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Manejo clínico da constipação crônica em felinos

Médico-veterinários analisando gato
Médico-veterinário analisando gato

Descubra o guia completo sobre constipação crônica em felinos, abordando desde os sintomas e causas até as estratégias terapêuticas mais eficazes. Entenda como a dieta, probióticos e até mesmo a cirurgia podem ajudar a aliviar o desconforto dos felinos.

Archivaldo Reche Junior
Possui graduação em Clínica Cirúrgica Veterinária pela Universidade de São Paulo, mestrado em Clínica Veterinária pela Universidade de São Paulo e doutorado em Clínica Veterinária pela Universidade de São Paulo. Atualmente é professor associado do Departamento de Clinica Médica da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo. Tem experiência na área de Medicina Veterinária, com ênfase em Clínica de felinos, atuando principalmente nos seguintes temas: hipertireoidismo felino, retroviroses e etologia. Sócio-proprietário da Clínica Vetmasters.

Introdução e definição de termos

Constipação

A dificuldade na evacuação ou constipação é uma queixa frequente na clínica de felinos, podendo ocorrer em animais de qualquer faixa etária, sendo mais comum entre os idosos.

O objetivo da presente revisão é detalhar alguns conceitos básicos envolvendo os mecanismos associados à constipação em gatos, seu reconhecimento, identificação das causas e opções de manejo terapêutico do problema.

O termo constipação é utilizado para referir uma dificuldade na evacuação ou diminuição na frequência de eliminação fecal.

Obstipação

Uma variante mais grave da constipação é a obstipação. O paciente em crise de obstipação não consegue evacuar, muitas vezes nem mesmo com auxílio terapêutico.

A disquezia e o tenesmo geralmente são descritas pelos proprietários de gatos com constipação ou obstipação.

Tanto a constipação como a obstipação podem ser causa ou consequência de uma alteração funcional do cólon, denominada de megacólon.

Megacólon

São descritos dois tipos distintos de megacólon em gatos – o megacólon idiopático, onde a dilatação e atonia do cólon não têm uma origem definida; o megacólon hipetrófico, talvez menos frequente que o idiopático, está associado a uma obstrução mecânica a passagem de fezes na região pélvica, geralmente decorrente de um estreitamento do canal pélvico pós-fratura.

Embora o megacólon hipertrófico possa ser revertido após correção do estreitamento pélvico, se essa correção demorar a ser feita, poderá ocorrer uma dilatação e atonia definitivas do cólon.

Classificação

A classificação da constipação/obstipação pode ser temporal, ou seja, aguda ou crônica.

Usualmente, a constipação aguda tem resolução espontânea e está associada a alguma mudança na dieta ou no manejo higiênico do paciente, p.e. dietas ricas em carboidratos e proteína são altamente constipantes, a correção ou balanceamento da dieta elimina o problema sem maiores intervenções.

As causas crônicas de constipação devem ser pesquisadas e corrigidas, sempre que possível.

Recentemente, aventou-se a possibilidade de que a constipação em pacientes humanos possa estar associada a um desequilíbrio no microbioma intestinal.

Em gatos com constipação crônica, a utilização de probióticos resultou em um controle mais efetivo da retenção fecal e diminuição da necessidade de laxantes ou procinéticos, no entanto, esses resultados são preliminares e outros estudos são necessários para confirmar tal eficácia.

Ocorrência

Infelizmente não existem dados na literatura veterinária referentes à ocorrência de constipação/obstipação em felinos, uma vez que a grande maioria dos trabalhos sobre constipação nessa espécie, avaliou apenas a ocorrência do megacólon.

Sabendo-se que o megacólon é apenas uma das possíveis causas de constipação/obstipação em gatos, pressupõe-se que a frequência de constipação descrita nesses trabalhos esteja subestimada.

Não parece existir predisposição à constipação em relação a idade, sexo ou raça, embora alguns estudos apontem os gatos machos e os siameses como mais predispostos a constipação e megacólon.

