada em relação aos gatos que estavam em locais pequenos (PARK, 2017). Outro estudo, concluiu que quando os gatos foram submetidos a um ambiente desfavorável por estresse adaptativo tiveram ausência de ingestão de comida e água nos primeiros dias (CODREANU, 2022).

As dermatopatias também podem ser causadas por distúrbios nutricionais seja por dieta pobre em nutrientes, predisposição genética ou por alterações na absorção intestinal de alguns nutrientes. Podem estar relacionadas com as vitaminas A, D, E e C, ácidos graxos essenciais, proteínas e alguns minerais como o zinco. Nesses casos, são verificados sinais clínicos relativos a alergias alimentares, seborreia seca e oleosa, descamação, tampões foliculares, queda de pelo, pelo com coloração opaca e seca (GONZALEZ-DOMINGUEZ, 2016).

Devido a grande relevância e impacto das doenças dermatológicas em animais domésticos este trabalho tem como objetivo relatar a ocorrência de uma alopecia generalizada e três alopecias multifocais em gatos recém-nascidos da raça Norwegian Forest Cat, após suplementação com sucedâneo lácteo.

Relato de caso

Gato, fêmea, não castrada, da raça Norueguês da Floresta, 11 dias de idade, 223g de peso corporal, proveniente de uma ninhada de 5 filhotes, que nasceu dia 19/07/22, filhos do mesmo casal, que em ano anterior, tiveram 4 filhotes fêmeas saudáveis que não foram suplementados com sucedâneo lácteo. Também uma irmã e dois irmãos de ninhada.

No dia 29/07/22, após 2 dias sem ganho de peso, a filhote do presente relato foi suplementada com leite de cabra. No dia, 30/07/22 ela apresentou eritema e o pelos estavam facilmente epiláveis e sem sustentação.

No dia 31/07/22, quase todos os pelos do corpo haviam caído. Passou por consulta com clínico geral e especialista em neonatologia. Durante o exame físico foi constatado que a filhote apresentava-se sem febre, normohidratada, alerta, sem sinais de prurido, eritema generalizado em pele. Os pelos restantes no corpo, encontravam-se facilmente epiláveis e sem sustentação em tronco, enquanto os pelos da cabeça e membros não estavam epiláveis. Foi orientado a suspensão do leite de cabra, prescrito 2g por dia de simbiótico imunomodulador específico para felinos 1 vez por semana, durante 4 semanas e foi orientado consultar um médico veterinário especialista em dermatologia. No dia 01/08/22, o eritema não apresentou redução, então foi prescrito 0,001 mg/kg de prednisolona, SID, por 3 dias. O eritema teve resolução completa antes de 24 horas após administração do fármaco.

Dia 03/08/22, ela estava repilando mas seguia sem ganhar peso. A médica veterinária especialista em neonatologia orientou que ela fosse suplementada com um sucedâneo lácteo de marca comercial. A filhote do relato e três irmãos de ninhada foram suplementados.

Dia 04/08/22, a gata iniciou com quadro de diarreia cujo odor e coloração eram idênticas ao sucedâneo lácteo comercial ingerido, todos os pelinhos que estavam repilando caíram e os que ainda restavam nos membros caíram também, restaram somente alguns pelos na face. A suplementação foi suspensa. O animal ficou somente com o leite materno. Os três irmãos, que também foram suplementados, tiveram hipotricose, com os pelos do corpo facilmente epiláveis e sem sustentação. A filhote que não foi suplementada, manteve os pelos íntegros.

Dia 15/08/22, a gata e seus irmãos passaram por consulta com médico veterinário especialista em dermatologia. No exame físico, três filhotes estavam com os pelos facilmente epiláveis (não inflamatórios), um estava com pelagem integra e um estava totalmente sem pelos. Nesta consulta apresentavam prurido no pescoço e orelhas. Foram realizados exames complementares de lâmpada de Wood, cultura fúngica, raspado cutâneo, citologia da pele, todos com resultados negativos para crescimento fúngico e parasitas, além de tricograma que também foi negativo para alterações no ciclo biológico dos pelos, descartando as possíveis causas parasitárias, fúngicas e bacterianas. Não foi prescrito nenhuma medicação, apenas a mudança da alimentação láctea materna por uma ração de filhotes super premium. Dia 30/08/22, durante a consulta de retorno, todos os quatro filhotes apresentavam-se repilados, porém com a coloração dos pelos desbotada e ressecados.

