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Suporte nutricional de cães e gatos durante o internamento

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Autor(a): Maria Luíza de Campos Vilar

Orientador(a): Bruna Agy Loureiro

Instituição: UFPB

Trabalho classificado na 7ª Edição (2021) do Prêmio de Pesquisa PremieRpet®.

[Arquivo PDF][Acervo completo]

Índice

Resumo

Cães e gatos em condição de internamento muitas vezes ficam sem se alimentar corretamente, têm ingestão calórica insuficiente e sofrem alterações metabólicas oriundas da desnutrição que agravam seu estado geral. O suporte nutricional adequado durante o internamento melhora as respostas aos tratamentos, otimiza a reparação tecidual, maximiza a resposta imune, além de prevenir perda de massa muscular. Objetivou-se avaliar os efeitos do suporte nutricional na evolução dos pacientes internados em hospital veterinário. Para base de comparação, foram levantados dados de 862 animais internados no hospital de janeiro a outubro de 2019 (antes da instalação do suporte nutricional no local) e determinados o tempo médio de internamento e as porcentagens de óbito e eutanásia do período. O período experimental foi considerado aquele após a implementação do suporte nutricional no hospital, no qual foram avaliados pacientes internados no espaço de 85 dias, totalizando 154 cães e gatos. Neste período, foram determinadas as mesmas variáveis da avaliação retrospectiva, ingestão calórica diária dos animais e variação do peso corporal no período de internamento. Os animais internados foram agrupados e avaliados conforme o sistema acometido ou enfermidade: cardiorrespiratório, DTUIF, endócrino- metabólica, hemoparasitoses, intoxicação, neoplasias, casos cirúrgicos, trato gastrointestinal, trauma, viral e outras doenças. Considerando os dados coletados de pacientes atendidos antes do estudo, o tempo médio de internamento foi de 3,9±3,7 dias para cães e 4,7±3,8 dias para gatos. As taxas de óbito e eutanásia calculadas no período foram de 16,4% e 1,7%. No período experimental, quando os animais receberam suporte nutricional adequado, o tempo médio de interna- mento foi inferior, com 2,9±2,3 dias para cães e 4,3±3,4 dias para gatos. As taxas de óbito e eutanásia foram de 13,1% e 3,1% dos casos. A ingestão calórica média durante o estudo foi de 69,6±49,8 kcal/ kg0,75/ dia, similar a necessidade mínima de repouso. Durante o período de internamento 45,7% dos animais ganharam peso, 40,3% mantiveram e apenas 13,9% perderam peso. A partir dos resultados foi possível observar a importância do suporte nutricional para adequada ingestão calórica e manutenção do peso corporal durante o internamento, o que parece repercutir em menores mortalidade e tempo de internamento, sobretudo para os pacientes com acometimento do trato gastrointestinal.

Introdução

Cães e gatos que precisam de internamento em clínicas e hospitais veterinários geralmente estão em situação de risco. Muitos destes pacientes permanecem sem se alimentar corretamente durante o período de internamento e sofrem, consequentemente, alterações metabólicas que agravam seu estado geral (MICHEL, 2015). Ao proporcionar suporte nutricional adequado durante o internamento, observa-se melhora das respostas a tratamentos clínicos e cirúrgicos, otimização da cicatrização e reparação tecidual, maximização da resposta imune, além de impedir a perda de massa corpórea, dentre outros benefícios (BRUNETTO et. al., 2010). Avaliou-se neste estudo o efeito do suporte nutricional na evolução de pacientes internados.

Material e métodos

O estudo foi realizado em um hospital veterinário privado. Em novembro de 2019 foram colhidas informações do prontuário de todos os animais que tiveram entrada registrada no setor de internamento do hospital (862 animais), nos meses de janeiro a novembro de 2019. Para a avaliação retrospectiva, foram levantados dados de tempo de internamento (dias), diagnóstico e desfecho (alta, óbito ou eutanásia). O hospital selecionado para o estudo não possuía setor ou profissional capacitado em nutrição na equipe.

