Orientador(a): Tatiana Costa de Morais
Instituição: Centro Universitário Barão de Mauá
Trabalho classificado na 7ª Edição (2021) do Prêmio de Pesquisa PremieRpet®.
Índice
Resumo
A nutrição torna-se uma prática fundamental durante o tratamento e a recuperação de pacientes críticos. Isso é possível porque o suporte nutricional é capaz suprir as necessidades do paciente, além de corrigir e prevenir deficiências nutricionais que possam surgir em decorrência das alterações metabólicas. O presente estudo objetivou ressaltar a importância da nutrição adequada de pacientes críticos, em diferentes condições patológicas, e, também, demonstrar protocolos existentes de suporte nutricional e os benefícios desta intervenção.
Introdução
Na prática veterinária o suporte nutricional ainda possui prioridade pequena e não faz parte da rotina médica de clínicas e hospitais. Em um animal saudável privado de alimento, a energia é derivada de fontes de gordura armazenada durante os períodos de privação de nutrientes, porém, em um paciente doente ou traumatizado, preferencialmente, irá catabolizar massa magra quando o fornecimento de calorias for insuficiente, em consequência da maior liberação de mediadores endógenos como hormônios do estresse e citocinas (FERREIRA et al., 2017).
A Associação Mundial de Medicina Veterinária de Pequenos Animais (WSAVA) reconhece a avaliação nutricional como 5º parâmetro vital (WSAVA, 2011).
As consequências de deficiências nutricionais incluem: diminuição de anticorpos humorais e de superfície de mucosas, diminuição da imunidade celular e da capacidade bactericida de fagócitos, diminuição da produção de complemento e do número total de linfócitos, além da diminuição dos mecanismos inespecíficos de defesa, como por exemplo, barreiras anatômicas da pele, flora intestinal, suco gástrico, febre e alterações endócrinas (MAION, 2009)
Os objetivos do suporte nutricional são fornecer as necessidades nutricionais dos pacientes, prevenir e corrigir os déficits nutricionais, minimizar os desarranjos metabólicos e prevenir o catabolismo do tecido muscular (PEREIRA, 2011).
Os animais que estão incapazes de absorver nutrientes pelo trato gastrintestinal podem receber nutrição parenteral para suprimento de suas necessidades nutricionais diárias (ANTUNES; MORENO, 2009).
O uso de um alimento preparado comercialmente por uma empresa responsável evita desequilíbrios de nutrientes importantes (MOORE; FRIMBERGER, 2010)
O presente estudo objetivou ressaltar a importância da nutrição adequada de pacientes críticos, em diferentes condições patológicas, e, também, demonstrar protocolos existentes de suporte nutricional e os benefícios desta intervenção.
Desenvolvimento
Paciente traumatizado
No paciente hospitalizado ocorre um acentuado aumento da taxa metabólica. Esse aumento pode ser estimado pela observação do esforço, profundidade e frequência respiratória, quanto maior o aumento das variáveis respiratórias, maior a taxa metabólica basal que é proporcional ao consumo de oxigênio (RABELO, 2012). A aplicação da nutrição em pacientes hospitalizados visa atender as necessidades nutricionais e prevenir a subnutrição e a desnutrição (MELO et al., 2019).
O trauma leva a alterações massivas no estado fisiológico pela modificação das vias metabólicas e ativação do sistema imune inato. As alterações metabólicas são caracterizadas pelo hipermetabolismo com aumento do gasto de energia e do catabolismo proteico, resistência à insulina associada a hiperglicemia, intolerância à glicose e elevados níveis de insulina plasmática (diabetes do trauma), levando também ao desenvolvimento de acidose metabólica e hiperlactatemia (RABELO, 2012).
As vitaminas, em especial as hidrossolúveis, são perdidas rapidamente no estado catabólico e na anorexia, sendo que o animal não apresenta estoque suficiente desses nutrientes (FERREIRA et al., 2017)
A ingestão prolongada de dietas com quantidade insuficiente de proteínas é associada à redução na concentração de albumina sérica, piora na resposta imune, dificuldade de cicatrização e aumento nos riscos de deiscência de feridas e perda muscular (PEREIRA, 2011).
Antes de se iniciar o suporte nutricional do paciente, deve-se realizar a restauração hídrica adequada, correção dos distúrbios eletrolíticos e ácido- básicos e alcance da estabilidade hemodinâmica. Iniciar o suporte nutricional antes da normalização destes parâmetros pode aumentar o risco de complicações e comprometer ainda mais o paciente (PEREIRA, 2011).
