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Redução de peso e instituição de dieta de exclusão para controle de hipersensibilidade alimentar em cão – Relato de caso

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Autor(a): Bruna Pereira Gonçalves

Orientador(a): Mário dos Santos Filho

Instituição: Universidade de Vassouras

Trabalho Aprovado na 7ª Edição (2021) do Prêmio de Pesquisa PremieRpet®.

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Índice

Resumo

A hipersensibilidade alimentar é classificada como uma reação adversa do organismo aos alimentos, de forma que o animal desenvolve resposta alérgica. Alterações dermatológicas são as de maior impacto e incômodos aos tutores. Alterações da pele como malasseziose e piodermite bacteriana são relevantes durante o estabelecimento do diagnóstico. Um dos testes utilizados para diagnóstico é o de exclusão alimentar, com o intuito de fornecer alimentos dos quais o animal nunca teve contato anteriormente, sendo que o diagnóstico positivo é estabelecido nos casos em que ocorre melhora sintomática, com posterior recidiva nos casos de exposição provocativa. Diante disto, o objetivo do presente trabalho é relatar o caso clínico de um paciente canino com alterações dermatológicas e metabólicas, decorrentes de hipersensibilidade alimentar. Relata-se o caso de hipersensibilidade alimentar em um paciente canino com queixa de prurido e hipotricose, regiões alopécicas na região lombar e sacral, e hiperpigmentação, de forma que o diagnóstico foi estabelecido por meio da introdução de alimentação natural, de forma exclusiva, com melhora do quadro, e posterior piora após a reintrodução da alimentação comercial. Desta forma, a alimentação natural, baseada no teste de exclusão alimentar, constitui uma medida eficaz para reduzir o quadro de hipersensibilidade do paciente, associada a outras terapias complementares, como o tratamento tópico para as lesões de pele, e perda de peso, para os quadros de doenças metabólicas associadas.

Introdução

A hipersensibilidade alimentar é classificada como uma reação adversa do organismo aos alimentos, de forma que o animal desenvolve resposta alérgica. A fisiopatologia da hipersensibilidade alimentar ainda não está bem elucidada. Contudo, de acordo com Gross et al. (2005) acredita-se que haja envolvimento das reações de hipersensibilidade dos tipos I, III e IV, e que as fontes proteicas e de carboidratos sejam os principais agentes alergênicos encontrados na alimentação.

As alterações dermatológicas são as de maior impacto e incômodos aos tutores, justamente pela questão estética e de fácil percepção (SALZO, 2009). As regiões mais acometidas são áreas glabras ou com menor cobertura de pelagem, provocando eritema e outras lesões como erupção papular e lesões secundárias por automutilação (MEDLEAU; HNILICA, 2009).

A malasseziose e piodermite bacteriana podem ser secundárias à alergia alimentar ou utilizadas como diagnóstico diferencial para outras formas de manifestações dermatológicas. Para o diagnóstico de hipersensibilidade alimentar os testes utilizados são a biópsia de pele, testes intradérmicos e/ou a exclusão alimentar, tendo este último o intuito de fornecer alimentos dos quais o animal nunca teve contato anteriormente, sendo que o diagnóstico positivo é estabelecido nos casos em que ocorre melhora sintomática, com posterior recidiva nos casos de exposição provocativa (HNILICA, 2012).

Outro fator de grande impacto na rotina clínica é a obesidade, que pode contribuir para o desenvolvimento de diferentes alterações no organismo, dentre elas as dermatológicas. A manutenção do peso corporal ideal é fator determinante para a saúde, bem-estar e qualidade de vida, de forma que o desequilíbrio entre a ingestão calórica e a atividade física contribui para o ganho de peso (APTEKMANN et al., 2014). Muitos estudos associam a obesidade, de forma direta e indireta para ocorrência de hipersensibilidade alimentar, seja pelo ganho calórico dos alimentos desbalanceados, seja pelo tipo de nutriente que pode desencadear a reação de hipersensibilidade (JERICÓ, 2009).

