Orientador(a): Diego Marques Costa Silva
Instituição: Universidade Estadual do Maranhão (UEMA)
Trabalho Classificado na 10ª Edição (2024) do Prêmio de Pesquisa PremieRpet®.
Índice
Resumo
A obesidade é uma enfermidade frequente em cães nos dias atuais, reflexo do mau hábito alimentar e sedentarismo, decorrentes da humanização dos animais de estimação, além de fatores genéticos como predisposições raciais. Por ser um distúrbio nutricional envolvendo o desequilíbrio entre ingestão e gasto calórico, a correção do manejo nutricional associado a exercícios físicos torna-se crucial para a prevenção e tratamento da obesidade e sobrepeso em cães. A importância da prevenção e tratamento desta enfermidade está relacionada com o bem-estar animal, por proporcionar melhor qualidade de vida e longevidade. Deste modo, o médico veterinário e o tutor possuem responsabilidades no manejo do cão obeso.
Introdução
A obesidade é uma doença que acomete animais domésticos por fatores ambientais, como hábito nutricional desbalanceado e rotina sedentária, ou genéticos, como predisposição racial. O excesso de peso dificulta a qualidade de vida do animal, comprometendo seu bem-estar. A avaliação do escore corporal feita pelo médico veterinário é um dos métodos de diagnóstico da obesidade e sobrepeso em cães e, desta forma, determina-se o melhor manejo e tratamento do paciente nesta condição (Calisto, 2021).
Atualmente, a obesidade é uma enfermidade com prevalência crescente, sendo um dos principais desafios de saúde pública, sendo muitas vezes associada ao desequilíbrio entre a ingestão calórica e a falta da prática de exercícios físicos, facilitando o ganho de peso (Aptekmann, 2014).
Desenvolvimento
Cães obesos e com sobrepeso durante a pandemia do COVID-19
Nas últimas décadas é notória a mudança social por qual as sociedades ocidentais têm em relação ao tratamento que é dado aos seus animais, principalmente desde a promulgação da Declaração Internacional de Direito dos Animais pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura em 1978, considerado um marco no tema (Faraco, 2008).
Atualmente, os animais de companhia são considerados parte da família, denominados como “filhos” pelos seus tutores, cumprindo muitas vezes uma função de suporte emocional (Providelo & Tartaglia, 2013). Entretanto, estes mesmos autores alertam que a obesidade é uma doença consequente desta humanização dos bichos de estimação.
Devido ao impacto da pandemia do coronavírus SARS-CoV-2 (COVID-19) na vida de pessoas do mundo inteiro, foi realizado um levantamento no Hospital de Clínicas Veterinárias da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (HCV-UFRGS) sobre cães obesos e com sobrepeso que foram atendidos durante a reabertura do HCV-UFRGS, após meses fechado devido à pandemia do coronavírus SARS-CoV-2 (COVID-19), e foi vista uma prevalência de 36,63 % de cães e gatos obesos e com sobrepeso (Machado et al., 2023).
O isolamento social da pessoas em suas casas durante a pandemia impactou o comportamento e manejo alimentar de cães e gatos negativamente devido ao aumento de alimentos fornecidos ao longo do dia como petiscos e aumento de interação com os animais que passaram a apresentar carência excessiva e ansiedade de separação (D’Avila, 2021).
Saúde e bem-estar de cães obesos e com sobrepeso
A obesidade compromete a saúde do animal, pois pode causar complicações metabólicas e distúrbios fisiológicos, como alterações endócrinas, locomotoras e cardiovasculares, proporcionando um mal-estar físico e reduzindo a qualidade e expectativa de vida (Mendes et al., 2023).
À medida que a obesidade humana cresce, a obesidade canina também cresce, isto explica o aumento exponencial de cães de companhia com sobrepeso ou obesidade, pois o hábito de vida do tutor, reflete no comportamento do animal, visto que a obesidade canina envolve fatores nutricionais, hormonais e ambientais (Araújo, 2022).
Assim como a prevalência de cães obesos aumentou nas últimas décadas, a prevalência de cães com câncer também aumentou, isto pode ser explicado pelos distúrbios inflamatórios, endócrinos e metabólicos que a obesidade causa, levando à inflamação crônica do corpo. Estes distúrbios possuem um sinergismo com os mecanismos que promovem a carcinogênese (Marchi et al., 2022).
Durante a inflamação os níveis de ferritina, uma proteína de fase aguda em cães, aumentam. Em cães obesos e com sobrepeso detecta-se maiores níveis de ferritina sérica comparado com cães de peso normal. Também há maiores níveis de fixação férrica total, hematócrito e volume corpuscular médio, podendo indicar hipóxia tecidual, além disso, encontra-se o aumento da butirilcolinesterase, podendo indicar um quadro de hipercortisolismo associado. Entretanto, mais estudos devem ser feitos para avaliar se a ferritina pode ser um biomarcador de obesidade canina (Franco-Martínez et al., 2023).
