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Investigação prática da necessidade energética para perda de peso e manutenção pós perda de peso em cães obesos

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Autor(a): Fábio Alves Teixeira

Orientador(a): Marcio Antonio Brunetto

Instituição: FMVZ USP

Trabalho classificado na 8ª Edição (2022) do Prêmio de Pesquisa PremieRpet®.

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Índice

Resumo

A obesidade é doença de alta prevalência entre cães e é definida como o acúmulo excessivo de tecido adiposo que resulta em alterações fisiológicas. O tratamento da obesidade é baseado na indução de balanço energético negativo, com foco na restrição da ingestão calórica, porém, há poucos estudos que avaliaram a quantidade de calorias necessária para a adequada perda de peso e para a fase de manutenção do peso pós-regime. O objetivo desse estudo foi levantar dados obtidos na prática clínica sobre o tratamento da obesidade canina, com ênfase à quantidade de calorias necessária para induzir perda de peso em cães e para manter a condição e peso corporais na fase pós-emagrecimento. Este estudo foi conduzido de maneira retrospectiva, por meio da avaliação de prontuários de cães obesos da rotina de um hospital veterinário, entre fevereiro de 2014 a janeiro de 2020. Após criterioso processo de seleção, de 123 cães acima do peso, sem outras doenças que interferissem no metabolismo, saciedade ou perda de peso, 16 cães obesos (escore de condição corporal (ECC) 8 ou 9, na escala de 9 pontos) foram incluídos e destes 10 participaram da fase de manutenção do peso após regime de emagrecimento. Os animais perderam em média 23,2% (15,6 a 36,0%) do peso, em 422 dias (198 a 1177). A média de taxa de perda de peso semanal foi 0,58% (0,39 a 0,94). Na fase de perda de peso, considerando peso real do animal, a média da ingestão energética média foi 59 kcal/kg0,75 (48 a 70), da mínima 51 (32 a 62) e da máxima 68 (59 a 88). Considerando o peso ideal (10% de peso a menos para cada ponto de ECC acima de 5/9), a média da ingestão energética média foi 71 kcal/kg0,75 (59 a 85), da mínima 61 (35 a 78) e da máxima 83 (77 a 91). Na fase de manutenção, os animais foram acompanhados em média por 134 dias (28 a 388). A média da ingestão energética média foi 70 kcal/kg0,75 (51 a 88), da mínima 65 (46 a 80) e da máxima 73 (56 a 95). A baixa necessidade energética dos cães após perda e durante a fase de manutenção do peso pode ser alerta para que as formulações de alimentos para perda de peso contenham densidade nutricional ainda mais elevada, com foco na saúde, bem estar e qualidade de vida dos cães obesos e seus tutores.

Introdução

a obesidade é definida como o acúmulo excessivo de tecido adiposo que resulta em alterações fisiológicas e, esta não deve ser encarada como situação inofensiva, mas sim como doença de alta prevalência, com graves consequências à saúde e qualidade de vida dos cães (TOLL et al., 2010; MICHEL, 2012; BROOKS et al., 2014; FARCAS; MICHEL, 2016; LARSEN; VILLAVERDE, 2016; CHANDLER et al., 2017; GITTNER et al., 2017). Dados brasileiros, mais especificamente da cidade de São Paulo, apontaram que a prevalência da obesidade canina está em torno de 14,6% (PORSANI et al., 2020).

Para o diagnóstico desta afecção, há algumas metodologias de determinação da composição corporal disponíveis apenas para pesquisas cientificas, com pouca aplicação na rotina clínica, sendo o escore de condição corporal (ECC) o mais aplicável (LAFLAMME, 1997; BROOKS et al., 2014; SANTAROSSA; PARR; VERBRUGGHE, 2017; CLINE et al., 2021).

