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Diferenças de estimativa de necessidade energética de cães recomendadas pelo NRC e FEDIAF versus prática clínica

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Autor(a): Pedro Henrique Marchi

Orientador(a): Marcio Antonio Brunetto

Instituição: FMVZ USP

Trabalho classificado na 7ª Edição (2021) do Prêmio de Pesquisa PremieRpet®.

[Arquivo PDF][Acervo completo]

Índice

Resumo

A energia, apesar de não ser um nutriente, desempenha funções indispensáveis no organismo. A necessidade energética de manutenção (NEM) em cães adultos relaciona-se a processos biológicos e bioquímicos vitais. Para evitar desbalanços energéticos positivos ou negativos, as equações preditivas para o cálculo da necessidade energética de manutenção em cães são uma ferramenta muito utilizada para o estabelecimento do aporte energético diário balanceado desses animais. Apesar de efetivas, são um recurso teórico que deve levar em conta as variações metabólicas individuais e fatores como a raça, idade e status reprodutivo dos cães. Caso contrário, é possível estabelecer quadro de balanço energético positivo, o qual pode acarretar no desenvolvimento da obesidade canina. Dessa forma, o objetivo deste estudo foi determinar a constante de cálculo da NEM de cães e, de acordo com o sexo (macho e fêmea) e status reprodutivo (castrado e não castrado), comparar as constantes obtidas com os fatores recomendados pela literatura. Para tal, o estudo avaliou de forma retrospectiva, os prontuários médicos de atendimento de cinco anos (2013 a 2017) que continham as informações nutricionais dos animais. Foram incluídos os prontuários dos animais alimentados com quantidade referente a dieta prescrita durante consulta e que, durante 30 dias ou mais, apresentaram variação de 5% ou menos em seu peso corporal. Ao todo, foram incluídas informações de 101 cães, os quais tiveram calculadas suas necessidades energéticas de manutenção e definidos seus fatores de cálculo em equação preditiva. Dessa forma, foram comparados de acordo com status reprodutivo e sexo. Os resultados demonstraram que quanto ao status reprodutivo, cães submetidos à castração apresentaram menor NEM (μ fêmea = 82,24 kcal/dia; μ macho = 82,49 kcal/dia; p = 0,0071) quando comparados a animais não castrados (μ fêmea = 94,36 kcal/dia; μ macho = 98,7 kcal/dia). Em relação ao sexo dos cães, não foi encontrada diferença. Dessa forma, concluiu-se que cães submetidos à castração apresentaram NEM inferior à recomendada pela literatura e, de forma equivalente, animais não castrados apresentaram média de NEM também inferior às recomendadas pelo NRC e FEDIAF.

Introdução

A energia, apesar de não ser um nutriente propriamente dito, é necessária para todas as funções vitais e bioquímicas do organismo. Sendo assim, o gasto energético diário de um cão adulto é composto pela taxa metabólica basal, atividade muscular voluntária, incremento calórico e termogênese. Por meio do somatório destes componentes, que podem ou não estarem presentes, será obtida a necessidade energética de manutenção (NEM) (BURGER, 1994). Tal necessidade é influenciada por fatores como idade, raça, porte, grau de atividade, ambiente e status reprodutivo (FINKE, 1994; KIENZLE, 1991; RAINBIRD, 1991; BERMINGHAM et al., 2014).

Em 2006, o National Research Council (NRC) publicou uma versão referente às necessidades nutricionais em cães e gatos. Em relação à NEM de cães, foram recomendadas diversas equações preditivas, dentre as quais, para cães adultos inativos foi definida equação: NEM = 95 x Peso Corporal0,75; e para cães ativos: NEM = 130 x Peso Corporal0,75 (NRC, 2006). Em relação ao status reprodutivo em cães, sabe-se que a castração em machos e fêmeas acarreta na alteração do perfil hormonal e na redução da atividade física, o que leva, portanto, a redução no gasto energético diário desses animais (BERMINGHAM, et al. 2014). No entanto, até o momento a recomendação de cálculo da NEM para cães castrados é a mesma equação preditiva para cães inativos (NRC, 2006; FEDIAF, 2020). Sobre a influência do sexo na NEM de cães, apesar das diferenças hormonais e fisiológicas entre machos e fêmeas, não há na literatura estudo que demonstre diferença na recomendação de cálculo da necessidade energética diária entre os sexos, como referido na medicina humana.

