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Hiperparatireoidismo secundário nutricional devido dieta caseira desbalanceada, relato de caso

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Autor(a): Bianca Petermann Moretti

Orientador(a): Thiago Henrique Annibale Vendramini

Instituição: Universidade de São Paulo

Trabalho Classificado na 10ª Edição (2024) do Prêmio de Pesquisa PremieRpet®.

[Arquivo PDF][Acervo completo]

Índice

Resumo

As consequências de uma alimentação desbalanceada podem incluir deficiências nutricionais variadas, como deficiência de proteína, gordura, aminoácidos, vitaminas e minerais, doenças metabólicas e até mesmo a morte do animal. Neste trabalho está descrito um relato de caso no qual o paciente apresentou desordens clínicas devido a uma alimentação desbalanceada, culminando no desenvolvimento de hiperparatireoidismo secundário nutricional. A estratégia nutricional de tratamento incluiu a correção da dieta e a introdução de alimentos completos adequados às necessidades nutricionais particulares. No caso as alterações clínicas apresentadas pelo paciente foram relacionadas principalmente à deficiência de minerais, sendo eles o cálcio e o fosforo, porém devido ao desconhecimento do tutor sobre as porções ofertadas ao paciente, não foi possível determinar o real status de deficiência que a dieta proveu. O paciente foi acompanhado pelo período de 90 dias após o diagnóstico, com recuperação favorável e melhora significativa dos sinais clínicos.

Introdução

A dieta caseira, mais conhecida popularmente como alimentação natural, vem ganhando grande número de adeptos devido ao apelo natural. O ganho de popularidade nas redes sociais e o grande número de informações aportadas na internet fomentam o uso de tal modalidade nutricional (Campos & Ribas, 2021).

O uso de desta sem a devida orientação pode causar riscos à saúde dos animais, e receitas provenientes de dados on-line podem não oferecer segurança. Em estudo desenvolvido avaliando 100 receitas de dietas disponíveis para cães e gatos foi possível concluir que nenhuma delas continha a quantidade mínima de todos os nutrientes essenciais avaliados (Pedrinelli et al., 2019).

Dentre os diversos distúrbios que a nutrição inadequada pode gerar, os distúrbios ocasionados devido a deficiência de minerais como cálcio e fósforo podem ocorrer em cães e gatos, adultos ou filhotes. O hiperparatireoidismo secundário nutricional pode ocorrer devido a deficiência de cálcio e/ou inversão da relação cálcio e fósforo da dieta (Batista, 2021).

O hiperparatireoidismo secundário nutricional ocorre quando há ingestão insuficiente de cálcio na dieta ou inversão na relação cálcio:fósforo. Isso leva ao estímulo da produção de paratormônio e à maior conversão de 1,25-(OH)2-D3 nos rins, com o objetivo de aumentar a efetividade da absorção de cálcio no intestino e reduzir a excreção renal. No entanto, se não houver correção no consumo, o mecanismo produtor de paratormônio permanece ativo e, devido à deficiência na ingestão, ocorre reabsorção óssea. Isso pode levar a fraturas patológicas e osteopenia em ossos, como os da face, e a sinais clínicos, como a mandíbula com características de borracha (Back, 1971).

Este relato de caso teve por objetivo descrever um caso de hiperparatireoidismo secundário nutricional devido dieta caseira desbalanceada.

Relato de caso

ANIMAL

O caso relatado refere-se a uma cadela, fêmea, raça Shih tzu, 4 anos, castrada, histórico anterior de síncope por hepatopatia e retirada de urolitíase vesical sem análise posterior de composição do urólito há aproximadamente 1 ano. Segundo anamnese realizada, a queixa principal era de que há 4 meses o animal apresentava dificuldade de fechar a boca completamente, seguido de prostração e cansaço fácil, posterior hiporexia, e ruído respiratório. A alimentação da paciente era dieta caseira cozida baseada em arroz integral, lentilha, batata doce, inhame, cenoura, chuchu, aveia, peito de frango cozido ou peixe, linhaça, cúrcuma, salsa e orégano, sem quantidades determinadas, com início da alimentação caseira há 2,5 anos devido a orientação de colega pois, de acordo com tutora, cão macho contactante apresentou neoplasia cutânea. O alimento era ofertado duas vezes ao dia, por tempo controlado e quantidade inespecífica. Além do alimento principal, também eram ofertados banana, maçã, manga, melão e caqui como petiscos. A tutora negou uso de medicamentos anteriores para tratamento da queixa principal. Relatou fezes firmes, cilíndricas, e consistentes 4 (1-5) (Cavett et al., 2021), urina de coloração amarelo ouro sem alteração de odor, perda de 1 kg de peso corporal no último mês, e referiu diminuição da ingestão hídrica habitual.