O tratamento da obesidade é baseado na indução de balanço energético negativo, com foco na restrição da ingestão calórica. A formulação dos alimentos coadjuvantes indicados para tratamento da obesidade deve se basear na estimativa de necessidade energética para perda de peso dos cães, de modo que o animal ingira baixa quantidade de energia, mas com adequado suporte nutricional (BROOKS et al., 2014; GERMAN et al., 2015a; GAYLORD; REMILLARD; SAKER, 2018; OLIVINDO et al., 2022).

Apesar de ser vasta a literatura sobre diferentes aspectos relacionados a obesidade em cães, há poucos estudos que avaliaram a quantidade de calorias necessária para a adequada perda de peso e para a fase de manutenção do peso pós-regime. Assim, o objetivo desse estudo foi levantar dados obtidos na prática clínica sobre o tratamento da obesidade canina, com ênfase à quantidade de calorias necessária para induzir perda de peso em cães e para manter a condição e peso corporais na fase pós-emagrecimento.

Material e Métodos

Este estudo foi conduzido de maneira retrospectiva, por meio da avaliação de registros de cães incluídos em programa de perda de peso na rotina de um hospital veterinário, no período de fevereiro de 2014 a janeiro de 2020. Foram utilizados como critérios de inclusão: cães adultos com ECC > 8 na escala de 9 pontos (LAFLAMME, 1997); sem outras doenças associadas que interferissem na perda de peso e nas variáveis avaliadas neste estudo, como doenças endócrinas (hiperadrenocorticismo e hipotireoidismo), ou pacientes que faziam uso de medicações que alterem o metabolismo ou a saciedade, como fenobarbital e corticoides; que após tratamento tenham alcançado o ECC ideal (4 ou 5/9), dos quais estavam disponíveis as informações relativas ao acompanhamento da perda de peso: peso inicial, peso em cada um dos retornos e ingestão energética.

As variáveis incluídas na avaliação foram: peso inicial (kg, no primeiro atendimento); peso final (kg, menor peso do animal durante o período de acompanhamento); perda de peso (%, relação entre o peso perdido e o peso inicial); dias para alcançar ECC ideal; número de retornos para alcançar ECC ideal (quantidade de atendimentos ao qual o animal foi submetido até o médico- veterinário responsável estipular ECC 5/9); intervalo entre cada retorno (dias); taxa de perda de peso semanal (%, relação entre o peso perdido e peso total do animal no atendimento anterior, calculada de acordo com o número de semanas do período); ingestão energética média para perda de peso (kcal/kg0,75 peso real/dia; a média da quantidade de calorias que o animal ingeriu durante o período de perda de peso); ingestão energética mínima para perda de peso (kcal/kg0,75 peso real/dia, a menor quantidade de calorias que o animal ingeriu durante o período de perda de peso); ingestão energética máxima para perda de peso (kcal/kg0,75 peso real/dia, a maior quantidade de calorias que o animal ingeriu durante o período de perda de peso); ingestão energética média para perda de peso (kcal/kg0,75 peso ideal/dia, a média da quantidade de calorias que o animal ingeriu durante o período de perda de peso, considerando a estimativa de peso ideal); ingestão energética mínima para perda de peso (kcal/kg0,75 peso meta/dia, a menor quantidade de calorias que o animal ingeriu durante o período de perda de peso, considerando a estimativa de peso ideal); ingestão energética máxima para perda de peso (kcal/kg0,75 peso ideal/dia, a maior quantidade de calorias que o animal ingeriu durante o período de perda de peso, considerando a estimativa de peso ideal); ingestão energética média para manutenção do peso após ECC ideal (kcal/kg0,75/dia, a média da quantidade de calorias que o animal ingeriu durante o período de manutenção do peso); ingestão energética mínima para manutenção do peso após ECC ideal (kcal/kg0,75/dia, a menor quantidade de calorias que o animal ingeriu durante o período de manutenção de peso) e ingestão energética máxima para manutenção do peso após ECC ideal (kcal/kg0,75/dia). O peso ideal foi estimado de acordo com o ECC do animal em cada atendimento, considerando 10% a menos de peso para cada ponto de ECC acima de 5/9 (BROOKS et al., 2014). Todos os dados foram apresentados sob a forma de estatística descritiva.

