Orientador(a): Leandro Zuccolotto Crivellenti
Instituição: FMVZ UNESP
Trabalho classificado na 7ª Edição (2021) do Prêmio de Pesquisa PremieRpet®.
Índice
Resumo
Consideradas condições comuns e de elevada morbidade e mortalidade em pequenos animais, a doença renal crônica e a lesão renal aguda, embora possam se assemelhar quanto à disfunção renal em curso, possuem particularidades específicas inerentes não somente à fisiopatologia, apresentação, diagnóstico e prognóstico, mas também quanto às esferas de tratamento, dentre as quais destaca-se o manejo nutricional. Enquanto modificações dietéticas aplicadas aos alimentos terapêuticos renais possam beneficiar uma ampla população de pacientes doentes renais crônicos, àquelas fornecidas ao paciente hospitalizado e criticamente enfermo, sobre lesão renal aguda, tende a necessitar de ajustes minuciosos e individuais durante a internação. Diante desse cenário desafiador, o entendimento de tais particularidades torna-se crucial para uma correta abordagem e resultados otimizados das intervenções dietéticas para cada nefropatia em questão.
Introdução
Com fundamentais papeis na manutenção da homeostase, os rins quando doentes, geram uma série de desequilíbrios sistêmicos que culminam com retenção inadequada de metabólitos e perda e/ou a não produção de substâncias importantes (BARTGES, 2012; POLZIN; CHURCHILL, 2016). Neste contexto, a nutrição modificada e ajustada, especificamente para esse cenário de disfunção (aguda ou crônica), desempenha um dos cernes do manejo de suporte aplicado ao paciente (ELLIOTT, 2006; LANGSTON; EATROFF, 2016; EVASON; REMILLARD, 2017)
No entanto, as necessidades e objetivos nutricionais que envolvem quadros de doença renal crônica (DRC) (envolvimento patológico renal a nível estrutural e/ou funcional de forma irreversível, persistente e progressivo) ou de lesão renal aguda (LRA) (dano contínuo ao rim que cursa com a perda abrupta da funcionalidade, podendo ser potencialmente reversível) se diferem consideravelmente, de modo que, o conhecimento destas particularidades implica potencialmente no desfecho do quadro alcançado com a alimentação (FRANCEY, 2015).
Dentre os objetivos do fornecimento de uma dieta específica na DRC cita-se a possibilidade de mitigar ou prevenir os sinais clínicos e danos da uremia, reduzir os desequilíbrios hídrico, eletrolítico e ácido-base, possibilitar a redução da velocidade de progressão da enfermidade e manter, por fim, a nutrição adequada (ELLIOTT, 2006; BARTGES, 2012; POLZIN; CHURCHILL, 2016). Em contrapartida, os objetivos da nutrição na LRA visam garantir que os problemas metabólicos e nutricionais, em sua maior abrangência, sejam manejados por meio de planejamento e ajustes individuais diários durante a internação (ELLIOTT, 2011; FRANCEY, 2015).
Desenvolvimento
Manejo nutricional na doença renal crônica
Com base nos objetivos anteriormente descritos, mudanças aplicadas aos constituintes da dieta destinam-se a promover o máximo benefício clínico ao paciente doente renal crônico (EVASON; REMILLARD, 2017). Proteína, energia, fósforo, sódio, potássio, antioxidantes, ômegas e vitaminas são os constituintes de destaque a serem mencionados (POLZIN, 2013).
A redução da oferta proteica nas dietas destinadas ao paciente doente renal crônico, embora seja controversa entre autores (LARSEN, 2016; POLZIN; CHURCHILL, 2016; SCHERK; LAFLAMME, 2016), representa uma das principais mudanças alimentares em estádios avançados. Sua implementação é justificada pelo fato desta representar meio exógeno importante para o incremento dos compostos nitrogenados séricos, agravando o quadro de uremia ou azotemia dos pacientes (POLZIN; CHURCHILL, 2016). Além disso, a proteína da dieta é também fonte significativa de fósforo (ELLIOTT, 2011), e este por sua vez, assume considerável papel na progressão da DRC (ELLIOTT, 2006). Deste modo, o fornecimento de menor quantidade de proteínas, sendo estas de alto valor biológico e biodisponíveis impacta de forma importante na melhoria dos sinais clínicos (POLZIN; CHURCHILL, 2016). No entanto, da mesma forma que a azotemia está intimamente ligada à morbidade do quadro, a desnutrição também exerce esse mesmo efeito, o que faz com que os ajustes da proteína seja um equilíbrio constante entre minimizar os efeitos urêmicos e garantir nutrição proteica satisfatória (ELLIOTT, 2006).
