Orientador(a): Luciana Wanderley Myrrha
Instituição: PUCMG
Trabalho classificado na 7ª Edição (2021) do Prêmio de Pesquisa PremieRpet®.
Índice
Resumo
Os avanços na Medicina Veterinária têm possibilitado aos cães maior longevidade. Com isso a incidência de animais portadores de neoplasias dentro da casuística da clínica veterinária tem aumentado e os cuidados com esses pacientes têm cada vez maior importância. O tratamento de animais oncológicos deve ir além dos tratamentos cirúrgicos e medicamentosos para alcançar melhores resultados, bem como qualidade de vida a esses pacientes.
Pesquisas revelam que a suplementação com Vitamina D pode aumentar a resposta de células cancerígenas ao tratamento com quimioterapia. Apesar das diversas publicações relatando a importância da Vitamina D na saúde de humanos, pouco foi relatado em relação aos cães. Essa revisão tem como objetivo destacar a importância da vitamina D para os pacientes oncológicos e garantir a eles maior longevidade com qualidade de vida através da nutrição adequada.
Introdução
Os avanços na Medicina Veterinária têm possibilitado aos cães maior longevidade. Com isso a incidência de animais portadores de neoplasias dentro da casuística da clínica veterinária tem aumentado, e os cuidados com esses pacientes têm cada vez maior importância.
As neoplasias em cães demandam mais do que somente tratamentos cirúrgicos e medicamentosos. Esses pacientes sofrem alterações fisiológicas, causadas pela própria neoplasia, ou pelo tratamento fazendo com que a atenção nutricional nas diferentes fases por que passam esses animais se faça essencial para alcançar melhores resultados, bem como qualidade de vida a esses pacientes.
É com base no objetivo de maior longevidade com qualidade de vida aos pacientes oncológicos que o estudo da suplementação alimentar com uso de nutracêuticos, em especial da Vitamina D se faz importante.
Desenvolvimento
De acordo com Whithrow e Macewen (2007), 45% dos cães com idade superior a 10 anos falecem por complicações geradas por uma neoplasia.
O paciente oncológico sofre com desnutrição e caquexia seja pela presença da neoplasia pelas síndromes paraneoplásicas, alterações induzidas pelo tumor que provocam efeitos sistêmicos significativos e por isso conduzem a uma redução geral no quadro do paciente, ou pelos efeitos colaterais do tratamento com drogas quimioterápicas que causam redução na ingestão alimentar e induzem a perdas nutricionais pelos efeitos nefrotóxicos e as alterações gastrointestinais dessas drogas no animal (VANNUCHI & MARCHINI, 2007).
A suplementação alimentar utilizando nutracêuticos tem como objetivo minimizar os efeitos paraneoplásicos e as alterações fisiológicas que causam desiquilíbrio no metabolismo e consumo de nutrientes (PEIXOTO et al, 2012). Nutracêuticos são definidos como suplementos alimentares que possuem um composto bioativo de determinado alimento em uma concentração superior a encontrada nos alimentos, e é oferecido separado da alimentação regular, com objetivo de melhorar a saúde e bem estar do animal (PEIXOTO et al, 2012).
A vitamina D tem importância na saúde óssea dos cães e gatos, bem como em diversas doenças incluindo o câncer, e a sua suplementação aumenta a resposta das células cancerígenas à quimioterapia (SELTING et al., 2014).
Uma das principais funções da Vitamina D no organismo dos cães está relacionada com a homeostasia do cálcio e do fósforo. Ela aumenta a capacidade de absorção intestinal do cálcio, diminui as perdas renais e estimula a reabsorção óssea de acordo com as necessidades do animal em seus diferentes momentos de vida (BARRAL, 2007).
Os cães recebem Vitamina D através da dieta com alimentos ou suplementos que contenham ergocalciferol. Eles não têm a capacidade de sintetizar Vitamina D endógena na pele através da conversão do colecalciferol como os humanos (HOLLICK, 2004).
O ergosterol (provitamina D2), presente nos vegetais e fungos, é convertido em ergocalciferol (vitamina D2) sob ação de raios ultravioletas (reação de fotólise). Em condições naturais, essa conversão ocorre em folhas mortas e também no processo de fenação. Atualmente, alimentos que contem ergosterol são irradiados com raios ultravioletas para aumentar os seus valores de Vitamina D (HOLLICK, 2004).
A absorção da Vitamina D ocorre no intestino delgado, tendo a bile função essencial neste processo, 85% da Vitamina D é transportada até o fígado pelo sistema linfático ou por via sanguínea (GRANNER, 1998). Após duas hidroxilações é convertida em uma forma mais ativa: o 1,25-diidroxiergocalciferol. Ainda neste órgão, é hidroxilada na posição 25 formando a 25-hidroxivitamina D ou 25(OH)D, por uma enzima hepática associada ao reticulo endoplasmático, a calciferol-25- hidroxilase. A 25(OH)D é a principal forma circulante de Vitamina D e fica estocada principalmente no fígado (Figura 01), mas também pode ser encontrada nos tecidos adiposos e músculos esqueléticos (PEIXOTO et al, 2012).
A 25(OH)D é o metabólito precursor do calcitriol, 1,25(OH)₂D ou 1,25- diidroxivitamina D. Como outros esteroides, o calcitriol sofre regulação por retroalimentação. O complexo 1α-hidroxilase é inibido em quadros de hiperfosfatemia e hipercalcemia, bem como em casos de aumento dos níveis de calcitrol. Quando isso ocorre, a Vitamina D é hidrolisada na posição 24 ao invés da 25 e torna-se biologicamente inativa (PEIXOTO et al, 2012).
