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Síndrome Hepatocutânea – revisão de literatura

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Autor(a): Alana Marques dos Santos

Orientador(a): Paulo Sergio Salzo

Instituição: Universidade São Judas Tadeu

Trabalho Classificado na 9ª Edição (2023) do Prêmio de Pesquisa PremieRpet®.

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Índice

Resumo

A síndrome hepatocutânea (SHC), também conhecida por eritema necrolítico migratório (ENM), necrose epidérmica metabólica (NEM) e ainda dermatite necrolítica superficial (DNS); é uma doença rara geralmente relacionada a um tumor hepático ou pancreático, disfunção hepática ou má absorção de nutrientes devido a algum acometimento gastrointestinal. As lesões dermatológicas características se apresentam hiperqueratóticas, eritematosas e crostosas em região de coxins plantares, focinho, região periorbital e perianal, junções mucocutâneas e em pontos de pressão. O diagnóstico se dá por meio de uma abordagem multimodal que inclui análise bioquímica sérica, mensuração de aminoácidos, alterações hepáticas na ultrassonografia e histopatologia, contribuindo para um diagnóstico mais assertivo. O diagnóstico diferencial deve ser realizado para outras dermatopatias, tais como, demodiciose, dermatofitose, foliculite bacteriana, necrólise epidérmica tóxica, lúpus eritematoso sistêmico, pênfigo foliáceo e dermatite por contato. O tratamento é paliativo, valendo-se da administração parenteral de aminoácidos, suplementação com zinco, ácidos graxos ômega-3, bem como analgésicos e antibióticos caso haja uma infecção secundária, no intuito de melhorar a qualidade de vida e aumentar a sobrevida do paciente.

Palavras-chave: síndrome hepatocutânea, dermatologia, aminoácidos

Introdução

A síndrome hepatocutânea (SHC) é uma doença rara geralmente relacionada a um tumor hepático ou pancreático, disfunção hepática ou má absorção de nutrientes devido a algum acometimento gastrointestinal (DOERR, 2022). Tal doença, relacionada a tumores acometendo estes órgãos, foi relatada pela primeira vez em humanos em 1942 e foi denominada como eritema necrolítico migatório (ENM) (ALMENDROS; SANDY; KIRBERGER, 2019)

Em seres humanos, o quadro cutâneo é considerado um marcador cutâneo para tumores em ilhotas pancreáticas produtoras de glucagon (glucagonoma). No entanto, apenas uma pequena proporção de animais com lesões características de dermatite necrolítica superficial (DNS) possuem glucagonoma; sendo a maioria com acometimento hepático (CAMPBELL, 2017). Essas circunstâncias geram hiperglucagonemia e hipoaminocidemia, que desencadeia degeneração nos queratinócitos (DOERR, 2022).

O tratamento abrange o manejo da doença sistêmica subjacente, terapia de suporte e terapia para infecções secundárias (DOERR, 2022); assim, é importante o amplo oferecimento de aminoácidos, pois a doença está associada à deficiência destes; a suplementação com zinco e ácidos graxos bem como uma dieta rica em proteínas, buscando melhorar a qualidade de vida e aumentar a sobrevida do paciente (WATSON, 2017).

O presente trabalho tem como objetivo uma revisão de literatura sobre como a nutrição pode auxiliar na terapia de uma dermatose bem como, mencionar a pele como importante marcador de doenças internas.

Desenvolvimento

A SHC é uma hepatopatia incomum em que as lesões cutâneas aparecem em conjunto com a doença hepática, considerada secundária a uma doença metabólica subjacente, levando a uma deficiência de aminoácidos (WATSON, 2017); embora a patogênese exata ainda necessite ser esclarecida (ALMENDROS; SANDY; KIRBERGER, 2019). A hipoaminocidemia resulta em uma degeneração dos queratinócitos (DOERR, 2022), como resultado da falta de nutrientes adequados para manter uma epiderme saudável. As lesões aparecem em conjunto com a hepatopatia, mas também podem indicar esta disfunção hepática ou pancreática (MCEWEN, 1994), assim como é percebido em seres humanos (DOERR, 2022).

Nos seres humanos, considera-se que as lesões de ENM sejam resultado dos efeitos catabólicos do glucagon, gerando hipoaminocidemia (BYRNE, 1999).

Embora esta síndrome em cães tenha como causa frequente uma disfunção hepática, existem alguns casos que nenhum problema subjacente exato possa ser encontrado (DOERR, 2022).

Apresentação clínica

Os pacientes são particularmente mais velhos, de aproximadamente 4 a 16 anos, com uma variação de 1 ano (BYRNE, 1999; WATSON, 2017). Embora não haja predisposição de gênero, estudos demonstram que machos representam a maioria dos casos (BYRNE, 1999; WATSON, 2017; ALMENDROS; SANDY; KIRBERGER, 2019).