Desta forma, levando em consideração o aumento dos casos descritos de diagnóstico de hipersensibilidade alimentar, bem como o crescimento de cães obesos e o aumento do índice de preocupação dos tutores acerca da alimentação e bem-estar, objetivamos relatar um caso clínico de um cão com alterações dermatológicas e metabólicas, onde procedeu-se a dieta de exclusão para obtenção do diagnóstico de hipersensibilidade alimentar.

Relato de Caso

Os dados apresentados neste relato foram autorizados pela tutora do paciente, para fins de divulgação científica e acadêmica, que os disponibilizou por meio de assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Foi atendido, em uma clínica veterinária do município de Oculto para Avaliação, um paciente canino, macho, sem raça definida (SRD), com peso de 8,1 kg, 5 anos, não castrado, com queixa de queda de pelos e lambeduras constantes em patas, alopecia em região lombo-sacra, quadros de otites reincidentes e diarreia.

Ao exame físico o animal apresentou visível apatia, cansaço e taquipneia, com temperatura retal de 38,5°C (ref.: 37,5°C-39,2°C) e tempo de preenchimento capilar de 2 segundos (ref.: até 3 segundos). A frequência cardíaca estava em 120 bpm (batimentos por minuto) (ref.: 80-120 bpm) e frequência respiratória em 25 mpm (movimentos respiratórios por minuto) (ref.: 10-40 mrm), estando dentro dos parâmetros de normalidade. A ausculta cardíaca apresentava-se sem alteração, enquanto a ausculta respiratória evidenciou ruídos descontínuos, e intervalos curtos entre e expiração e inspiração. À palpação, não foram encontradas alterações dignas de nota. Realizou-se, então, o reflexo otopodal, que foi positivo. Por meio destes achados do exame clínico, principalmente relacionada ao excesso de peso e lesões alopécicas e hiperêmicas em região dorsal, a suspeita inicial foi de possível alteração endócrina.

Após os dados obtidos por meio do exame clínico, procedeu-se a coleta de sangue, com avaliação do hemograma, bioquímicas séricas renais e hepáticas, dosagem de glicemia e colesterol total. A dosagem de hormônios também foi realizada, com avaliação de tiroxina basal (T4) e hormônio estimulante da tireoide (TSH, do inglês, Thyroid-Stimulating Hormone) e dosagem de cortisol total, para diagnóstico diferencial de endocrinopatias. Algumas alterações se fizeram presentes, como T4 de 1mcg/dL (ref.: 1,2-4,3 mcg/dL), TSH de 0,33 ng/ml (ref.: 0,01-0,58 ng/ml), cortisol total de 6,9 mcg/dL (ref.: 1-4 mcg/dL), glicose de 128mg/dL (ref.: 60-110 mg/dL), colesterol total de 223 mg/dL (ref.: 125-270 mg/dL), fosfatase alcalina de 19 UI/L (ref.: 20-156 UI/L), sem demais alterações em bioquímicas renais e hepáticas.

Como forma de complementar a avaliação clínica, realizou-se o raspado cutâneo das regiões afetadas, tendo como resultado, ao panótico rápido, a visualização de leveduras com morfologia condizentes de Malassezia spp. Células regenerativas e inflamatórias também foram visualizadas ao exame citológico, indicando possível piodermite concomitante, o que poderia justificar a queda de pelo nestes locais e a lambedura, pelo desconforto decorrente do prurido. Devido a queixa de otite recorrente, foi realizada citologia otológica, com visualização, em microscopia, de formas leveduriformes, com gemulação unipolar, sugerindo novamente a presença de Malassezia spp.

