Orientador(a): Mariana Yukari Hayasak Porsani
Instituição: Autônoma
Trabalho Aprovado na 8ª Edição (2022) do Prêmio de Pesquisa PremieRpet®.
Índice
Resumo
A pandemia da doença COVID 19 (sigla, em inglês, para coronavírus disease 2019) e as medidas implementadas para seu controle acarretaram mudanças de rotina e impactaram nas relações sociais, econômicas e na saúde física e mental das pessoas. No município de São Paulo, 60% dos adultos passaram a exercer suas funções remotamente, de casa. Muitos tutores transferem hábitos alimentares para seus cães. Assim, o escopo deste estudo foi avaliar se houve modificação no manejo alimentar de cães domiciliados no município de São Paulo durante a pandemia de COVID-19. Para esse fim, disponibilizou-se um questionário on line composto por 20 perguntas. 1188 tutores participaram do estudo. Destes,19% (n=226/1188) observaram ganho de peso em seus animais durante o isolamento social, 36% (n= 427/1188) relataram oferecer o que come aos cães, 35% (n=415/1188) reduziram a prática de atividade física e apenas 5% (n=59/1188) diminuíram a quantidade de alimento diário fornecido. Houve um aumento na quantidade de tutores que forneciam petiscos várias vezes ao dia. A percepção dos participantes é que seu cotidiano ficou menos saudável, assim como o de seus cães. Houve associação entre as notas que os tutores atribuíram a sua saúde e a dos seus cães, tanto antes quanto durante a pandemia (p<0,001). Concluiu-se que houve modificação na rotina e no manejo alimentar de muitos cães durante a pandemia e isso pode ter levado a prejuízos na saúde animal. O estilo de vida dos animais de companhia tem relação com o ambiente e dinâmica familiar e sofre influências do contexto histórico vigente.
Palavras-chave: Alimentação. Caninos. Isolamento social.
Introdução
A pandemia da doença COVID 19 (sigla, em inglês, para coronavírus disease 2019) e as medidas implementadas para seu controle acarretaram mudanças de rotina e impactaram nas relações sociais, econômicas e na saúde física e mental das pessoas (SMITH, FREEDMAN, 2020; NICOLA et al., 2020; BARROS, 2020; FIOCRUZ, 2021). No município de São Paulo, 60% dos adultos passaram a exercer suas funções remotamente, de casa (COGNATIS, 2021). Muitos tutores transferem hábitos alimentares para seus cães (ZORAN, 2010).
Assim, o escopo deste estudo foi avaliar se houve modificação no manejo alimentar de cães domiciliados no município de São Paulo durante a pandemia de COVID-19.
Material e Métodos
Os participantes do estudo eram tutores de cães do município de São Paulo que responderam a um questionário anônimo on line, disponível na plataforma google forms, de 01 de novembro a 31 de dezembro de 2020. O questionário foi composto por 20 questões relacionadas aos hábitos antes e durante a pandemia, impacto econômico da quarentena e manejo alimentar dos cães.
Foram realizadas análises descritivas com frequência simples (n) e relativa (%) das variáveis. As diferenças entre antes e durante a pandemia foram verificadas com o teste de qui-quadrado. Os testes foram considerados significativos quando p<0,05 e as análises foram realizadas no ambiente R (R CORE TEAM, 2019). Verificou-se, também, associações entre variáveis do perfil com o teste de qui-quadrado.
Resultados
Participaram do estudo 1188 tutores de cães domiciliados do município de São Paulo. As respostas estão apresentadas nas tabelas 1 a 6:
Através da proposição de uma escala, de 5 pontos, em que o participante avaliava o quão saudáveis eram seus hábitos em dois momentos, antes e durante a pandemia, notou-se que houve aumento de 148% (p<0,001) nos que os categorizavam como nada saudável e aumento de 137% (p<0,001) nos que passaram a perceber a rotina dos cães do mesmo modo, após o advento da pandemia. Houve associação entre as notas que os tutores atribuíram a sua saúde e a dos seus cães, tanto antes quanto durante a pandemia (p<0,001) (tabelas 5 e 6).
Discussão
Ao participar da pesquisa, os munícipes de São Paulo já estavam imersos em uma nova realidade por 9 meses, já tendo passado tanto por fases mais restritivas quanto mais flexíveis da quarentena (SÃOPAULO, 2020). A cidade apresentou, de março a dezembro, índices de adesão ao distanciamento social que oscilaram entre 43% e 75% com 60% dos indivíduos trabalhando de seu domicílio (SÃOPAULO, 2020; COGNATIS, 2020), mesma porcentagem de participantes do estudo que afirmava ter passado a estudar ou trabalhar de casa.