Os animais afetados geralmente apresentam lesões hiperqueratóticas, eritematosas e crostosas em região de coxins plantares (Fig.1), focinho, região periorbital (Fig.2) e perianal, junções mucocutâneas (Fig.3) e em pontos de pressão (WATSON, 2017; DOERR, 2022; NAM et al., 2017; BYRNE, 1999; BACH; GLASSER, 2013; MCEWEN, 1994; ALMENDROS; SANDY; KIRBERGER, 2019); as erosões também podem ser vistas em cavidade oral, sendo este um dos motivos da diminuição do apetite (DOERR, 2022). As lesões comumente desenvolvem fissuras (WATSON, 2017) e o animal pode claudicar devido as lesões dolorosas nas patas e/ou infecção secundária (NAM et al., 2017; DOERR, 2022). O paciente também pode apresentar sintomas sistêmicos, tais como letargia, poliúria, polidipsia e inapetência (DOERR, 2022).

Crostas hiperqueratóticas em região de coxim palmar. Fonte: arquivo pessoal
Figura 1 - Crostas hiperqueratóticas em região de coxim palmar. Fonte: arquivo pessoal
Crostas hiperqueratóticas periorbital, região de plano nasal e lesões ulcerativas faciais. Fonte: Larsson, 1993
Figura 2 - Crostas hiperqueratóticas periorbital, região de plano nasal e lesões ulcerativas faciais. Fonte: Larsson, 1993
Crostas hiperqueratóticas perilabiais e alopecia em região periorbital. Fonte: arquivo pessoal.
Figura 3 - Crostas hiperqueratóticas perilabiais e alopecia em região periorbital. Fonte: arquivo pessoal.

A ENM é percebida em aproximadamente 70-90% dos pacientes humanos diagnosticados com glucagonoma (LI et al., 2022). As lesões características da ENM se apresentam eritematosas e pruriginosas, seguidas de necrose e crostas no centro da lesão, com aparecimento de bolhas que progridem para ulceração, crostas e descamação, e que cicatrizam com hiperpigmentação (HE et al.; 2021), em geral de forma disseminada, principalmente em tronco, região do tórax, extremidades e períneo (LI et al., 2022).

Diagnóstico

O diagnóstico precoce é essencial e através de uma abordagem diagnóstica multimodal por meio da análise de sangue, mensuração de aminoácidos, alterações hepáticas na ultrassonografia e histopatologia, em conjunto corroboram para um diagnóstico mais assertivo (ALMENDROS; SANDY; KIRBERGER, 2019).

Em relação as lesões, outros diagnósticos diferenciais devem ser descartados antes de cogitar a SHC, tais como: demodiciose, dermatofitose, foliculite bacteriana, necrólise epidérmica tóxica, lúpus eritematoso sistêmico, pênfigo foliáceo e dermatite por contato; através de um correto exame físico, exames laboratoriais e achados histopatológicos (BYRNE, 1999).

As biópsias de pele expõem uma hiperceratose com edema e hiperplasia da epiderme, que coradas com hematoxilina e eosina, possuem uma aparência de “vermelho, branco e azul” (Fig. 4) (NAM et al., 2017; BYRNE, 1999; ALMENDROS; SANDY; KIRBERGER, 2019; WATSON, 2017). O vermelho representa a hiperceratose, o branco revela a vacuolização/edema dos queratinócitos e o azul evidencia a hiperplasia da epiderme (DOERR, 2022).

Síndrome Hepatocutânea. Coloração por hematoxilina e eosina. Lesões com característico padrão “vermelho, branco e azul”, que correspondem a uma camada de hiperceratose (vermelho), vacuolização/edema dos queratinócitos (branco) e hiperplasia da epiderme (azul). Fonte: SANTOS; ALESSI, 2016.
Figura 4 - Síndrome Hepatocutânea. Coloração por hematoxilina e eosina. Lesões com característico padrão “vermelho, branco e azul”, que correspondem a uma camada de hiperceratose (vermelho), vacuolização/edema dos queratinócitos (branco) e hiperplasia da epiderme (azul). Fonte: SANTOS; ALESSI, 2016.

No exame bioquímico, taxas elevadas de ALP E ALT são frequentes. A mensuração de aminoácidos pode ser requerida, pois pode haver uma redução dos aminoácidos em até 80% (DOERR, 2022). Os animais também podem desenvolver diabetes mellitus (DM) (BYRNE, 1999; WATSON, 2017) sendo visto em 25 e 40% dos casos, em uma fase mais tardia da doença; em seres humanos é suposto que a DM se desenvolva em resposta a resistência à insulina ocasionada pela alta concentração de glucagon. Em animais com concentrações normais de glugacon, a causa da DM não está elucidada (WATSON, 2017).

