Orientador(a): Márcio Antonio Brunetto
Instituição: FMVZ USP
Trabalho Classificado na 9ª Edição (2023) do Prêmio de Pesquisa PremieRpet®.
Índice
Resumo
A suplementação de ácidos graxos poli-insaturados ômega-3 (PUFAs) pode ser realizada, através da inclusão de fontes com altos teores de ácido alfa linolênico (ALA), mas principalmente, ácido eicosapentaenóico (EPA) e ácido docosahexaenóico (DHA) na dieta de cães e gatos. O objetivo desta revisão de literatura foi apresentar as diferenças entre as fontes de ômega-3 e os potenciais benefícios da sua suplementação na dieta de cães e gatos. Há décadas é bem conhecida a importância dos PUFAs, seja pela sua essencialidade ou pelos benefícios promovidos em relação ao bem-estar do paciente, quando utilizados de forma preventiva ou como coadjuvante em inúmeras situações que são necessárias a instituição de um protocolo terapêutico. Porém, a escolha da fonte e o ajuste da dose irá refletir na resposta desejada. Fontes vegetais, como a linhaça e a canola possuem elevados teores de ALA. Esse ácido graxo é precursor de EPA e DHA. Porém, a conversão é baixa, e muitas vezes altas doses de ALA não são suficientes para atingir as quantidades necessárias de EPA e DHA no organismo desses animais, nessas situações é necessária a inclusão de ambos na dieta. As principais fontes de EPA e DHA são os óleos de peixes e organismos aquáticos (crustáceos e algas) oriundos de águas marinhas frias e profundas. EPA e DHA atuam na prevenção e terapia coadjuvante de doenças cardiovasculares, renais, gastrointestinais, ortopédicas, dermatológicas, neurológicas, retinianas e imunológicas. Assim, para o efeito desejado é fundamental escolher o suplemento e ajustar a dose. Como todo e qualquer suplemento, a possibilidade de efeitos colaterais pode acontecer em superdosagens. Para isso, mais estudos devem ser conduzidos a fim de se estabelecer um consenso sobre a relação com outros ácidos graxos poli-insaturados, doses e limites máximos de uso desses ácidos como suplementos para cães e gatos.
Palavras-chave: ômega-3, terapêutica, bem-estar, nutracêuticos, animais de companhia.
Introdução
Os ácidos graxos poli-insaturados (PUFAs) da série ômega-3 são essenciais para cães e gatos durante as fases reprodutiva e de crescimento, portanto devem ser incluídos nas dietas nestas situações (NRC, 2007). Além da essencialidade, sua utilização na prevenção e como terapia coadjuvante de inúmeras doenças que acometem os cães e gatos tem aumentado, sendo considerado um dos nutracêuticos mais prescritos pelos médicos veterinários de pequenos animais (ELROD; HOFMEISTER, 2019).
EPA e DHA são capazes de modular o processos inflamatório, atuar como precursores de eicosanóides e prostaglandinas, desempenhar papéis estruturais como componentes das membranas celulares, promover crescimento e desenvolvimento saudáveis e atuar de forma importante na saúde da pele e da pelagem de cães e gatos (LENNOX, 2016). Em cães, os efeitos benéficos da suplementação de EPA e DHA foram demonstrados em pacientes acometidos pelas seguintes enfermidades: cardiopatias, doença renal crônica, neoplasias, dermatite atópica (STOECKEL et al., 2013) e doenças articulares degenerativas (ADLER; SCHOENIGER; FUHRMANN, 2018). Em relação aos gatos, a suplementação de EPA e DHA pode melhorar os quadros clínicos relacionados à dermatite alérgica (LECHOWSKI; SAWOSZ; KLUCIŃSKI, 1998) e osteoartrite decorrente do envelhecimento natural (CORBEE et al., 2013).