Como tratamento, foi prescrita dieta de exclusão, simultaneamente associada ao tratamento tópico, objetivando descartar possíveis causas alérgicas à ração, bem como promover a perda de peso gradual e a melhora do quadro dermatológico. Desta forma, o paciente passou a se alimentar de ingredientes naturais balanceados, com a proporção de 35% de proteína suína e/ou pescado, 30% de vegetais e 35% de carboidratos, totalizando 345 g totais, distribuídas em 2 refeições diárias, calculadas de forma rigorosa em balança. O tratamento tópico prescrito foi baseado na utilização de shampoo a base de clorexidina 3%, semanalmente, e loção a base de clorexidina 3%, 3 vezes na semana para controle da piodermite. Foi instituída também uso de solução otológica a base de clorexidina, 2 vezes na semana, para controle da otite.

Passados dois meses após o início do tratamento, o paciente foi submetido a outra pesagem e realização de novos exames. Neste momento, o peso corpóreo encontrava-se em 5,3 kg, evidenciando assim perda de 2,8 kg desde o início do tratamento, ficando com escore de condição corporal (ECC) de escala 5 (Escala 1 a 9, segundo Laflamme, 1997), estando dentro do ideal para o porte. Ainda durante esta reavaliação, foi reportado a cessação da diarreia, ocorreu a diminuição das lesões e do prurido, com crescimento de pelos nas regiões antes relatadas em hipotricose e alopecias (Figura 1), além da melhora na disposição para atividades físicas. O padrão respiratório não se apresentava mais em taquipneia, evidenciando melhora visual do padrão respiratório, confirmado por meio ausculta que revelou atenuação dos ruídos pulmonares.

Ao reavaliar os exames laboratoriais, ocorreu a normalização dos níveis dosados de glicose, com 105 mg/dL (ref.: 60-110 mg/dL). De forma a realização do diagnóstico por exclusão, neste momento, foi instituída a reintrodução da alimentação convencional, a base de ração comercial, ocorrendo piora notável da pele do paciente após dois dias da introdução alimentar, evidenciando, assim, a hipersensibilidade alimentar.

Diante disso, foi indicado para uso contínuo a utilização de ração e/ou alimentação natural antes descrita (sendo esta a opção da tutora). Hoje, o paciente encontra-se estável, com controle do peso e sem manifestação das lesões ora mencionadas (Figura 1A e 1B).

Figura 1A-B: Imagens comparativas, antes e após instituição de dieta de exclusão, evidenciando a diminuição da hiperemia e crescimento de pelos na região afetada (lombo-sacra), com intervalo de 42 dias. Fonte: Arquivo Pessoal, 2020.

Discussão

A suspeita de alteração hormonal se fez presente por todas alterações descritas do sistema tegumentar, aliada ao sobrepeso (VARALLO et al., 2014; KENNEDY et al., 2006). Entretanto, foi descartada devido a associação dos resultados laboratoriais que eram incompatíveis com o esperado nessas afecções, como valores borderline e isolados, quando na comparação e interpretação entre si. A hipercolesterolemia, por exemplo, ocorre em mais de 50% dos animais (KOOISTRA; RIJNBERK, 2010). Contudo, no caso relatado os níveis de colesterol encontravam-se normais. Outro achado importante, a anemia normocítica normocrômica e elevação da fosfatase alcalina são comumente descritas nos casos de endocrinopatias (NELSON; COUTO, 2006), o que vai contrário aos achados laboratoriais deste animal. O T4 e TSH não possuíam alterações significativas e que corroborassem para possível alteração da tireoide levando-se em consideração, principalmente, as flutuações dos níveis deste hormônio ao longo do dia, decorrente do ciclo circadiano (CRUZ, 2015).

O aumento do nível de cortisol sérico e glicemia do paciente sugerem a ocorrência de estresse do transporte do paciente até a clínica, e na manipulação durante a coleta de sangue, justificando o aumento do cortisol e influência no resultado glicêmico, assim como descrito por Silva et al. (2008), e posteriormente comprovado por meio da segunda coleta que foi realizada na residência do paciente, obtendo-se resultados normais.