A maioria da população estudada foi impactada economicamente pela pandemia, com cortes de custos e/ou reorganização dos gastos. Apesar de, em cães saudáveis, a alimentação contribuir com a maior parcela do custo mensal com o animal (ABINPET, 2016) apenas 8% (n=95/1188) relataram ter mudado a marca do alimento comercial ou os ingredientes da comida caseira buscando economia. Tal observação está de acordo com uma pesquisa realizada no município, em abril de 2020 (ou seja, ainda início da pandemia) que observou que, para a maioria dos entrevistados (77%), não houve alteração no consumo de produtos destinados aos animais. Inclusive, 22% dos respondentes referiram ter ocorrido aumento no consumo desses produtos, dentre os quais, 82% se referiam à alimentação (COMAC, 2021).
Por conta do ganho de peso de animais, alguns tutores foram motivados a trocar de marca de alimentos e/ou de ingredientes. No presente estudo, a maioria (75%) afirmou que seus cães estavam condição corporal ideal. Segundo a literatura, nas últimas décadas, a população canina com sobrepeso ou obesa corresponde de 30% a 50% do total (ALONSO et al., 2017; GERMAN, 2006; PORSANI, 2020), sendo que, no município de São Paulo, estimou-se que 40,5% dos cães estão nessa categoria (PORSANI et al.,2020). Porém, tutores tendem a subestimar a condição corporal de seu cão (APTEKMANN. et al., 2014; PORSANI et al., 2020). Logo, existe a hipótese que o número de animais acima do peso possa ser maior do que o informado.
Muito mais cães ganharam peso na quarentena do que perderam. Isso pode ser justificado pela diminuição na quantidade de exercício físico e pela oferta de petisco ter aumentado de maneira relevante. Houve um aumento significativo do número de cães que recebiam petiscos várias vezes ao dia durante a pandemia. Os tutores que afirmavam essa prática antes da pandemia perfaziam 4,8% do total (n=58/1188). Essa categoria passou para 6,5% (n=78/1188) após o início do período de restrições para mitigar a evolução da pandemia. Mais de um terço dos tutores afirmaram oferecer o que come ao animal e, ao se realizar mais refeições em casa, há mais oferta de alimento, assim como ocorreu em outros países (PRNEWSWIRE, 2020; ANIMALSHEALTH, 2020).
O manejo alimentar está associado à condição corporal do animal, seja em relação à frequência de alimentação, escolha do alimento ou modo de quantificá-lo (BROOKS et al., 2014). Estudos epidemiológicos referem que o manejo ideal para controle de peso consiste em alimentar os cães várias vezes ao dia, com pequenas quantidades, com intuito de aumentar a termogênese (COLLIARD et al. 2006; COURCIER, et al; 2010). No entanto, segundo Porsani et al., (2020), a obesidade foi relacionada ao consumo de alimentos em frequência igual ou superior a três vezes ao dia. No presente estudo, a maioria (88%-n=1045/1188) dos tutores alimentava seus cães duas a três vezes ao dia com quantidades definidas pelo rótulo ou pelo médico veterinário.
A alimentação ad libitum, embora conste em manejo facilitado para o tutor, contribui para consumo excessivo de calorias pelos cães (BROOKS et al., 2014). Dos participantes, apenas 15% (n=178/1188) realizavam tal prática.
A doença pandêmica, o sedentarismo, a ansiedade e prejuízos econômicos justificam declínio na saúde (SOUSA et al,. 2020; BARROS, 2020), como observado pelos tutores do estudo. Na população estudada, houve associação às notas atribuídas à saúde do tutor e do animal. Já foi demonstrado que hábitos dos tutores influenciam nos caninos (ZORAN, 2010; PORSANI, 2021). A alimentação é parte da interação dos proprietários para com seus animais. Muitos relacionam-na com demonstração de afeto (COLLIARD et al., 2006). Com a antropomorfização, o animal pode ser visto como membro da família, muitas vezes infantilizado (OSÓRIO, 2016; ROSA et al., 2018). Porsani et al., (2020) observaram que tutores que consomem guloseimas, transferem o hábito aos cães.
Entre as limitações do estudo atual, aponta-se a coleta de dados pela internet, que pode não atingir todos os estratos populacionais. Há um viés inerente de questionários auto preenchíveis, uma vez que indivíduos podem optar por alternativas consideradas “corretas” e não pelas reais.
Conclusão
Assim como ocorreu com as pessoas, houve modificação na rotina e no manejo alimentar de muitos cães durante a pandemia do SARS-COV-2 e isso pode ter acarretado prejuízo na saúde dos animais. O estilo de vida dos cães, a exemplo do que ocorre com humanos, tem relação com o ambiente e dinâmica familiar e sofre influências do contexto histórico vigente.
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