Em um levantamento realizado em uma clínica de felinos na cidade de São Paulo no ano de 2017, onde foram atendidos um total 8040 gatos, 2340 desses gatos apresentavam alguma afecção do sistema digestório, sendo que 876 (2,7%) deles tinham como uma das manifestações clínicas no momento da consulta a constipação/obstipação.

Nesse mesmo levantamento, 539 (61%) gatos eram machos, com idade média de 9,5 ± 7,3 anos, sendo que o gato mais jovem com constipação tinha dois meses de idade, era um gato com hipotireoidismo congênito e o gato mais idoso tinha 21 anos de idade (dados não publicados).

Na tabela a seguir, estão descritos alguns fatores de risco para a constipação e megacólon em gatos.

Fatores de risco para constipação e megacólon em gatos – ocorrência

 

Doenças na medula óssea – coluna sacro-coccígea:

Degenerativas – osteoartroses – frequente

Traumática – retenção de fezes e urina, atonia de cauda e relaxamento de esfincter anal – bastante frequente

Infecciosas – discoespondilite – pouco frequente

Congênita – deformidade sacro-coccígea do gato da raça Manx – frequente

Doenças degenerativas neuro-musculares:

Megacólon idiopático – frequente

Disfunção do sistema nervoso autonômico – pouco frequente

Doenças metabólicas:

doença renal crônica – hipopotassemia – muito frequente – gatos idosos

hipotireoidismo congênito – pouco frequente, mas a constipação é a principal manifestação clínica

Hipotireoidismo adquirido – frequente, pós-tratamento de hipertireoidismo, mas a constipação é menos comum do que na forma congênita

Obesidade – frequente

Hiperparatireoidismo secundário nutricional – pouco frequente

Causas obstrutivas:

Fratura pélvica – frequente

Tumores em reto ou ânus – pouco frequente

Granuloma fúngico em reto – pouco frequente

Corpo estranho (tricobezoar, linear etc.) – pouco frequente

Hérnia perineal – pouco frequente

Divertículo retal – pouco frequente

Causas inflamatórias:

Proctite – pouco frequente

inflamação e fístulas ad anais – frequente em siameses

Causas farmacológicas:

Uso de agonistas opióides, antagonistas colinérgicos e sulfato de bário – frequente

Manejo inadequado:

Alimentar – dieta pobre em fibras e rica em proteína e carboidratos – muito frequente

Recusa em usar o granulado sanitário – frequente

Número de caixas sanitárias insuficiente ou acesso restrito a caixa sanitária – frequente

Mudança de ambiente/hospitalização – frequente

Manifestações clínicas

A constipação crônica corresponde à maioria dos atendimentos realizados na clínica de felinos com distúrbios de evacuação. Esses pacientes demonstram interesse e buscam a caixa para evacuar, se posicionam, mas não conseguem eliminar o conteúdo fecal ou a eliminação é apenas parcial.

Alguns gatos têm náuseas e vomitam no esforço da evacuação. Se a eliminação de fezes ocorre de maneira parcial, esses gatos raramente terão alguma outra manifestação clínica significativa, no entanto, aqueles gatos com obstipação, além do vômito, podem deixar de comer e se mostrar apáticos.

Dependendo da causa da constipação, outros sintomas estarão presentes também, p.e., os gatos com doença renal crônica e hipopotassemia secundária, também demonstrarão sintomas clássicos da enfermidade renal, como poliúria, polidipsia, diminuição do apetite, perda de peso e fraqueza muscular – decorrente da miopatia hipopotassêmica.

Os gatos com lesão traumática sacro-coccígea, alem da constipação, poderão ter incontinência urinária secundária a atonia de bexiga.

Portanto, um exame clínico detalhado pode ajudar a elucidar a causa da constipação, além de oferecer subsídios para uma estratégia terapêutica eficaz.