Foram observados durante o exame físico ECC de 6/9, EMM de 2 (0-3), (Freeman et al., 2011) pelagem de aspecto opaco e discretamente áspera, secreção mucopurulenta em orelha esquerda, hiperemia de esclera ocular esquerda, hiperemia ao redor de trufa nasal, disqueratose em condutos auditivos e trufa nasal, sibilo respiratório em tórax esquerdo, perda de elasticidade cutânea, dificuldade em realizar apreensão oral, com leve salivação, e flexibilidade de mandíbula.

TRATAMENTO NOSOCOMIAL E EXAMES

Foram realizados hemograma, leucograma, contagem de plaquetas, mensuração de albumina, proteína total, uréia, creatinina, cálcio total e iônico, e fósforo e não houve alterações nos exames hematológicos realizados.

Devido alteração de função da boca, mobilidade aumentada e possível pneumonia aspirativa, foi solicitada radiografia de crânio e tórax, onde foi possível visualizar acentuado consumo ósseo difuso dos ossos do crânio com ausência de mandíbulas e maxilas e pouca densidade em calota craniana. A maioria dos dentes estavam preservados com a radiopacidade óssea mantida e sem a inserção óssea, e foi observada opacificação de bulas timpânicas, aumento de volume de partes moles difuso em regiões de maxilas e mandíbulas, discreto aumento globoso da silhueta cardíaca, discreta opacidade de paredes de brônquios na região hilar, vascularização pulmonar discretamente mais adelgaçada, suave osteopenia das costelas, e área de nodulação de tecidos moles junto ao arco da 5ª costela direita (mede cerca de 2,6cm) e em 4ª costela esquerda (mede cerca de 1,4cm)

Em exame ultrassonográfico realizado quatro meses antes do atendimento, o paciente apresentou as seguintes alterações: hepatomegalia, e estrutura hiperecogênica formadora de tênue sombreamento acústico posterior e irregular (cristais?) em vesícula urinária.

Devido a alterações encontradas em exames complementares o paciente possuía como suspeita diagnóstica pneumonia aspirativa, luxação temporomandibular, hiperparatireoidismo secundário renal ou nutricional, ou hiperparatireoidismo primário.

ALIMENTAÇÃO

Para tratamento das alterações foi instituído uso de antibiótico amoxicilina com clavulanato (20mg/kg por 10 dias), e prescrito alimento comercial completo balanceado para cães adultos em manutenção úmido e seco, 50% da ingestão calórica em alimento seco (Tabela 1) com ingestão calórica determinada através da equação 95 kcal x peso corporal0,75 (FEDIAF et al., 2021).

Tabela mostrando Níveis de nutrientes em 100 g de matéria natural, alimento comercial seco e úmido para cães adultos
Tabela 1- Níveis de nutrientes em 100 g de matéria natural, alimento comercial seco e úmido para cães adultos

O paciente foi acompanhado pelo período de 3 meses até melhora clínica relacionado à inabilidade de apreensão e funcionalidade articular da boca. Em exame radiográfico realizado em crânio após 3 meses de início do tratamento, foi possível visualizar recuperação da radiopacidade geral do crânio, com retorno das corticais definidas em mandíbulas e maxilas e inserções dentárias evidentes, apenas cortical heterogênea da calota craniana em recuperação favorável; opacificação difusa de bula timpânica direita.

Discussão

No caso, a possibilidade de haver hiperparatireoidismo secundário renal e/ou hiperparatireodismo secundário nutricional ou neoplasia de paratireoide também foram considerados inicialmente, já que a paciente contava com mais dois cães contactantes com o mesmo manejo dietético e nenhum deles apresentou sinais clínicos relacionados.

Porém, durante as avaliações hematológicas e ultrassom abdominal anterior, não foi evidenciada suspeita de doença renal crônica devido ao nível adequado de uréia e creatinina, além de ausência de alteração morfológica do rim, não se enquadrando nos estadiamentos da DRC conforme sugerido pela IRIS (International renal interest society, 2013).

O hiperparatireodismo primário não foi fortemente considerado pois, em resposta à secreção elevado de paratormônio, ocorre hipercalcemia (Caragelasco et al., 2013). Uma limitação da confirmação do diagnóstico no caso foi a impossibilidade de mensuração do PTH e vitamina D séricos. O diagnóstico final se deu através da resposta clínica do paciente ao tratamento indicado, considerando que no caso de neoplasia em adrenal, independente do aporte adequado dos minerais, o estímulo da glândula permaneceria devido alterações fisiológicas causadas pela neoplasia, mantendo a secreção de PTH e a mobilização de cálcio dos ossos e, assim, o tratamento através da dieta não surtiria resultado, e a retirada da glândula seria necessária.

As principais causas das osteodistrofias parecem estar relacionadas a deficiências ou desequilíbrios nos níveis de cálcio, fósforo e vitamina D. Detectar a deficiência primária é desafiador devido à inter-relação entre a absorção, ativação e utilização de cálcio, fósforo e vitamina D, todos influenciados pelo PTH. A absorção de cálcio pelo trato gastrointestinal, por exemplo, depende da presença da forma ativa de vitamina D, cuja ativação, por sua vez, é estimulada pelo PTH.