Resultados

no período estipulado, foram atendidos 123 animais acima do peso; 4,9% estavam em ECC 6/9; 25,2% ECC 7/9; 36,6% em 8/9 e 33,3% em 9/9. Do total de 86 cães obesos (ECC > 8/9), 16 foram excluídos por não retornarem após o primeiro atendimento; 40 perderam peso, mas até o período avaliado não tinham alcançado ECC ideal e 14 não perderam pontos no ECC.

Assim, 16 cães foram incluídos na análise (seis em ECC 9/9 e 10 em ECC 8/9), sendo 5 (31,3%) Labradores, 5 sem raça definida, 2 (12,5%) Goldens e 1 (6,3%) representante de cada raça: Cavalier King Charles Spaniel, Lhasa apso, Rottweiller e Yorkshire. A idade média dos animais era 7,0 anos, com variação de 3 a 13 anos. Ao todo eram nove fêmeas castradas (56,3%), três machos castrados (18,8%), dois intactos (12,5%) e uma fêmea intacta (6,3%), de um macho não havia informação sobre a castração no prontuário.

A obesidade foi diagnóstico único de 50% dos cães, enquanto seis animais apresentavam também alterações ortopédicas [doença do disco intervertebral (n=2), luxação patelar (1), displasia no quadril (2) e ruptura do ligamento cruzado cranial (1)], um tinha lipoma e outro cão alterações oftálmicas sob investigação, mas que não o impedia de comer com voracidade.

O regime de emagrecimento foi conduzido em todos os animais com alimentos coadjuvantes indicados para tratamento da obesidade, exceto em um paciente que, por condições financeiras, a perda de peso foi realizada com uso de alimento de manutenção light. Após o término dos regimes, ou seja, após alcançar ECC 5/9, seis cães não mais retornaram. Assim, a avaliação da fase de manutenção pós-regime foi realizada com as informações dos 10 cães que retornaram neste período. Os resultados das variáveis obtidas durante a perda de peso podem ser observados no quadro 1.

Discussão

esse estudo avaliou a evolução da perda de peso de cães obesos. Quando considerado o número total de cães atendidos no período, houve a exclusão de 18,6% por não retornarem após o primeiro atendimento e os outros por não concluírem o processo de perda de peso. Devido ao caráter retrospectivo do estudo, não é possível precisar porque os outros cães não concluíram o tratamento, mas essa alta taxa de exclusão (81%) pode ser reflexo da dificuldade prática de manter os tutores de cães obesos motivados à continuidade do tratamento (GERMAN et al., 2015b; PORSANI et al., 2019). Em estudos prévios, foi demonstrado que cerca de 40% dos cães não concluem o tratamento da obesidade (YAISSLE; HOLLOWAY; BUFFINGTON, 2004; GERMAN et al., 2015b). Isso pode estar relacionado também ao fato de o tratamento da obesidade ser longo. No estudo em questão, houve cães que demoraram mais de 3 anos para atingirem o ECC ideal. Segundo o ‘Guia para manejo do peso de cães e gatos’ (BROOKS et al., 2014; CLINE et al., 2021), a taxa de perda de peso ideal para cães é entre 1,0 a 2,0% por semana. Em uma conta simples, um animal que deve perder 40% do peso, ao atingir a perda máxima de peso semanal, demoraria em torno de 5 meses para concluir o tratamento. Entretanto, nesta análise retrospectiva da perda de peso dos cães e nos estudos encontrados em que foi realizado acompanhamento clínico dos cães de tutores (sem considerar animais de laboratório ou com obesidade induzida), a taxa de perda de peso semanal observada foi inferior a 1,0% (BRUNETTO et al., 2011; GERMAN et al., 2011, 2012, 2015a, 2015b). Alcançar

rápida taxa de perda de peso pode ser algo interessante para, além de concluir em menos tempo o tratamento, motivar o tutor dos cães obesos. Entretanto, para a implementação de maior taxa de perda de peso semanal pode ser necessária maior restrição energética, o que pode culminar em maior dificuldade do tutor em manter o animal saciado e suprir sua necessidade nutricional, além de haver evidencia de que a menor taxa de perda de peso pode ser benéfica para evitar reganho de peso (LAFLAMME; KUHLMAN, 1995).