Uma nutrição adequada melhora resposta a tratamentos, como rápida recuperação no pós-cirúrgico, rápida cicatrização de feridas, aumento da imunidade e diminuição no tempo de hospitalização (MELO et al., 2019).
A absorção, transporte, metabolismo e excreção de fármacos podem estar bastante alterados no paciente desnutrido, afetando o efeito terapêutico. Como consequência da desnutrição calórico-proteica, ocorre diminuição da biotransformação hepática, decréscimo das proteínas plasmáticas envolvidas no transporte dos fármacos e diminuição do fluxo sanguíneo renal, interferindo na farmacocinética dos medicamentos (MAION, 2009).
É importante fornecer aminoácidos essenciais (arginina, histidina, isoleucina, leucina, metionina, fenilalanina, treonina, triptofano, valina e lisina) para manutenção do balanço nitrogenado positivo e reposição da massa magra, o que pode definir a recuperação do paciente crítico (FERREIRA et al., 2017).
Em pacientes incapazes de se alimentar pode ser utilizada a nutrição parenteral, onde são fornecidos os nutrientes essenciais em quantidades adequadas, devendo incluir carboidratos, lipídios, aminoácidos, eletrólitos, minerais, oligoelementos e vitamina, administrados no paciente através de um cateter central (MELO et al., 2019).
Paciente nefropata
A doença renal crônica (DRC) é uma das principais doenças degenerativas que acometem os cães, e uma importante causa de mortalidade na espécie, é caracterizada por falha permanente nas funções dos rins (QUEIROZ, 2019).
As dietas para doenças renais diferem de dietas regulares de várias maneiras, como diminuição dos níveis de proteína, fósforo, sódio e aumento de vitaminas B, fibras solúveis, ômega-3 e antioxidantes (NELSON; COUTO, 2015). Como a doença renal crônica é progressiva, é sugerido que os nutrientes sejam avaliados de acordo com a progressão da doença em cada paciente, o ajuste de nutrientes específicos da dieta para doença renal crônica pode diminuir a morbidade e estender longevidade (EVASON; REMILLARD, 2017).
A alimentação com alimento renal em pacientes nefropatas foi associada a uma redução de 72% no risco relativo de crise urêmica e diminuição mais lenta da função renal (ROUDEBUSH et al., 2010).
A quantidade de proteína na dieta tem um efeito bem conhecido na magnitude da proteinúria, e os cães alimentados com uma dieta mais baixa em proteínas em comparação com as dietas de manutenção têm proteinúria reduzida (ZATELLI et al., 2017).
Os benefícios teóricos da restrição de proteínas são uma redução nos sinais clínicos associados à uremia, diminuição da produção de metabólitos tóxicos do metabolismo proteico e diminuição da hiperfiltração em néfrons remanescentes (NELSON; COUTO, 2015). Além disso a proteína tem sido associada a acidose metabólica, hipertensão, proteinúria e hipoproteinemia (EVASON; REMILLARD, 2017).
O ajuste na quantidade de sódio na dieta pode ajudar no controle da hipertensão, se presente (EVASON; REMILLARD, 2017).
O fósforo é normalmente excretado pelos rins por meio de uma combinação de filtração glomerular e reabsorção tubular renal. Como a taxa de filtração glomerular diminui na doença renal crônica, o fósforo é retido, resultando em hiperfosfatemia (ROUDEBUSH et al., 2010).
O controle da hiperfosfatemia (<5,5 mg/dL) deve, inicialmente, ser tentado com uma dieta de baixo teor de fósforo (<800 mg/dia). Com relação ao paratormônio, os níveis recomendados na DRC são de 2 a 3 vezes maiores (130- 195 pg/mL) que o normal. (BARBOSA et al., 2019) O fósforo tem sido associado a hiperfosfatemia e hiperparatireoidismo (EVASON; REMILLARD, 2017)
Uma variedade de efeitos positivos foi atribuída à suplementação dietética com ácidos graxos ômega-3, incluindo sua tendência de reduzir a hipercolesterolemia, suprimir a inflamação e coagulação, reduzir a pressão arterial, influenciar favoravelmente a hemodinâmica renal ou limitar a calcificação intrarrenal (ROUDEBUSH et al., 2010). São considerados renais protetores e estão associados com tempos de sobrevivência aumentados (EVASON; REMILLARD, 2017).