Apesar de alguns estudos não descreverem a dose, apresentarem baixo número de animais ou gerarem dúvidas se os efeitos obtidos estavam relacionados à suplementação de EPA e DHA ou a outros componentes alimentares presentes, fortes evidências a favor da suplementação de PUFAs na dieta de cães e gatos são relatadas. Observou-se aumento na sobrevida de pacientes caninos com linfoma, além de uma terapêutica segura como coadjuvante em diversas doenças não neoplásicas em relação aos efeitos adversos (MAGALHÃES et al., 2021). Desta forma, mais estudos devem ser realizados a fim de se fortalecer e corroborar com as evidências clínicas já descritas dos benefícios proporcionados pela suplementação dos mesmos.
O objetivo desta revisão de literatura foi apresentar as diferenças entre as fontes de ômega-3 e os potenciais benefícios da suplementação de EPA e DHA na dieta de cães e gatos.
Desenvolvimento
Estrutura dos ácidos graxos poli-insaturados da série ômega 3
Os PUFAs de cadeia longa possuem pelo menos 18 carbonos e mais de uma insaturação. Da série ômega 3, os principais ácidos graxos são o ALA, EPA e DHA (NIH, 2021).
O ALA, isômero do ácido linolênico, é o PUFA mais curto da série ômega-3, composto por uma cadeia de 18 carbonos com três duplas ligações nos carbonos 9, 12 e 15 (LUIZ; NETTO, 2007), que por meio de uma via metabólica e sob ação de enzimas elongases e delta dessaturases, responsáveis por alongar e colocar duplas ligações na cadeia respectivamente, pode atuar como precursor de EPA, que por sua vez pode ser convertido em DHA (NRC, 2006). No entanto, em cães e gatos, a eficiência dessa conversão é baixa e, desta forma, é necessária a inclusão de EPA e DHA na dieta destas espécies.
O EPA é um ácido composto por 20 carbonos e 5 duplas ligações nas posições 5, 8, 11, 14 e 17. Já o DHA é formado por uma cadeia de 22 átomos de
carbono e 6 duplas ligações em configuração CIS nas posições 4, 7, 10, 13, 16 e 19 da cadeia carbônica (CHOLEWSKI; TOMCZYKOWA; TOMCZYK, 2018).
Fontes e recomendações de ômega-3 para cães e gatos
Os ingredientes com maiores concentrações de ALA são os vegetais oleaginosos, utilizados sob a forma de sementes e óleos, tais como de linhaça, canola, soja e nozes (LINDQVIST et al., 2023). O ALA pode fornecer benefícios através da bioconversão em EPA e DHA, embora baixa (LINDQVIST et al., 2023), e através da modulação de processos inflamatórios e contribuir para a saúde da pele e pelagem de cães e gatos (KAUR et al., 2020).
A recomendação de ALA para cães em crescimento e cadelas em lactação e gestação é de 200mg/1000 kcal de dieta (NRC, 2006). Enquanto para cães adultos, a quantidade recomendada de ALA é de 110mg/1000 kcal. Para gatos em crescimento e fêmeas gestantes e lactantes, a recomendação de ALA é de 50mg/1000 kcal (NRC, 2006). Não há recomendação para felinos adultos, nem informações a respeito do limite superior seguro para inclusão de ALA (NRC, 2006). Ainda de acordo com o NRC (2006), não há informações sobre necessidade mínima de ALA para nenhuma das espécies em fase reprodutiva, apenas ingestão recomendada e ingestão adequada. Em relação ao EPA e o DHA, as fontes com maiores concentrações são de origem animal, tais como peixes, óleo de peixes e organismos marinhos com elevados teores de lipídeos, que habitam águas frias e profundas como anchovas, arenque e pequenos crustáceos, como o krill e algumas algas (LINDQVIST et al., 2023; SHAHIDI; AMBIGAIPALAN, 2018).