Todos os animais aqui mencionados em trinta dias estavam com a pelagem cobrindo a totalidade do corpo em quantidade e comprimento. O prurido cessou 3 semanas após iniciarem a alimentação com o alimento completo seco super premium específica para a idade. A cor voltou a tonalidade normal após 90 dias de iniciada a dieta de filhotes. Nos meses seguintes, os filhotes continuaram apresentando melhoras na evolução do quadro de recuperação da cobertura dos pelos, assim como qualidade do fio. Com cinco meses de idade, todos os filhotes já estavam complemente recuperados da dermatose nutricional e assim continuam até o momento.

Gata, raça Norueguês da Floresta, 11 dias de idade, fêmea, com quadro de alopecia e eritema generalizado em pele. (A) Primeiro dia de observação do quadro, após um dia de ingestão de leite de cabra, apresentando alopecia em lateral do tronco, pescoço e próximo de orelhas, além de eritema generalizado. (B) Segundo dia do quadro, com progressão do quadro de alopecia e eritema em tronco e cabeça. (C) Sexto dia do quadro, após a ingestão de sucedâneo lácteo de marca comercial, apresentando alopecia generalizada, com eritema e apatia
Figura 1 - Gata, raça Norueguês da Floresta, 11 dias de idade, fêmea, com quadro de alopecia e eritema generalizado em pele. (A) Primeiro dia de observação do quadro, após um dia de ingestão de leite de cabra, apresentando alopecia em lateral do tronco, pescoço e próximo de orelhas, além de eritema generalizado. (B) Segundo dia do quadro, com progressão do quadro de alopecia e eritema em tronco e cabeça. (C) Sexto dia do quadro, após a ingestão de sucedâneo lácteo de marca comercial, apresentando alopecia generalizada, com eritema e apatia
Irmãos de ninhada da gata relatada, com três deles apresentando quadro de hipotricose após a ingestão de sucedâneo lácteo de marca comercial. (D) Irmã não afetada (sem ingestão de sucedâneo). (E, F e G) Irmão apresentando quadro de hipotricose, com eritema após ingestão de sucedâneo lácteo de marca comercial
Figura 2 - Irmãos de ninhada da gata relatada, com três deles apresentando quadro de hipotricose após a ingestão de sucedâneo lácteo de marca comercial. (D) Irmã não afetada (sem ingestão de sucedâneo). (E, F e G) Irmão apresentando quadro de hipotricose, com eritema após ingestão de sucedâneo lácteo de marca comercial
Figura 3 - Acompanhamento do repilação do animal relatado. (A) 5 semanas de idade. (B) 7 semanas de idade. (C) 12 semanas de idade. (D) 17 semanas de idade

Discussão

Nos casos relatados, o diagnóstico foi dermatose nutricional relacionado aos sucedâneos lácteos fornecidos. A dermatose nutricional, também conhecida como alergia ou hipersensibilidade alimentar, é caracterizada por uma resposta atípica e de origem imunológica a uma proteína ou aditivo do alimento. Nos gatos, as proteínas da carne bovina, do peixe e frango estão entre as causas mais comuns de alergias. No entanto, outras fontes como trigo, milho, laticínios, ovo, cevada e coelho também podem gerar alergias (DOS SANTOS, 2022).

São vários os sinais clínicos relativos à hipersensibilidade alimentar como seborreia (irregularidade na produção de sebo ou problemas na queratinização), descamação excessiva da pele, eritema, alopecia, falha no crescimento do pelo, acompanhadas ou não de infecções bacterianas secundárias ou prurido (GONZALEZ- DOMINGUEZ, 2016).

O prurido é o sinal clínico de maior ocorrência em casos de hipersensibilidade alimentar, podendo variar entre o grau leve a severo. Em felinos domésticos geralmente ocorre no terço cranial do corpo, abrangendo pavilhão auricular, redor das órbitas, face e pescoço (PAIS, 2013).

A alergia alimentar é desencadeada quando a proteína fornecida na dieta não sofre uma correta degradação e acaba sendo absorvida de forma íntegra pelo organismo, resultando uma resposta imunológica que vai mobilizar o anticorpo IgE e IgG. Essa ligação entre o antígeno com o anticorpo vai liberar serotonina, cininas e histaminas que serão responsáveis pelo surgimento dos sinais clínicos. Isso pode ocorrer em minutos ou horas após ingestão do alimento (DOS SANTOS, 2022). Exatamente como ocorreu nos casos citados acima onde em menos de 24 horas ocorreram os sinais clínicos.