Exame físico do paciente com constipação

O exame físico do paciente com constipação deve seguir a sequência semiológica normal.

A palpação abdominal deve revelar presença de fezes ressecadas em cólon. A hidratação do paciente deve ser cuidadosamente avaliada, uma vez que os gatos desidratados têm maior predisposição para constipação.

Se houver no histórico do paciente a possibilidade de fratura antiga de coxal, recomenda-se o toque retal para avaliação de estreitamento de canal pélvico que possa ter contribuído para a retenção de fezes e desenvolvimento de megacólon secundário.

O toque retal também pode ajudar a identificar tumores localizados em reto ou no canal pélvico, além de divertículos de reto que possam, eventualmente, dificultar a evacuação e contribuir para a constipação.

Os gatos com fratura ou luxação sacro-coccígea podem ter paralisia de cauda e relaxamento de esfíncter anal, além da atonia de cólon – com provável retenção fecal e atonia de bexiga.

Avaliação das glândulas ad-anais, principalmente em siameses e descendentes, pode revelar inflamação e impactação das mesmas, sendo essa uma causa comum de constipação e obstipação em gatos.

Em gatos idosos, o exame neurológico também pode apontar para alterações dolorosas em coluna lombo-sacral, associadas às doenças degenerativas articulares, comuns em gatos acima de 10 anos de idade, que por sua vez, também podem contribuir em maior ou menor grau para a constipação.

A avaliação da postura e reflexos do gato durante o exame físico é importante para descartar a miopatia hipopotassêmica, que também pode ser causa de retenção fecal em gatos.

Diagnóstico

Alguns pontos devem ser destacados, de acordo com a faixa etária do paciente.

Filhotes de gatos, com retardo de crescimento, em relação aos irmãos de ninhada e constipação, deve-se suspeitar de hipotireoidismo congênito, nesse caso, indica-se às mensurações séricas de TSH e T4 total para a confirmação do diagnóstico.

Nos gatos idosos, com diagnóstico de doença renal crônica e constipação, deve-se avaliar a hidratação e o nível sérico de potássio, uma vez que tanto a desidratação como a hipopotassemia são fatores determinantes de constipação em gatos.

O exame radiográfico pode ser de grande valor diagnóstico, não só na confirmação da constipação e do megacólon, como na identificação de possíveis fatores relacionados a causa da constipação, p.e., fraturas antigas de coxal com estreitamento do canal pélvico, lesões degenerativas em coluna lombo-sacral ou sacro-coccígea.

O megacólon é confirmado quando o exame radiográfico, em projeção lateral, evidencia um cólon com diâmetro 1,5 vezes maior que o tamanho da sétima vértebra lombar.

RX Megacólon

O exame ultrassonográfico também pode ajudar a identificar causas da constipação, principalmente tumores intra-pélvicos, extra-luminais, que estejam comprimindo o reto e causando constipação e tenesmo.

No caso de tumores intra-luminais, a colonoscopia seria mais indicada, não só para a identificação da formação tumoral, mas também para a coleta de material para análise histológica.

Tratamento e prevenção da constipação

O tratamento da constipação e obstipação em gatos tem como objetivo promover evacuações frequentes, o mais próximo possível da normalidade e que o ato da evacuação não seja acompanhado de nenhum tipo de desconforto ao paciente.

Para tanto, a abordagem terapêutica desses pacientes depende da gravidade e grau de constipação. A imagem a seguir, ilustra a conduta escolhida, de acordo com a intensidade ou dificuldade que o gato encontra para evacuar.

Didaticamente, vamos classificar a constipação em três graus, leve, moderada e grave. As condutas empregadas para cada paciente, estarão diretamente relacionadas ao grau de constipação apresentado.

Manejo do gato constipado segundo o grau de constipação

O paciente com constipação leve, consegue evacuar, de maneira mais espaçada, mas consegue evacuar pelo menos duas vezes por semana, com ou sem ajuda terapêutica.