Quanto a restrição calórica, não há consenso na literatura sobre a melhor forma de expressá-la. O ‘guia de manejo do peso de cães e gatos’ (BROOKS et al., 2014; CLINE et al., 2021) recomenda que, para cães, seja iniciada a restrição calórica com fornecimento de 70 kcal/kg0,75 de peso ideal. Há poucos estudos que mostraram, com dados da prática clínica, qual a quantidade de calorias necessárias para que os cães mantenham a perda de peso até alcançarem o ECC ideal. German et al. (2015) mostraram que os cães precisaram em média de 61 kcal/kg0,75 (44 a 74), com ingestão máxima de 63 (45 a 77) e mínima de 60 (43 a 71 kcal/kg0,75). Nas informações obtidas no presente estudo, houve maior variação entre os dados com animais ingerindo no mínimo 35 kcal/kg0,75 ideal e animais que ingeriram até 91 kcal/kg0,75. Há diversas hipóteses para essa amplitude de variação. O perfil racial, faixa etária, status sexual e nível de atividade física dos cães pode interferir na necessidade energética para perda de peso (BERMINGHAM et al., 2014; GERMAN et al., 2015b, 2015a; VENDRAMINI et al., 2022). Além disso, por mais que haja padronização no atendimento dos cães pela equipe que conduziu os regimes, a conduta é diferente da adotada em estudos prospectivos, ademais a influência do tutor sobre o tratamento é inevitável, com a necessidade da “crença” de que o tutor seguiu as recomendações adequadamente, o que pode ser ainda mais complicado por se tratar de animais acima do peso, em sua maioria glutões e tutores que muitas vezes não compreendem as consequências relacionadas a obesidade e não a identificam nos seus animais (CARCIOFI et al., 2005; GERMAN, 2015; LORIN, 2016; PORSANI et al., 2019; TEIXEIRA et al., 2020).

Em relação a fase de manutenção, os autores não localizaram nenhum estudo nacional que tenha avaliado a necessidade energética de manutenção do peso dos cães após tratamento da obesidade. Após a conclusão da fase de perda de peso, os animais devem continuar sob acompanhamento pois, assim como humanos, há ocorrência de “efeito rebote” ou reganho de peso nos cães (LAFLAMME; KUHLMAN, 1995; GERMAN et al., 2012). No estudo em questão, 62,5% dos cães continuaram o acompanhamento, porém por curto período de tempo, havendo apenas dois animais que realizaram mais de três reavaliações, e apenas quatro animais que realizaram retornos após três meses da finalização da fase de perda de peso. Em estudo prévio de acompanhamento de cães após a perda de peso, o tempo mínimo incluído no estudo foi de quatro meses (GERMAN et al., 2012). Os dados de necessidade calórica para manutenção do peso em estudos ingleses variaram de 57 a 68 kcal/kg0,75 (com variação de 40 a 78), semelhante aos resultados médios do presente trabalho.

O caráter retrospectivo desse estudo gera diversas limitações como o “n” de animais e informações imprecisas quanto a confiabilidade do tutor em seguir as recomendações. Entretanto, isso não inviabiliza os dados encontrados de baixa necessidade calórica dos cães após perda de peso e durante a fase de manutenção, o que pode ser um alerta para que as formulações de alimentos coadjuvantes para perda de peso estejam alinhadas com a importância dos alimentos possuírem densidade nutricional ainda mais elevada, com foco na saúde, bem estar e qualidade de vida dos cães obesos e seus tutores.

Conclusão

diante do exposto, conclui-se que a necessidade energética para perda de peso em cães obesos foi de 48 a 70 kcal/kg0,75 real e de 59 a 85 kcal/kg0,75 ideal, e na fase de manutenção os valores médios variaram de 51 a 88 kcal/kg0,75.

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