O aporte energético de forma adequada, por meio de equações que estimem a NEM, é uma forma de controle do escore de condição corporal (ECC) na pontuação ideal de acordo com a escala de Laflamme (1997), considerado essencial para o bem-estar e longevidade desses animais (KEALY et al., 2002). Em contrapartida, apesar de complexa e multicausal, o balanço energético positivo em função do desequilíbrio entre o aporte e gasto energético é o principal fator para o desenvolvimento da obesidade (GERMAN, 2006). A elevada prevalência de sobrepeso e obesidade, a qual atinge cerca de 40,5% a 55% da população canina (USUI et al., 2016; PORSANI et al., 2020), pode ter relação com a recomendação energética inadequada, a partir do uso pontual das equações preditivas, que são teóricas e devem levar em conta variações individuais entre os animais (NRC, 2006; FEDIAF, 2020).

Tendo em vista a importância da recomendação de ingestão energética adequada e os esforços de outros autores para a confirmação e atualização de equações preditivas (BERMINGHAM et al., 2014; THES et al., 2016; MADHUSUDHAN et al., 2018), novos estudos que busquem desenvolver equações cada vez mais precisas são de fundamental importância.

Objetivos

O objetivo deste estudo foi determinar o fator de cálculo da NEM de cães de acordo com o sexo (macho e fêmea) e status reprodutivo (castrado e não castrado), e compará-los com os fatores recomendados pela literatura.

Material e métodos

  • Coleta de dados

Foram avaliados de forma retrospectiva, os prontuários médicos de cães atendidos entre os anos de 2013 a 2017. Destes registros, foram obtidas informações referentes a idade, raça, peso corporal, ECC (LAFLAMME, 1997), status reprodutivo, dieta prescrita, ingestão alimentar diária e diagnóstico dos animais.

  • Animais

Foram selecionados cães com idade acima de um ano e cuja ingestão alimentar diária estivesse de acordo com a dieta, comercial ou caseira, prescrita durante o atendimento, por pelo menos 30 dias. Incluiu-se somente os prontuários de cães que durante o período de avaliação apresentaram variação de 5% ou menos em seu peso corporal.

Cães hiporéticos, anoréticos, que não apresentaram informação sobre status reprodutivo, com doenças concomitantes (aguda ou crônica), gestantes, lactantes ou submetidos à um programa de perda de peso foram excluídos da análise. Também foram desconsiderados os cães cujos tutores não retornaram após a primeira consulta, não pesaram a quantidade de alimento prescrita ou ofertaram alimentos e petiscos não prescritos.

  • Exame Clínico

O exame clínico foi composto por entrevista oral e anamnese completa com os tutores, a fim de se obter o histórico nutricional detalhado, seguido pelo exame físico, no qual todas as etapas foram realizadas por um profissional devidamente treinado e seguindo as diretrizes de Baldwin et al. (2010).

  • Determinação dos grupos experimentais

A distribuição dos animais em grupos foi realizada de acordo com sexo e status reprodutivo. Na primeira consulta, a NEM de cada cão foi calculada pela equação descrita no NRC (2006): NEM = 95 x Peso Corporal0,75. A quantidade em gramas foi determinada pela divisão da NEM do animal pela energia metabolizável (EM) do alimento consumido pelo cão. De modo a se obter a NEM exata de cada animal, a ingestão calórica diária foi reajustada com aumentos ou reduções de 5 a 10% em seus valores, para que os animais mantivessem o peso corporal. Dessa forma, para determinar a constante correspondente da equação da NEM de cada animal, a ingestão calórica diária foi estimada por meio da multiplicação da quantidade de alimento ingerido por dia pela EM desse alimento. Na sequência, os valores da NEM e do peso corporal foram substituídos na equação do NRC (2006), de forma com que a variável obtida fosse a constante individual de cada cão. A NEM e a constante resultante nos grupos foram comparadas com as equações para cães ativos, 130 x Peso Corporal0,75 (NRC, 2006) e 110 x Peso Corporal0,75 (FEDIAF, 2020), e inativos 95 x Peso Corporal0,75 (NRC, 2006; FEDIAF, 2020).

  • Análise estatística

Os dados dos grupos foram analisados pelo programa Statistical Analysis System, versão 9,3 (SAS Institute Inc., Cary, NC, EUA). Inicialmente, verificou-se a normalidade dos resíduos e homogeneidade das variâncias por meio dos testes de Shapiro Wilk e teste T-Student, respectivamente. Posteriormente a verificação das premissas estatísticas, foi realizado teste de ANOVA, e as médias foram comparadas pelo teste de Tukey. Foram considerados significativos valores de p<0,05.