O reconhecimento da necessidade energética de pacientes doentes renais crônicos ainda permanece uma incógnita, porém sugere-se, que naqueles pacientes estáveis, ésta se assemelhe à de animais saudáveis (ELLIOTT, 2006). Cabe ressaltar que sendo o cálculo da necessidade energética dependente do peso e avaliações de escore de condição corporal (ECC) e índice de massa muscular (IMM), a sua determinação deve ser individual e mutável a depender das avaliações periódicas (BARTGES, 2012). Como há a redução de proteínas nas dietas ofertadas, a energia deste alimento é primordialmente advinda de gordura e carboidrato, conferindo ao mesmo maior poder energético por volume (ELLIOTT, 2006; BARTGES, 2012).
A retenção de fósforo, muito embora não origine imediatamente hiperfosfatemia (POLZIN; CHURCHILL, 2016), está presente desde estádios iniciais da DRC (ELLIOTT, 2006), e silenciosamente origina uma série de modificações adaptativas (aumento da concentração do fator de crescimento de fibroblasto-23 (FGF-23), do paratormônio, e redução do calcitriol) (POLZIN; CHURCHILL, 2016) que, com o tempo, desdobram-se finalmente em hiperfosfatemia importante, hiperparatiroidismo secundário renal, distúrbio mineral e ósseo, deficiência de 1,25-dihidroxivitamina D e calcificação de tecidos moles (ELLIOTT, 2006). Deste modo, o excesso de fósforo sérico corresponde a um dos principais fatores que impactam à progressão rápida da DRC e a menor sobrevida dos pacientes (POLZIN; CHURCHILL, 2016; SCHERK; LAFLAMME, 2016). Em vista disso, as dietas envolvem a restrição importante deste elemento (POLZIN; CHURCHILL, 2016).
As concentrações de sódio na alimentação de cães e gatos doentes renais crônicos ainda não foi estabelecida precisamente, isso porque, embora seja amplamente conhecido que rins doentes cursam com excreção de sódio prejudicada e por consequência hipertensão sistêmica (fator este apontado como importante para progressão da DRC) (ELLIOTT, 2006), estudos não demonstraram o potencial benéfico da redução ou prejudicial da mantença de valores mais altos do eletrólito, pelo contrário, tais estudos sugerem que a restrição importante de sódio pode ativar mecanismos neuro-humorais compensatórios capazes de incitar a progressão da DRC (BURANAKARL et al., 2004). Sendo assim, a recomendação atual considera dietas com concentrações de sódio normais a moderadamente reduzidas (ELLIOTT, 2006).
A perda de potássio pela a urina é uma condição possível de induzir hipocalemia em nefropatas crônicos, especialmente em felinos. Mas os animais podem também apresentar-se normo ou hipercalêmicos a depender dos aspectos individuais da doença. Dessa forma, é preferível que a dieta mantenha o aporte de potássio regular, e o ajuste das concentrações séricas seja realizado farmacologicamente após monitoramento particular deste eletrólito (ELLIOTT, 2006).
Sendo uma doença potencialmente inflamatória (POLZIN; CHURCHILL, 2016), a DRC pode ter suas complicações minimizadas se controle adicional a este estado for implementado através da suplementação dietética. Antioxidantes, ômegas e vitaminas cumprem bem esse papel, principalmente mitigando o estresse oxidativo, e são incrementados no suporte nutricional desses pacientes (ELLIOTT, 2006; POLZIN, 2013; POLZIN; CHURCHILL, 2016)
Manejo nutricional na lesão renal aguda
Diferentemente da DRC, não há uma dieta específica que abranja adequadamente todos os quadros passíveis de LRA, sendo assim, as modificações dietéticas nessa condição vão muito além de modificações nutricionais, envolvem um raciocínio individual das necessidades e das possibilidades de abordagem para cada caso (LANGSTON; EATROFF, 2016). Na LRA não há apenas a disfunção renal em curso, existe, geralmente, doença crítica/sistêmica também em evolução (SEGEV, 2018), de modo que, as necessidades energéticas, proteicas e eletrolíticas assumem fundamental importância neste cenário.
A possibilidade de um estado hipercatabólico advindo da condição mórbida grave, especialmente em LRA de origem intra-renal (LANGSTON, 2008), sustenta o aporte imediato de calorias que atinjam a necessidade energética de repouso (NER) dos pacientes. Embora pareça adequado fornecer maior oferta energética nestas condições, pouca vantagem provém dessa conduta, uma vez que, o excesso de calorias e consequentemente alto metabolismo energético pode propiciar a ocorrência de hipercapnia, a qual intensifica as disfunções respiratórias que estiverem em curso (ELLIOTT, 2011). Sendo o paciente em LRA propensos à quadros de sobrecarga de volume, convém o uso de dietas hipercalóricas e de fácil passagem por tubos, capazes de fornecer o aporte energético adequado sem requerer altos volumes de administração (LANGSTON; EATROFF, 2016).