Quando há suspeita de desnutrição é necessário facilitar a ingestão alimentar adequada, garantindo que as causas de diminuição do apetite serão corrigidas, incluindo desidratação, hemorragia gastrointestinal, acidose metabólica, hipocalemia, anemia, infecção do trato urinário e anorexia associada a medicamentos. Quando essas causas forem excluídas ou corrigidas, a terapia para gastroenterite urêmica deve ser iniciada (ROUDEBUSH et al., 2010).
Os produtos atualmente comercializados para doença renal não são deficientes em proteínas, fósforo ou sódio, eles se aproximam mais de perto das necessidades fisiológicas, sem serem excessivos. Assim, esses produtos são seguros para alimentação de longo prazo quando orientado por um médico veterinário (EVASON; REMILLARD, 2017).
Paciente oncológico
A caquexia é a síndrome paraneoplásica mais comum na medicina veterinária, onde há uma perda involuntária e progressiva de peso, que ocorre mesmo com a entrada adequada de nutrientes, sendo resultado de alterações no metabolismo de carboidratos, proteínas e lipídeos, resultando na diminuição da resposta ao tratamento e redução da expectativa de vida (ANTUNES; MORENO, 2009).
A caquexia do câncer resulta em perda de peso, o que leva à fraqueza e uma capacidade reduzida de atividade que causa um impacto na qualidade de vida e menor expectativa de vida (MOORE; FRIMBERGER, 2010)
As anormalidades metabólicas características da síndrome paraneoplásica são principalmente atribuídas ao aumento do consumo de energia pelo tumor, as células neoplásicas malignas são capazes de captar de 10 a 50 vezes mais glicose do que as células normais, à liberação de fatores que agem no centro da saciedade e promovem redução do consumo alimentar e às citocinas produzidas (DALECK; NARDI, 2016).
O metabolismo das células tumorais é caracterizado por mudanças na produção de energia por meio da fosforilação oxidativa e fermentação, e presume-se que seu crescimento e desenvolvimento podem ser controlados pela alteração do substrato energético (BROZIć et al., 2020).
As células tumorais aumentam o consumo de glicose, mesmo em condições aeróbias, com aumento da glicólise como resposta compensatória. Portanto, mudanças dietéticas, como uma dieta cetogênica com alto teor de gordura, médio teor de proteína e baixo teor de carboidrato, induz o metabolismo oxidativo enquanto limita o consumo de glicose, representando uma possível abordagem nutricional causando estresse metabólico seletivo das células tumorais (BROZIć et al., 2020).
Quando os nutrientes com alto teor de carboidratos simples são fornecidos como fonte primária de calorias em pacientes oncológicos, pode ocorrer hiperlactatemia e hiperinsulinemia, que pode durar algumas horas, piorando o estado caquético (ANTUNES; MORENO, 2009). Por serem carnívoros os cães e gatos não têm necessidade metabólica de carboidratos (DALECK; NARDI, 2016).
A degradação de proteínas na caquexia paraneoplásica excede sua síntese, resultando em um balanço negativo de nitrogênio (ANTUNES; MORENO, 2009). Uma dieta com maior teor proteico tem por base aumentar o fornecimento de aminoácidos para o paciente, para compensar a maior demanda desses compostos (DALECK; NARDI, 2016).
Os níveis de proteína devem exceder os indicados para a manutenção de animais adultos, variando de 30 a 45% em cães e 40 a 50% em gatos (ANTUNES; MORENO, 2009).
A gordura é o composto de maior digestibilidade, teor energético e que mais confere palatabilidade na dieta. Uma dieta rica em gordura faz com que os animais consigam ingerir calorias suficientes com um menor volume de alimento, além de que a gordura parece ser utilizada com menor eficiência pelas células neoplásicas (DALECK; NARDI, 2016).
As terapias sugeridas como benéficas para pacientes oncológicos incluem: carboidratos solúveis, fibras, proteínas, arginina, gordura e ácidos graxos ômega 3 (ANTUNES; MORENO, 2009). A arginina, glutamina e ácidos graxos ômega3 possuem papel metabólico e modulador na inflamação (DALECK; NARDI, 2016).
A arginina é um aminoácido essencial, que, quando adicionado a soluções parenterais, reduz o crescimento tumoral e o índice metastático (ANTUNES; MORENO, 2009).
Considerações finais
A nutrição é importante em todas as fases da vida dos animais, conhecer a necessidade de cada fase, além de fornecer uma dieta adequada de acordo com as alterações metabólicas que ocorrem em estados patológicos é de suma importância para cada vez mais melhorarmos a qualidade e expectativa de vida dos nossos animais.
Referências bibliográficas
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