Resultados e discussão

Quanto ao status reprodutivo, a partir dos resultados encontrados, cães submetidos à castração demonstraram menor NEM (μ fêmea = 82,24 kcal/dia; μ macho = 82,49 kcal/dia; p = 0,0071) quando comparados a animais não castrados (μ fêmea = 94,36 kcal/dia; μ macho = 98,7 kcal/dia). Em contrapartida, este estudo não encontrou diferença quanto ao sexo dos animais (Tabela 1).

Necessidade energética de manutenção dos grupos avaliados
Tabela 1 - Necessidade energética de manutenção dos grupos avaliados

As constantes resultantes do estudo, quando comparadas às das equações de NEM recomendadas para cães inativos ou castrados e cães ativos (NRC, 2006; FEDIAF, 2020), demonstram que tais cálculos resultam em recomendação muito superior à NEM desses animais (Figura 1).

Figura 1 - Comparação entre as constantes obtidas versus constantes recomendadas pelo NRC e FEDIAF

Ademais, aproximadamente 70% dos cães, machos e fêmeas (70,45%), castrados não atingiram o fator 95, referente ao recomendado para cães inativos ou castrados (Figura 2a e 2b). Portanto, demonstraram NEM abaixo da equação de estimativa mais baixa, o que pode estar relacionado ao elevado número de cães em sobrepeso ou obesos, tendo em vista que as recomendações apresentadas em rótulos de alimentos comerciais e por médicos veterinários em atendimentos nutricionais, baseiam-se em tal equação.

Figura 2 - Relação entre resultado da NEM em machos e fêmeas castradas e a NEM recomendada pela literatura

Em totalidade, 67,32% dos animais desse estudo são cães castrados (Figura 3). Desses, como constatado, 70% apresentaram NEM calculada abaixo da equação recomendada (NRC, 2006; FEDIAF, 2020). Estimada proporção entre ambas as porcentagens, encontrou-se frequência de 47,12% de cães castrados em ingestão energética excessiva. Esse resultado está próximo da prevalência de 40,5% em cães em sobrepeso e obesos, estimada na mesma cidade (São Paulo) em estudo publicado recentemente por Porsani et al. (2020).

Figura 3 - Proporção entre cães castrados e não castrados no estudo

Na soma, foi demonstrado que apenas 5,95% dos animais não castrados apresentaram NEM congruente com a equação de cães ativos, baseada na constante 130 e recomendada pelo NRC (2006) (Figura 4). Portanto, é evidente que tal equação está em desuso, e que apenas deve ser utilizada para cães atletas. Dessa forma, faz-se necessária uma melhor definição do termo “ativo”, o qual pode gerar interpretações errôneas durante a recomendação nutricional de cães ativos, porém não atletas. Apesar da European Pet Food Industry Federation (FEDIAF), em 2020, ter publicado versão atualizada de seu Nutritional Guidelines sobre cães e gatos, pelo qual a equação preditiva para cães ativos teve constante de cálculo reduzida para 110 x PC0,75 (FEDIAF, 2020), os resultados do presente estudo indicam que redução ainda maior pode ser benéfica para o aporte energético diário de cães ativos.

Proporção de cães cuja NEM se baseia no uso da constante 130
Figura 4 - Proporção de cães cuja NEM se baseia no uso da constante 130

Por fim, foi observada diferença numérica das necessidades energéticas de manutenção de machos versus fêmeas, cuja diferença estatística não pôde ser afirmada na presente análise, mas é possível que estudos que incluam número maior de animais e de fêmeas possam demonstrar efeito de sexo.

Conclusão

Concluiu-se que cães castrados apresentaram NEM muito inferior à recomendada pela literatura, com constante equiparada de 82 em machos e fêmeas. De forma semelhante, cães não castrados apresentaram valores médios inferiores aos recomendados pelo NRC e pela FEDIAF, dos quais número ínfimo atingiu constante referente a 130, recomendada para cães ativos pelo NRC (2006). Apesar de não constatada diferença estatística quanto ao sexo dos animais, novos estudos com maior número de animais fazem-se necessários para futuras discussões acerca desta hipótese.

Referências bibliográficas

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