Embora a literatura veterinária traga informações controversas quanto à oferta de proteínas ao paciente em LRA (LUNN, 2011; FRANCEY, 2015; LANGSTON; EATROFF, 2016), é prudente considerar que o hipercatobolismo que possivelmente esses animais enfrentam, pode requerer maior aporte proteico do que necessidades mínimas para animais saudáveis (ELLIOTT, 2011; LANGSTON; EATROFF, 2016). Além disso, a desnutrição proteica pode interferir na recuperação/reparo renal, e esta correlacionada à altas taxas de mortalidade. Essa condição é ainda intensificada para os pacientes que são submetidos à terapias dialíticas durante a hospitalização (ELLIOTT, 2011). Ademais, sabe-se que na medicina não há apoio à restrição de proteínas nestes quadros (FOUQUE et al., 2007). Fatos esses, sustentam a possibilidade de que dietas para a DRC não são apropriadas aos quadros de LRA (LANGSTON; EATROFF, 2016).
Perdas gastrointestinais que muitos pacientes em LRA apresentam, associada à própria perda renal, faz com que as concentrações séricas de sódio sejam prejudicadas, essa informação é particularmente importante para os pacientes que recebem manejo alimentar por tubo e precisam de diluição do alimento para isso, uma vez que, altos volumes de líquido hipotônico, para tal finalidade, podem exacerbar a hiponatremia, devendo ser cautelosamente empregado (LANGSTON; EATROFF, 2016).
A necessidade proteica, anteriormente descrita, influenciará os níveis de fósforo da dieta, no entanto, mesmo sendo a hiperfosfatemia uma condição comum da disfunção renal e de importante controle, se a restrição do fósforo da dieta for à custa de níveis insatisfatórios de proteína, a tentativa de manejo inicial à essa condição deve ser medicamentosa e não relacionada a restrição proteica. A restrição dietética do fósforo deve ser implementada no manejo a longo prazo (LANGSTON, 2008).
Da mesma forma, como há alta complexidade em se formular dietas hospitalares e até mesmo escolher dietas comerciais totalmente adequadas que garantam, inclusive, vitaminas e ácidos graxos essenciais, pratica-se o uso de dietas comerciais de recuperação na LRA, no entanto, tais alimentos são ricos não só em proteínas e calorias, mas também em potássio, sendo este último crítico em pacientes hipercalêmicos, que devem, consequentemente, receber manejo farmacológico para a correção deste (LANGSTON; EATROFF, 2016).
Considerações importantes
Doença renal crônica
“Dietas renais” não são simplesmente sinônimo de ofertar menor quantidade de proteína, como visto, há muitas outras particularidades capazes de beneficiar estes pacientes. Sendo assim, substituir essa dieta específica por outras que apresentam redução proteica, seja comercial ou “caseira” não garante o fornecimento adequado de todos os componentes alvo das mudanças (POLZIN, 2013).
Ademais, a característica de progressividade da DRC pode levar os animais a experienciarem quadros de disorexia persistente, de modo que, a implantação de tubo de alimentação deve fazer parte das abordagens que visam atingir os objetivos nutricionais, muitas vezes, a longo prazo (ROSS, 2016). Tubos esofágicos ou gástricos são facilmente implantados e fornecem a possibilidade do manejo nutricional e medicamentoso adequado, melhorando muito a relação paciente-tutor na sobrevida dos animais (POLZIN, 2013; QUIMBY, 2016; ROSS, 2016).
Lesão renal aguda
Nem todos os pacientes em LRA cursarão com hipercatabolismo, principalmente aqueles cuja LRA envolver origem pré ou pós-renal de fácil e rápida correção. Nestes animais, a consideração de uma dieta específica pode não ser necessária, ressaltando a importância da avaliação individual para cada caso, principalmente quanto ao envolvimento sistêmico concomitante (LANGSTON; EATROFF, 2016).
Por outro lado, nos animais em LRA hospitalizados, o suporte nutricional, é fundamental, seja por via enteral ou parenteral. Entretanto, nos quadros de anúria/oligúria, a via parenteral é contraindicada, uma vez que, havendo a propensão a sobrecarga de volume, esta abordagem somente poderá ser fornecida se terapias dialíticas estiverem à disposição (LANGSTON; EATROFF, 2016; LARSEN, 2016).
Doença renal crônica agudizada
Pacientes em LRA com DRC previamente instalada precisam ser manejados nutricionalmente de acordo com o momento em que se encontram. Pacientes internados e altamente instáveis recebem nutrição compatível com a de um animal em LRA isolada. Já aqueles que sobrevivem à LRA e adquirem estabilidade clínica- laboratorial passam pela transição alimentar para a dieta à um doente renal crônico (LANGSTON; EATROFF, 2016).