Como resultado da baixa conversão de ALA em EPA e DHA (BAUER, 2006), o Conselho Nacional de Pesquisa (NRC) listou as recomendações de EPA e DHA para cães e gatos, as quais variam de acordo com os diferentes estágios da vida (NRC, 2006). Em estudo realizado por Panasevich et al. (2022), avaliou-se a inclusão de linhaça moída em alimento seco para gatos adultos saudáveis e não encontraram diferenças na digestibilidade dos nutrientes, consistência fecal, biodisponibilidade de ácidos graxos e saúde geral em gatos. Em contrapartida, houve aumento das concentrações séricas de ALA, equilíbrio da relação ômega-6: ômega-3, porém como o estudo foi realizado apenas durante 28 dias, não foram avaliados os benefícios da adição de semente de linhaça moída e a contribuição do ALA para a saúde da pele, pelagem, controle da inflamação e o tempo necessário para a estabilização das concentrações séricas de ALA em gatos. Vale ressaltar que a relação ômega-6:ômega-3 total deve ser usada com cautela, pois não reflete a quantidade total de ácidos graxos ômega-3 presentes na dieta ou o tipo de ácidos graxos ômega-3 presentes (LENOX; BAUER, 2013).
Não há consenso em relação ao uso da relação ômega 6:ômega-3, portanto mais estudos precisam ser realizados. Waldron; Hannah; Bauer (2012) avaliaram o fornecimento de duas dietas diferentes para cães, mas com a mesma proporção ômega 6:ômega-3, e com diferentes fontes de ômega-3 (óleo de linhaça e óleo de peixe menhaden). Os autores encontraram a função dos neutrófilos afetada de forma diferente e concluíram que o tipo e a quantidade de ácidos graxos ômega-3 são provavelmente mais influentes em comparação à proporção total de ômega 6:3.
Os níveis máximos seguros das quantidades combinadas de EPA e DHA para cães em todas as fases de vida são de 2800mg/1000 kcal da dieta. Para cães adultos, isso seria o equivalente a 370mg/(peso corporal)0,75 (NRC, 2006). Essa quantidade equivale a 2080mg para um cão de 10 kg. Atualmente, não há dados suficientes para definir um limite superior seguro de EPA e DHA para gatos, mas a recomendação de EPA e DHA para esta espécie nas diferentes fases de vida é de 25mg/1000 kcal da dieta (NRC, 2006). Além disso, recomenda-se que a vitamina E seja adicionada a qualquer dieta felina suplementada com grandes quantidades de óleo de peixe para evitar a oxidação dessas fontes (TYNES; LANDSBERG, 2021). Em um estudo realizado por Lindqvist et al. (2023), avaliou-se, através de um índice sanguíneo, o teor da combinação de EPA e DHA em cães adultos alimentados com três diferentes fontes de ômega-3: linhaça, farinha de krill e farinha de peixe; e observaram que mesmo com o alto teor de ALA presente na linhaça, a inclusão desse ingrediente não foi suficiente para os animais atingirem as concentrações sanguíneas adequados de EPA e principalmente de DHA, confirmando a baixa conversão.
Utilização
Os PUFAs da série ômega-3, mais especificamente, EPA e DHA têm a capacidade de modular processos inflamatórios, atuar como precursores de eicosanóides e prostaglandinas, desempenhar papéis estruturais como componentes das membranas celulares, promover crescimento e desenvolvimento saudáveis e afetar a saúde da pele e da pelagem dos cães e gatos (LENNOX, 2016).
Atualmente, há evidências substanciais de que EPA e DHA são capazes de inibir parcialmente alguns fatores inflamatórios como: quimiotaxia de leucócitos, expressão de moléculas de adesão e interações adesivas leucócito-endotélio, produção de eicosanóides com alta atividade inflamatória, como prostaglandinas e leucotrienos derivados do ácido araquidônico (ômega-6), além de atuarem diretamente sobre a produção de citocinas pró-inflamatórias como TNF-α e IL-1β (LORENTE-CEBRIÁN et al., 2013; TSALAMANDRIS et al., 2019). Portanto, o EPA e DHA apresentam ação anti-inflamatória importante e modulam a composição dos ácidos graxos das membranas celulares, ocasionando mudança na formação lipídica dessas membranas celulares, o que resulta em alterações na sinalização celular, que consequentemente leva a alterações na expressão gênica e alteração no padrão de mediadores lipídicos produzidos (CALDER, 2017).