Após observação e análise do manejo nutricional praticado na rotina do internamento pelos veterinários e auxiliares do hospital, detectou-se as fragilidades e pontos críticos que poderiam ser melhorados durante o estudo, que representariam então, o suporte nutricional otimizado. Em seguida, foram estabelecidas as boas práticas que seriam promovidas durante o estudo com objetivo de aprimorar o suporte nutricional do hospital: pesagem diária dos animais; uso de balança digital; uso de alimentos de acordo com a fase fisiológica e doença; realização de anamnese nutricional, determinação do escore de condição corporal (ECC) (LAFLAMME, 1997a; LAFLAMME, 1997b) e índice de massa magra (IMM) (WSAVA, 2010); determinação da quantidade de alimento de acordo o teor de energia metabolizável e necessidade calórica do animal; monitorar o consumo de alimento; descontinuação da prática de alimentação forçada; uso de alimentos estimulantes e sondas de alimentação.

As práticas de suporte nutricional e coleta de dados dos pacientes ocorreram de setembro a novembro de 2020. Durante os 85 dias de experimento, cães (N=84) e gatos (N=42) que tiveram entrada no internamento do hospital foram utilizados para compor o grupo experimental. Neste período foram utilizados alimentos comerciais de alta qualidade para cães e gatos, alimentos comerciais coadjuvantes para diferentes distúrbios metabólicos e fórmulas próprias para uso em sondas nasogástricas e esofágicas. A anamnese nutricional, o ECC e IMM dos pacientes foram determinados pelos pesquisadores.

A necessidade calórica dos pacientes internados foi determinada a partir da necessidade energética de repouso (NER) de 70 kcal x (kg peso corporal)0,75 /dia. Em alguns casos, foram utilizadas outras equações para determinar a necessidade calórica diária (NRC, 2006), de acordo com o estado geral do paciente, fase da vida e resposta à terapia nutricional. Após a determinação da necessidade calórica, era estabelecido o alimento mais compatível com a condição do animal e sua quantidade, de acordo com o teor de energia metabolizável. Foram verificados e registrados diariamente a variação do peso corporal, ECC, IMM e ingestão calórica. Ajustes e alterações no manejo alimentar ocorreram sempre que necessário a fim de manter a ingestão calórica adequada.

As vias de suporte nutricional utilizadas foram: convencional, quando eles se alimentavam de forma espontânea e independente; assistida, nos casos em que eram necessários estímulos como palatabilizantes, carinho, elevação da tigela ou sustentação da cabeça do paciente para facilitar o acesso ao alimento; e sondas nasogástrica ou esofágica. Os animais recebiam o alimento em duas ou mais refeições, de acordo com a afecção e via de alimentação. Nos casos com histórico de anorexia prolongada foi realizada reintrodução gradativa da alimentação, para evitar síndrome da realimentação.

Para compreender melhor o efeito do suporte nutricional sobre as doenças, animais internados antes e durante o experimento foram agrupados conforme o sistema acometido ou enfermidade sendo eles: cardiorrespiratório, DTUIF, endócrino-metabólica, hemoparasitoses, intoxicação, neoplasias, casos cirúrgicos, trato gastrointestinal, trauma, viral e outras doenças. As variáveis tempo de internamento, ingestão calórica e variação do peso corporal foram avaliadas por teste Kruskal-Wallis, programa SigmaPlot e significância de 5%. O desfecho dos casos (alta, óbito e eutanásia) foi avaliado por estatística descritiva.

Resultados e discussão

O estudo incluiu a revisão de 862 prontuários, sendo 549 cães (63,7%) e 313 gatos (36,3%). Deste total, 34 prontuários foram considerados inválidos e retirados da avaliação por estarem incompletos, ou serem de animais levados do hospital sem alta médica. No período experimental foram avaliados 154 animais (102 cães e 52 gatos). Deste total, foram retirados 24 animais, que saíram do internamento sem alta médica ou animais que eram habituados apenas a dietas caseiras e não aceitaram nenhum dos alimentos utilizados no estudo.

Considerando os dados coletados dos pacientes internados atendidos antes do estudo, o tempo médio de internamento foi de 3,9±3,7 dias para cães e 4,7±3,8 dias para gatos, com tempos que variaram de 1 até 28 dias. No período experimental, onde os animais receberam o suporte nutricional otimizado, o tempo médio de internamento foi de 2,9±2,3 dias para cães e 4,3±3,4 dias para gatos, com tempo de hospitalização variando entre 1 e 13 dias. Embora o número de pacientes e período de coleta de dados tenham sido diferentes para os dois grupos avaliados, verificou-se que o tempo de internamento foi significativamente menor para os cães que receberam suporte nutricional (p=0,001), sem diferenças significativas para os gatos (p=0,36).