A já conhecida importância da Vitamina D no metabolismo do cálcio foi acrescida da sua importância na manutenção da saúde celular, explicada pela presença de receptores de Vitamina D em diferentes órgãos, tecidos e células, através dos quais se acredita que a Vitamina D regula mais de 2.000 genes (SELTING et al., 2014). Dentre esses genes cita-se aqueles que levam a transcrição de proteínas tais como a osteocalcina, a fosfatase alcalina nos osteoblastos e a proteína específica que tem afinidade pelo cálcio ao nível das células intestinais: calbindin, resultando no aumento da captação deste íon (PEIXOTO et al, 2012).
A Vitamina D age nos músculos de duas formas: genômica – através da ligação do calcitriol em receptores nucleares resultando em mudanças na transcrição genética do RNA mensageiro (RNAm) e por consequência na síntese proteica; e não genômica de forma rápida, pela ligação da membrana com os receptores de vitamina D (CEGLIA, 2008).
Nas células dos tecidos musculares esqueléticos, a Vitamina D atua se ligando a um receptor nuclear e/ou a um receptor de membrana e realiza ações que vão desde o transporte de cálcio à síntese proteica e regulação da velocidade de contração (BARRAL, 2007).
Em seu trabalho de 2007, Barral cita ainda a influência que a Vitamina D pode ter em outros tecidos ao interagir com genes que modificam a elastogêneses, angionênese e imunomodulação. Sendo assim, níveis séricos adequados de Vitamina D estão diretamente relacionados com a saúde cardiovascular e o crescimento celular.
Além disso, estudo realizado por Gow em 2011 demonstrou que a Vitamina D tem efeito anti-inflamatório, e a inflamação crônica está intimamente ligada a diversas neoplasias.
Nos últimos anos, tem sido testada “in vitro” a ação antineoplásica da Vitamina D em neoplasias como o retinoblastoma (WAGNER et al., 2003), o carcinoma prostático (QIAO et al., 2003), em “in vivo” no osteossarcoma experimentalmente implantado em ratos (BARROGA et al., 2000), além da associação entre os níveis de Vitamina D sérica e a presença de linfoma, osteosarcoma e mastocitoma em cães (WEIDNER et al., 2017).
Os resultados destas pesquisas mostraram uma relação entre o câncer e o metabolismo alterado da Vitamina D, justificada pela ação do seu metabólito ativo (25(OH)D) que induz apoptose e diferenciação celular, inibe a proliferação celular e metástase, além de aumentar o reparo no DNA afetado (WEIDNER et al., 2017). Em estudo realizado por Selting e colaboradores em 2014, foi analisada a relação entre os níveis sanguíneos de Vitamina D em 344 cães e o risco desses animais desenvolverem câncer. O estudo utilizou quatro biomarcadores: paratormônio (PTH), proteína C reativa (PCR), cálcio e fósforo. Foram encontradas associações inversamente proporcionais entre os níveis de Vitamina D e a presença ou ausência de tumores, principalmente em casos de hemangiossarcoma. A maioria dos cães com vitamina D suficiente teve concentrações na faixa de 100-150 ng/mL.
A forma ativa da Vitamina D tem efeitos imunomoduladores sob linfócitos, macrófagos e células citotóxicas, além da produção e ação das citocinas. O pouco efeito hipercalcêmico da Vitamina D viabiliza sua utilização em neoplasias (BERTOLINI E TZANNO-MARTINS, 2000).
Como os cães tem como única fonte de Vitamina D sua dieta, uma vez que não possuem a capacidade de produzir a vitamina D de forma cutânea como outros mamíferos, as concentrações séricas da vitamina nesses animais podem refletir os níveis de suplementação que lhe são ofertadas através da dieta (GOW et al., 2011).
A suplementação de Vitamina D feita sem acompanhamento laboratorial de seus níveis séricos, bem como do estado clínico do animal, pode levar a casos de Hipervitaminose D (PEIXOTO et al., 2012). As calcinoses, extensas mineralizações de tecidos moles, são a principal manifestação clínico-patológica do excesso da Vitamina D. Elas ocorrem pela precipitação de sais de cálcio em decorrência da concentração persistentemente elevada deste mineral no sangue, sem que os tecidos afetados tenham sofrido qualquer lesão previa, e podem acometer o sistema cardiovascular, sobretudo a mineralização de artérias (PEIXOTO et al., 2012). Esse processo ocorre em decorrência do aumento das concentrações plasmáticas de cálcio em animais que são suplementados em excesso com Vitamina D, associado a uma maior absorção intestinal e maior liberação de cálcio dos ossos. Além disso, pode-se observar alteração da função renal com perda de proteínas na urina e aumento da concentração plasmática de ureia (BARRAL, 2007).
Considerações finais
Apesar dos indicadores já mencionados em literatura demonstrarem que os níveis ideais de Vitamina D estão relacionados com a presença ou ausência de tumores, as causas dessa relação seguem incompreendidas. Mais trabalhos precisam ser realizados para ampliar o entendimento dessa relação em cães e assim poder melhorar a saúde de nossos pacientes, bem como a sua resposta aos tratamentos quimioterápicos.
Referências bibliográficas
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