Uma revisão realizada por Magalhães et al. (2021), através de uma busca sistemática no banco de dados PubMed, elegeram 23 estudos, 20 com cães e 3 com gatos, que tinham a inclusão de EPA e DHA na dieta dessas espécies. Os resultados encontrados estavam relacionados com benefícios nos quadros de dermatite atópica canina, alopecia, ceratoconjuntivite seca, doença valvular e osteoartrite, além de prováveis efeitos benéficos em cães com insuficiência cardíaca crônica e linfoma, e gatos com dermatite alérgica. Em estudo realizado por Bauer (2011) com a suplementação de cães e gatos com osteoartrite, relacionou-se a suplementação combinada de EPA e DHA com a diminuição na produção de prostaglandina E2 na cartilagem, visto que esses ácidos competem com o ácido araquidônico (ômega-6) como substrato para as enzimas ciclooxigenase e lipoxigenase, que estão associadas à dor e à inflamação. Esses ácidos graxos também diminuíram a produção de tromboxano A2 e leucotrieno B4, que suprimem os mediadores pró-inflamatórios interleucina-1, interleucina-2 e fator de necrose tumoral na cartilagem (BAUER, 2011).
Segundo Catapano et al. (2016) os PUFAs reduzem os triglicérides, mas seus efeitos sobre outras lipoproteínas são triviais, porém há necessidade de mais estudos clínicos visando melhores avaliações sobre seu potencial hipolipemiante e seu efeito cardioprotetor, porém segundo os autores supracitados, recomenda-se doses de EPA e DHA totais entre 2 e 4 g/dia para reduzir os triglicérides em humanos. Em cães e gatos, a dose necessária para hiperlipidemia é desconhecida, porém há um estudo com hiperlipidemia primária do schnauzer que recomenda a dose de 58,8mg/kg de EPA e 45,4mg/kg de DHA (DE ALBUQUERQUE et al., 2021), enquanto para modulação da inflamação em cães cardiopatas, a dose recomendada é de 40mg/kg de EPA e 25mg/kg de DHA (FREEMAN, 2010). O ALA, EPA e DHA, assim como qualquer suplemento, podem causar algum efeito adverso se utilizados em doses excessivas. Esses efeitos incluem função plaquetária alterada, efeitos gastrointestinais, tais como diarreia e pancreatite, além de efeitos prejudiciais na cicatrização de feridas e peroxidação lipídica (LENOX; BAUER, 2013). Desta forma, é fundamental especificar com qual tipo de ômega-3 os animais estão sendo suplementados, de forma a compreender melhor os resultados dos trabalhos na promoção do bem-estar dos cães e gatos.
Considerações finais
A inclusão de EPA e DHA na dieta dos cães e gatos promove inúmeros benefícios de forma preventiva ou terapêutica, sendo sua inclusão capaz de aumentar a sobrevida dos pacientes de forma segura em relação aos efeitos adversos, o que proporciona qualidade de vida.
Em alguns trabalhos, observa-se falta de padronização e controle relacionados a não informação da dose e do tipo de ômega-3 utilizado na suplementação, número reduzido de pacientes e resultados que geram dúvidas se os efeitos benéficos obtidos foram devidos à suplementação de EPA e DHA ou a outros aditivos presentes. Desta forma, mais estudos controlados e detalhados devem ser realizados a fim de se fortalecer e apurar as evidências clínicas já descritas evidenciando os benefícios que a suplementação de EPA e DHA podem proporcionar aos cães e gatos preventivamente ou auxiliando no tratamento de doenças em diferentes sistemas.
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