Esse paciente, na maior parte das vezes, se beneficia de uma dieta adequada e uso de procinéticos ou laxantes, eventualmente o tutor pode fazer uso de supositórios.

O paciente com constipação moderada, consegue evacuar apenas com auxílio terapêutico como laxantes e procinéticos. Os enemas são realizados com bastante frequência. Para esses pacientes, a dieta adequada também é primordial.

O paciente com constipação grave ou obstipação, não consegue evacuar, nem mesmo com auxílio de laxantes, procinéticos e nem mesmo enemas. Para esse tipo de paciente, indica-se intervenção cirúrgica – colectomia subtotal.

Cirurgia-Colectomia

A colectomia deve ser indicada apenas nos casos mais graves de constipação, quando as terapias conservadoras já não surtem mais qualquer efeito.

São descritas duas técnicas de colectomia para gatos, a total, onde é removida a válvula íleo-ceco-cólica e a subtotal, onde há preservação da válvula.

Estudos comparando a eficácia e complicações das duas técnicas demonstram que a preservação da válvula diminui a ocorrência de diarreia persistente, portanto, sempre que possível a válvula deve ser preservada.

Recomenda-se utilização de antibiótico cerca de cinco dias antes da intervenção e sua manutenção por até dez dias após a cirurgia, isso ajudaria a diminuir o risco de complicações no pós-operatório.

Os gatos submetidos a colectomia subtotal apresentam diarreia nas duas primeiras semanas pós cirurgia com melhora significativa após esse período. A hematoquezia também pode estar presente no pós-operatório imediato.

Esses gatos passam a evacuar duas a três vezes por dia, fezes com formato normal e consistência pastosa, não sendo mais indicado a utilização de laxantes, procinéticos ou enemas.

Uso de probióticos no controle da constipação em gatos

Em medicina humana, os probióticos têm sido empregados no controle das doenças gastrintestinais, dentre elas, a constipação crônica.

Evidências indicam que os pacientes humanos com constipação tenham um desbalanço no microbioma intestinal (disbiose intestinal) e que a utilização de probióticos contendo cepas de Bifidobacterium e Lactobacillus ajudariam a diminuir o pH do cólon, favorecendo o peristaltismo e diminuição do tempo de trânsito fecal no cólon.

Os gatos com doença renal crônica têm uma diminuição da diversidade do microbioma intestinal, que aliada a desidratação e hipopotassemia, contribui para a constipação observada nesses pacientes.

Os probióticos têm sido empregados em medicina veterinária no tratamento das gastroenterites agudas e na doença intestinal inflamatória.

A utilização de probióticos no controle da constipação crônica em gatos, associada ou não ao megacólon, foi avaliada em estudo recente, onde os achados evidenciaram, não só melhora clínica, mas também diminuição da inflamação do cólon.

Portanto, a utilização dos probióticos no tratamento da constipação em gatos parece ter um futuro promissor.

Dieta para o paciente com constipação

Gato tomando água

A dieta exerce um papel muito importante no controle e prevenção da constipação em gatos.

Uma prática comum no manejo dos gatos com constipação crônica é empregar uma dieta rica em fibras insolúveis, sendo as dietas coadjuvantes para controle da obesidade as mais adequadas para esse fim.

Dietas ricas em fibras solúveis, como psyllium, também já foram testadas em gatos com constipação crônica com resultados promissores, embora mais estudos sejam necessários para comprovar a eficácia da adição de fibras solúveis nesse contexto.

As dietas úmidas também podem ajudar no controle da constipação em gatos, uma vez que a ingestão desse tipo de dieta pode resultar em um aporte maior de água e manutenção de uma hidratação normal.

Estimular o gato a ingerir mais água é outra maneira importante para tentar manter esses gatos hidratados e não incorrer em novas crises de constipação.

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