Em resumo, quando a concentração de cálcio no sangue diminui, os receptores nas células principais da glândula paratireoide detectam essa redução e liberam PTH. O PTH estimula a atividade osteoclástica nos ossos e a conversão da 25(OH)D3 (calcidiol) na forma mais ativa, 1,25 di-hidroxivitamina D3 (calcitriol), nos túbulos renais proximais, processo catalisado pela 1-α hidroxilase. O calcitriol ativo ativa proteínas de ligação ao cálcio (calbindinas) e facilita a absorção de cálcio e fósforo nos locais duodenal e colonocitos. Conforme os níveis circulantes de vitamina D ativa e, consequentemente, os níveis de cálcio no sangue aumentam, ocorre uma inibição do PTH por meio de um mecanismo de feedback que indiretamente limita a absorção de cálcio na dieta (Back, 1971; Engelking, 2010; Hazewinkel & Tryfonidou, 2002).

Tão importante quanto os exames laboratoriais para o diagnóstico das deficiências nutricionais, o inquérito nutricional durante o atendimento se faz peça- chave para diagnostico de práticas de modalidades alimentares que podem colocar em risco o paciente. Ofertar para o tutor informações claras sobre o melhor manejo dietético e seguro para o paciente é necessário desde o primeiro contato com o médico veterinário. Em contrapartida, temos o cenário da medicina veterinária no Brasil no qual contemplamos número enorme de cursos, muitos dos quais não possuem base de nutrição para as espécies, gerando um déficit muito grande nesse quesito para a maior parte de profissionais da área, além disso as redes sociais e ferramentas on-line, são grandes responsáveis por disseminar informações equivocadas sobre saúde e cuidados com nossos pets.

O tratamento precoce das deficiências nutricionais, quando identificadas condutas equivocadas quanto a alimentação, é importante para a prevenção de prejuízos maiores a saúde e bem-estar do paciente. Embora a humanização dos cães seja algo recorrente em nossa sociedade, é importante ressaltar que suas necessidades nutricionais e fisiológicas são distintas entre as espécies e devem ser tratadas como tal.

Conclusão

Foi possível concluir através do relato de caso acima descrito que a dieta caseira desbalanceada pode oferecer riscos à saúde dos pacientes, e que o tratamento precoce e adequação dietética baseado nas exigências nutricionais individuais é fundamental para recuperação.

Referências bibliográficas

Back, E. H. (1971). Minerals and vitamins. West Indian Medical Journal, 20(3), 196–

  1. https://doi.org/10.1039/9781847550910-00082

Batista, R. (2021). Hiperparatireoidismo secundário nutricional em cão – relato de caso. 1–2.

Campos, B. B. V. de, & Ribas, J. C. R. (2021). Vantagens e desvantagens dos principais tipos de dietas para cães. Research, Society and Development, 10(10), e91101018368. https://doi.org/10.33448/rsd-v10i10.18368

Caragelasco, D. S., Martorelli, C. R., Waki, M., Kanayama, K. K., Silva, B. M. P. C., Kanayama, L. M., Unruh, S. M., & Kogika, M. M. (2013). Hiperparatireoidismo primário em cão: relato de caso. Revista Da Anclivepa-SP, 1(2), 7–12.

Cavett, C. L., Tonero, M., Marks, S. L., Winston, J. A., Gilor, C., & Rudinsky, A. J. (2021). Consistency of faecal scoring using two canine faecal scoring systems. Journal of Small Animal Practice, 62(3), 167–173. https://doi.org/10.1111/jsap.13283

Engelking, L. R. (2010). Fisiologia endócrina e metabólica em medicina veterinária.

FEDIAF – The European Pet Food Industry Federation. Nutritional guidelines for complete and complementary pet food for cats and dogs. The European Pet Food Industry Federation, Bruxelas, 2021.

Freeman, L., Becvarova, I., Cave, N., Zealand, N., Mackay, C., Nguyen, P., Rama, B., Takashima, G., Tiffin, R., Tsjimoto, H., & Van Beukelen, P. (2011). WSAVA Nutrition Assessment Guidelines 2011. Journal of Small Animal Practice,

 

00(June), 1–12.

Hazewinkel, H. A. W., & Tryfonidou, M. A. (2002). Vitamin D 3 metabolism in dogs.

197, 23–33.

International renal interest society. (2013). IRIS Staging of CKD ( modified 2013 ).

Novartis Animal Health, modified, 1–8.

Pedrinelli, V., Zafalon, R. V. A., Rodrigues, R. B. A., Perini, M. P., Conti, R. M. C., Vendramini, T. H. A., de Carvalho Balieiro, J. C., & Brunetto, M. A. (2019). Concentrations of macronutrients, minerals and heavy metals in home- prepared diets for adult dogs and cats. Scientific Reports, 9(1), 1–12. https://doi.org/10.1038/s41598-019-49087-z.

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