O sistema cardiovascular de cães obesos e com sobrepeso também é afetado, os achados principais são hipertrofia ventricular esquerda e disfunção diastólica. As dimensões da parede sistólica do ventrículo esquerdo podem ser reversíveis com a perda de peso significativa do animal (Partington et al., 2022).
Um marcador de obesidade em cães é o hormônio peptídico Spexin (SPX). Este hormônio está envolvido na patogênese da obesidade por ser responsável por regular o peso corporal, o metabolismo do tecido adiposo e a ingestão de alimentos (Kolodziejski et al., 2021).
Do ponto de vista genético, as raças de cães com maior risco de obesidade são o Labrador retriever, Boxer, Cairn terrier, Scottish terrier, Shetland sheepdog, Basset hound, Cavalier King Charles spaniel, Cocker spaniel, Dachshund (especialmente de pelos compridos), Beagle e alguns cães gigantes (ZORAN, 2010). Segundo este mesmo autor, essas raças possuem uma variação na necessidade energética, visto isso, são mais propensas ao excesso de peso.
É papel do médico veterinário incluir nas consultas de rotina a avaliação nutricional do animal, assim como orientar o tutor sobre a importância do correto manejo nutricional na prevenção e tratamento da obesidade, sobrepeso e doenças relacionadas, alertando acerca dos riscos associados e do comprometimento do bem-estar do animal, ressaltando e identificando os fatores de risco correlacionados, como o ambiente, estilo de vida e predisposições raciais (Mendes et al., 2023).
Manejo alimentar de cães com sobrepeso e obesos
Há a necessidade de atribuir alimentos que supram as necessidades nutricionais e energéticas na dieta dos cães de companhia (Freitas, 2020). Visto isso, no contexto geral, o tipo de alimentação mais fornecido é a ração premium, seguida de ração super premium, e os tipos menos fornecidos são: rações coadjuvantes, alimento úmido com sobra de comida preparada para humanos e alimentação natural sem acompanhamento de profissional (D’Avila, 2021). Fatores como idade, porte, nível de atividade física, estado reprodutivo e condição clínica do animal influenciam o nível de exigência nutricional (Bizaia, 2023).
Uma tendência do mercado pet food é a compra de rações grain free pelos tutores, este alimento tem na sua composição ingredientes alternativos como lentilha, ervilha, batata-doce e batata-inglesa, substituindo os cereais, como milho, arroz, trigo e sorgo. Estas rações livres de grãos são utilizadas como coadjuvantes no tratamento de algumas patologias como diabetes, obesidade, neoplasias e na prevenção de doenças em cães sensíveis aos grãos. Entretanto, em cães predispostos ou já acometidos com cardiomiopatia dilatada deve-se ter atenção ao utilizar este tipo de alimentação, pois há riscos associados, porém deve-se realizar mais estudos sobre este assunto, além disso, animais com esta condição devem receber dieta suplementada com taurina (Augusti et al., 2023).
O manejo nutricional de cães de companhia baseado em oferecer uma dieta balanceada em carboidratos, fibras, lipídios, L-carnitina, fibras, proteínas associados ao volume correto de líquidos funcionará de forma reguladora no organismo do animal (Carmo, 2022).
Em cães, uma redução de 60% de calorias na dieta objetiva-se uma redução de 1 a 2% do peso corporal por semana, obtendo uma redução de 15% do peso corporal dentro de 10 a 20 semanas, sendo uma dieta passível de ajustes de acordo com o estado de saúde do animal e como este responde ao plano nutricional (Freeman et al., 2011). Segundo Silva et al. (2019), aumentar a quantidade e qualidade das proteínas fornecidas, restringir os lipídeos e adequar à razão ômega 6:3, restringir a quantidade de carboidratos, aumentar a quantidade de fibras, aumentar a umidade da dieta e realizar a suplementação com L-carnitina são ações necessárias para promover o emagrecimento saudável do animals, visto que uma perda brusca de peso também é prejudicial para a saúde.
Considerações finais
Com base no que foi apresentado, torna-se possível o entendimento da relação entre cães e seres humanos na prevenção e tratamento da obesidade. O papel do tutor de interferir na dieta e estilo de vida do animal de estimação é tão importante quanto o papel do médico veterinário em orientar e alertar sobre as possíveis complicações decorrentes de uma rotina sedentária associada à alimentação inadequada.
Dessa maneira, ao compreender a intrínseca relação entre a genética, o manejo nutricional, ambiental e comportamental e a prevalência de cães com sobrepeso e obesidade, este trabalho contribui não somente para a compreensão dos fatores de risco, mas também oferece um esclarecimento importante para o ensino de conceitos de processo saúde-doença mais amplos.
Referências bibliográficas
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