A ultrassonografia demonstra uma aparência peculiar de “queijo suíço” ou “favo de mel” (WATSON, 2017; DOERR, 2022), que comumente (mas nem sempre) está relacionado a HCS; podendo ser identificado também, tumores hepáticos e pancreáticos (DOERR, 2022). Existe a possibilidade de que alguns animais diagnosticados com SHC pautadas nos achados dermatológicos e alterações nas enzimas hepáticas, possam ter um tumor secretor de glucagon, sendo detectado apenas com celiotomia ou necropsia (BYRNE, 1999).

Tratamento

O tratamento mais eficaz para a SHC é a administração parenteral de aminoácidos (LOFTUS et al., 2021; NAM et al., 2017; BYRNE, 1999; JAFFEY et al., 2020; BACH; GLASSER, 2013); o tratamento de suporte deve incluir a suplementação com zinco, ácidos graxos ômega-3, bem como analgésicos e antibióticos caso haja uma infecção secundária (DOERR, 2022; WATSON, 2017; NAM et al., 2017; LOFTUS et al., 2021; BACH; GLASSER, 2013; JAFFEY et al., 2020). A administração parenteral é a escolhida, pois esta impede que haja metabolização de primeira passagem (DOERR, 2022; JAFFEY et al., 2020). Solução de aminoácidos 10%, aproximadamente 25ml/Kg (ALMENDROS; SANDY; KIRBERGER, 2019). Este tratamento tem como objetivo melhorar a qualidade de vida do animal e aumentar sua sobrevida, atenuando as lesões cutâneas e solucionando a hepatopatia subjacente (NAM et al., 2017); uma vez que, a deficiência de aminoácidos resulta em baixas quantidades de nutrientes requeridos pela epiderme para se manter saudável (MCEWEN, 1994), levando a degeneração dos queratinócitos (DOERR, 2022).

O suporte nutricional deve ser realizado com a introdução de uma dieta contendo proteínas de alta qualidade. Importante ressaltar que não deve ser parte do manejo de animais com encefalopatia hepática (BYRNE, 1999; JAFFEY et al., 2020). Se o animal apresentar um glucagonoma, a cirurgia pode ser realizada e com grandes chances de cura se não houver metástase (DOERR, 2022; CAMPBELL, 2017).

Há relatos da administração de infusão de lipídeos juntamente com os aminoácidos, tendo sido benéfico para o paciente em questão, possivelmente relacionado ao fato de que as infusões são abundantes em ácido linoleico, participante integral na síntese de ceramida da pele; sendo esta importante para a adesão dentro dos queratinócitos (BACH; GLASSER, 2013).

Em seres humanos o tratamento envolve a retirada do tumor e controle dos níveis de glucagon utilizando-se de análogos da somatostatina, assim como a suplementação com aminoácidos, zinco, ácidos graxos essenciais tem êxito no controle das lesões cutâneas (LEE; JANG, 2019; HE et al.; 2021). Muitas vezes o tratamento cirúrgico não é viável, pois cerca de 50% dos pacientes já apresentam metástases hepáticas (HE et al.; 2021).

O prognóstico da HS depende da doença de base; caso a doença hepática esteja em estágio terminal e o tumor seja irressecável, o prognóstico é ruim (DOERR, 2022); tendo os pacientes uma média de 3-6 meses de vida (DOERR, 2022; NAM et al., 2017; WATSON, 2017), mas em casos particulares, animais que realizam este tratamento, podem ter uma sobrevida de 12 anos ou mais após o diagnóstico (NAM et al., 2017; BACH; GLASSER, 2013). Alguns com leves alterações hepáticas, podem viver por muito tempo com suplementação nutricional e tratamento de suporte (DOERR, 2022).

Considerações finais

Este trabalho analisou a síndrome hepatocutânea, uma doença rara que acomete cães e gatos, tendo sido relacionada com hepatopatia na medicina veterinária e com tumor das ilhotas pancreáticas (glucagonoma) em medicina humana.

O diagnóstico precoce é fundamental para um melhor tratamento, visto que pacientes com quadros leves podem viver por muito tempo com a suplementação nutricional e o tratamento de suporte; bem como uma abordagem diagnóstica diversa, buscando primeiramente a exclusão de outras dermatopatias, a partir do momento que estas são descartadas e os achados dermatológicos se apresentam congruentes com a SHC, demais exames devem ser solicitados.

Com um péssimo prognóstico em sua maioria, o tratamento busca melhorar a qualidade de vida do paciente e aumentar sua sobrevida, e assim como o diagnóstico, este se faz por meio de uma ampla abordagem e tem sido benéfico. Relatos de animais submetidos a infusões de aminoácidos e suporte nutricional excederam o tempo de sobrevida; sendo uma boa alternativa para pacientes que são acometidos pela SHC.

Referências

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