É possível fazer o diagnóstico da alergia alimentar substituindo a alimentação do animal, e fornecendo proteínas e carboidratos que o animal ainda não tenha ingerido. Os sinais clínicos devem ser observados quanto a melhora do quaro clínico, que pode ser um processo lento (BARBOSA, 2013).

Quando é possível identificar o alimento ou ingrediente que está causando a alergia e há comprometimento do responsável em seguir completamente todas as instruções médica veterinárias, o prognóstico é favorável (GONZALEZ- DOMINGUEZ, 2016).

No caso relatado e dos irmãos de ninhada, esse manejo foi eficiente, visto que os filhotes só tiveram contato com um tipo de específico de alimento com exceção do leite materno, facilitando a identificação do agente causal, além da rápida resposta a terapia de exclusão instituída.

Há poucos relatos de dermatopatias em felinos neonatos na literatura, no entanto, na rotina de criadores de gatos isso é bastante observado em todas as partes do mundo e em diferentes raças. É importante que esses casos comecem a ser relatos para que novos produtos sejam elaborados pela indústria visando contribuir para o correto manejo alimentar de neonatos felinos. No Brasil há poucas opções de sucedâneos lácteos de qualidade para felinos e também são poucos os médicos veterinários aptos a lidarem com dermatopatias em neonatos felinos.

Conclusão

As alopecias por alergia alimentar normalmente são diagnosticadas por exclusão de outras causas de alopecia e terapias de exclusão dietética, o que pode ser um processo lento. No caso relatado, o diagnóstico foi mais rápido, por se tratar de um filhote que após seu primeiro contato com dieta diferente da materna, apresentou quadro agudo de alopecia e eritema, além de resposta rápida de repilação após a exclusão dietética. O caso relatado nesse trabalho visa mostrar a o risco de suplementação alimentar incorreta em felinos neonatos, assim como a importância de se ter mais pesquisas sobre a nutrição de neonatos.

Referências bibliográficas

ZACHARY, J.F. Bases da Patologia em Veterinária. 6 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2021. 1389p.

Cardoso, Mauro José Lahm et al. Dermatopatias em cães: Revisão de 257 casos. Archives of Veterinary Science, v. 16, n. 2, p. 66-74, 2011. Disponível em:

<http://hdl.handle.net/11449/72951>.

PAULA, Marco Aurélio Lima de et al. Levantamento epidemiológico das dermatopatias de cães e gatos atendidos no hospital veterinário da Universidade Federal de Uberlândia. 2019.

BARBOSA, Aline Soares; DEL NERO, Bruna; AMBROSIO, Carlos Eduardo. Terapia homeopática em dermatopatias de gatos–revisão de literatura. Acta Veterinaria Brasilica, v. 7, n. 1, p. 29-37, 2013.

VAZ, Deborah Ferreira et al. Diagnósticos diferenciais dos casos de alopecia atendidos no hospital veterinário da Universidade Federal de Uberlândia, HOVET- UFU. 2021.

PAIS, Rosa Maria Miranda et al. Tricograma como método de estudo de Alopécia em felinos. 2013. Dissertação de Mestrado.

GONZALEZ-DOMINGUEZ, María S. < Dermatological diseases of nutritional origin in pets: a reviewa. CES Medicina Veterinaria y Zootecnia, v. 11, n. 2, p. 82-102, 2016.

PARK, Chang Woo. Investigation of Various Factors on Nutrients Digestibility of Cat toward Animal Welfare. 2017.

VIRDEN, W. S.; KIDD, M. T. Physiological stress in broilers: Ramifications on nutrient digestibility and responses. Journal of Applied Poultry Research, v. 18, n. 2, p. 338-347, 200

 

 

CODREANU, Iuliana et al. STUDY REGARDING THE ADAPTATION STRESS IMPACT ON THE NUTRITIONAL BEHAVIOR IN DOMESTIC CATS. 2022

DOS SANTOS, Gabriela de Assis et al. Alergia alimentar em felino: relato de caso. Research, Society and Development, v. 11, n. 10, 2022.

BARBOSA, Aline Soares; DEL NERO, Bruna; AMBROSIO, Carlos Eduardo. Terapia homeopática em dermatopatias de gatos–revisão de literatura. Acta Veterinaria Brasilica, v. 7, n. 1, p. 29-37, 2013.

DA SILVA TUPAN, Rennani Sophia et al. Alopecia em felinos após quimioterapia. Medvep Dermato – Revista de Educação Continuada em Dermatologia e Alergologia Veterinária, 2016.

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