Alterações como alopecias, descamações, oleosidade e otopatias, bem como a própria malasseziose podem se relacionar com a obesidade, uma vez que o tecido adiposo possui grande influência na liberação de substância pró- inflamatórias, com consequente redução da perfusão sanguínea, favorecendo a baixa eficácia do sistema imune na pele, desencadeando a formação de ambiente propício para proliferação de agentes oportunistas locais (DEBASTIANI, 2018).

As alterações cardiovasculares e respiratórias presentes foram atenuadas, ou revertidas, uma vez que a complacência pulmonar poderia estar influenciada e limitada por conta do excesso de tecido adiposo (FILHO et al., 2019). Ainda, a melhora dos ruídos remetem redução da pressão no ciclo respiratório, uma vez que o tecido adiposo adjacente as vias aéreas anteriores, podem influenciar diretamente ao fluxo respiratório, mudando de laminar para turbilhonar, traduzindo-se em ruídos contínuos e descontínuos durante a ausculta, conforme evidenciado no primeiro atendimento (PELOSI et al., 2013).

Observando a necessidade do diagnóstico terapêutico, uma das formas de detectar a hipersensibilidade alimentar é por meio da exclusão de alguns ingredientes, com a posterior exposição provocativa (MEDLEAU; HNILICA, 2012), como ocorreu no paciente em questão. As proteínas presentes na alimentação podem ser classificadas como potencialmente alergênicas, uma vez que o sistema imune pode reconhecê-las como componentes estranhos ao organismo (FERNANDES, 2005). O processamento desses ingredientes é um dos maiores incriminados nos quadros alérgicos, de forma a reduzir a digestibilidade, ocorrendo a absorção dos nutrientes de forma intacta através da mucosa intestinal, desencadeando a reação imunológica (NASCENTE et al., 2006), predispondo a ocorrência de diarreias e indisposições intestinais, como o ocorrido.

Desta forma, a dieta baseou-se na exclusão de fontes proteicas processadas, colaborando de forma direta para a redução da resposta de hipersensibilidade (COLIN, 2005). As rações comerciais terapêuticas se mostram práticas, e com resultados satisfatórios, não somente para o diagnóstico, mas também para o tratamento da hipersensibilidade alimentar (HARVEY; HALL, 2009). Entretanto, levando-se em conta a demanda do mercado para novas tendências do uso de alimentação natural, esta se faz uma boa opção, com boa aceitação pelos tutores e pacientes, mas requer atenção e dedicação para seu preparo, sem extrapolar o valor energético antes calculado (COLIN, 2005).

Com essa substituição e diante da quantidade ingerida estabelecida, houve redução do balanço energético, favorecendo a perda de peso em 34%, valores percentuais melhores do estabelecido por Filho et al. (2019), com uso de ração terapêutica, em intervalo de tempo semelhante.

A hipersensibilidade alimentar deve ser incluída na listagem de diagnósticos diferenciais para alterações intestinais e dermatológicas, uma vez que estudos já comprovam a sua ocorrência em um número significativo de animais (COLIN, 2005; FERNANDES, 2005; JERICÓ et al., 2009).

Desta forma, no presente relato, pode inferir que o bem-estar dos pacientes devem sem estabelecidos de forma multifatorial, evidenciando a melhora estabelecida por meio do manejo, não somente quanto a redução da hipersensibilidade, mas também na resposta quanto ao controle do peso.

Conclusão

Por meio dos achados apresentados neste relato e a aplicação do teste de exclusão, pode-se concluir que uma forma viável de controle da hipersensibilidade alimentar é a instituição de manejo nutricional adequado, levando em conta não somente os aspectos de quantidade e valor energético, mas de sua composição base, utilizando a alimentação natural como alternativa às eficazes rações terapêuticas, para prover controle de peso e melhora dos sinais clínicos apresentados.

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