A alimentação terapêutica para a DRC jamais deve ser introduzida forçadamente em pacientes internados, ou cursando com vômito ou náuseas, pois essa conduta muito provavelmente fará com que o paciente tenha aversão ao alimento, sendo este o mesmo alimento fundamental a longo prazo quando o animal estiver estável em domicílio (POLZIN, 2013).
Considerações finais
As modificações dietéticas são realizadas sempre considerando as necessidades nutricionais dos animais de acordo com a condição de doença que enfrentam, e compreender cada condição de forma individualizada, assim como as alterações metabólicas em curso e os potencias benefícios do alimento são cruciais para garantir intervenções adequadas, de forma correta e nos momentos oportunos.
Referências bibliográficas
BARTGES, J. W. Chronic Kidney Disease in Dogs and Cats. Veterinary Clinics of North America – Small Animal Practice, v. 42, n. 4, p. 669–692, 2012.
BURANAKARL, C.; MATHUR, S.; BROWN, S. A. Effects of dietary sodium chloride intake on renal function and blood pressure in cats with normal and reduced renal function. American Journal of Veterinary Research, v. 65, n. 5, p. 620–627, 2004. ELLIOTT, D. A. Nutritional Management of Chronic Renal Disease in Dogs and Cats. Veterinary Clinics of North America – Small Animal Practice, v. 36, n. 6,
- 1377–1384, 2006.
ELLIOTT, D. A. Nutritional Considerations for the Dialytic Patient. Veterinary Clinics of North America – Small Animal Practice, v. 41, n. 1, p. 239–250, 2011. EVASON, M.; REMILLARD, R. Chronic Kidney Disease Staging & Nutrition Considerations. Disponível em:
<https://files.brief.vet/migration/article/36156/ask_chronic-kidney-disease-staging– nutrition-considerations-36156-article.pdf>. Acesso em: 03/03/2021.
FOUQUE, D.; VENNEGOOR, M.; WEE, P. TER; et al. EBPG guideline on nutrition.
Nephrology Dialysis Transplantation, v. 22, n. SUPPL.2, 2007.
FRANCEY, T. Nutritional Management of Renal Diseases (AKI, CKD, GN). Disponível em:
<https://www.vin.com/apputil/content/defaultadv1.aspx?pId=14365&catId=73690&i d=7259338>. Acesso em: 3/3/2021.
LANGSTON, C. Managing Fluid and Electrolyte Disorders in Renal Failure. Veterinary Clinics of North America – Small Animal Practice, v. 38, n. 3, p. 677– 697, 2008.
LANGSTON, C.; EATROFF, A. Acute Kidney Injury. August’s Consultations in Feline Internal Medicine. Volume 7 ed., p.483–498, 2016.
LARSEN, J. A. Controversies in Veterinary Nephrology: Differing Viewpoints: Role of Dietary Protein in the Management of Feline Chronic Kidney Disease. Veterinary Clinics of North America – Small Animal Practice, v. 46, n. 6, p. 1095–1098, 2016.
LUNN, K. F. The Kidney in Critically Ill Small Animals. Veterinary Clinics of North America – Small Animal Practice, v. 41, n. 4, p. 727–744, 2011.
POLZIN, D. J. Evidence-based step-wise approach to managing chronic kidney disease in dogs and cats. Journal of Veterinary Emergency and Critical Care, v.
23, n. 2, p. 205–215, 2013.
POLZIN, D. J.; CHURCHILL, J. A. Controversies in Veterinary Nephrology: Renal Diets Are Indicated for Cats with International Renal Interest Society Chronic Kidney Disease Stages 2 to 4: The Pro View. Veterinary Clinics of North America – Small Animal Practice, v. 46, n. 6, p. 1049–1065, 2016.
QUIMBY, J. M. Update on Medical Management of Clinical Manifestations of Chronic Kidney Disease. Veterinary Clinics of North America – Small Animal Practice, v. 46, n. 6, p. 1163–1181, 2016.
ROSS, S. Utilization of Feeding Tubes in the Management of Feline Chronic Kidney Disease. Veterinary Clinics of North America – Small Animal Practice, v. 46, n. 6, p. 1099–1114, 2016.
SCHERK, M. A.; LAFLAMME, D. P. Controversies in Veterinary Nephrology: Renal Diets Are Indicated for Cats with International Renal Interest Society Chronic Kidney Disease Stages 2 to 4: The Con View. Veterinary Clinics of North America – Small Animal Practice, v. 46, n. 6, p. 1067–1094, 2016.
SEGEV, G. Differentiation between Acute Kidney Injury and Chronic Kidney Disease (2018). Disponível em: <http://www.iris- kidney.com/education/differentiation_acute_kidney_injury_chronic_kidney_disease
.html>. Acesso em: 5/3/2021.