As taxas de alta, óbito e eutanásia observadas antes do estudo foram de 81,9%, 16,4% e 1,7%, enquanto as taxas obtidas durante o estudo foram de 83,8%, 13,1% e 3,1%, respectivamente. Verificou-se, portanto, diferença na resolução dos casos, com melhores taxas de alta e óbito obtidas quando na presença de suporte nutricional adequado. Quando os pacientes internados foram agrupados e avaliados por grupos de doenças (Tabela 1), o grupo que apresentou redução significativa (p=0,003) do tempo de internamento com o suporte nutricional, foi aquele com acometimento do trato gastrointestinal, com redução de 3,4 para 1,8 dias. Os animais receberam ração coadjuvante gastrointestinal, apropriada para a doença, fase da vida e espécie, o que pode ter auxiliado na recuperação dos animais, evitando, por exemplo, translocação bacteriana e pior prognóstico. Neste grupo, os animais que receberam suporte nutricional apresentaram balanço do peso positivo (Tabela 1).

Os demais grupos de doença não apresentaram alteração significativa no tempo de internamento. A porcentagem de óbito nos grupos cardio/respiratório, DTUIF, pós-cirúrgico, trauma, viral e outras doenças, foram inferiores quando os animais receberam suporte nutricional. A maioria dos óbitos que ocorreram durante o estudo foram animais com distúrbios endócrino metabólicos, doenças onde se existe importante influência da nutrição. No entanto, geralmente os pacientes portadores destas enfermidades são internados no estágio avançado da doença, descompensados, com difícil estabilização e risco de morte, que no caso do estudo, não puderam ser resolvidos com suporte nutricional.

Para o grupo das doenças virais que incluíram casos de cinomose, parvovirose, FIV, rinotraqueíte e complexo respiratório felino, verificou-se interessante redução na taxa de óbito com o suporte nutricional (Tabela 1). A ingestão calórica deste grupo foi de 109,29 ±105,11 kcal / kg0,75/ dia (Tabela 2). A alta variação na ingestão calórica se deu pela presença de filhotes no grupo, que possuem maior necessidade calórica em relação aos adultos. O resultado positivo do suporte nutricional na mortalidade relaciona-se à introdução precoce da alimentação no internamento, que ocorreu algumas vezes por meio de nutrição enteral, prevenindo os efeitos da desnutrição e suas consequências (MOHR et. al., 2003).

A maioria das hemoparasitoses foram cães com erliquiose. Antes do suporte nutricional, o grupo apresentou média de 3,6 dias de internamento e tendência de redução para 2,75 dias com o suporte nutricional. Pacientes desidratados e anêmicos podem estar inapetentes e a melhor assistência e atenção dada a estes animais no momento da alimentação dentro do internamento, possivelmente auxiliou na redução. Pacientes deste grupo se alimentaram por via oral convencional ou assistida, não sendo necessário o suporte enteral. Situação similar ocorreu com animais que sofreram intoxicação.

Não foi possível determinar a ingestão calórica diária ou a variação de peso corporal durante o internamento dos animais atendidos antes do experimento pela falta de informações nos prontuários. Para os animais internados que receberam suporte nutricional no estudo, a ingestão calórica média foi de 69,6±52,0 kcal/kg0,75/dia, próximo da necessidade mínima de repouso. Quando comparada entre grupos de doenças, esta foi estatisticamente semelhante, assim como a variação do peso corporal (p>0,05). No estudo 45,7% dos animais ganharam, 40,3% mantiveram e apenas 13,9% perderam peso durante o internamento. A perda de peso ocorreu principalmente em casos complexos, onde os animais permaneceram em anorexia até que se fosse estabelecida a via de alimentação mais eficaz. Outros fatores interferentes como cirurgias com amputação, retirada de órgãos e tumores, alteraram as pesagens de alguns animais.

Óbito (%) e tempo de internamento (dias) de cães e gatos agrupados por doença, antes e após o suporte nutricional durante a hospitalização
Tabela 1 - Óbito (%) e tempo de internamento (dias) de cães e gatos agrupados por doença, antes e após o suporte nutricional durante a hospitalização

Em 71% dos casos a alimentação se deu de forma convencional, 21% precisaram de assistência na hora da alimentação, 5% de sonda esofágica e 3% de sonda nasogástrica. Em geral, as medidas adotadas para melhorar o suporte nutricional, muitas vezes bastante simples, proporcionaram fornecimento de nutrientes apropriado para cada caso, permitiu a manutenção das reservas corporais na maioria dos animais, prevenindo desnutrição e melhorando o prognóstico dos pacientes. Isto pôde ser observado pela redução na mortalidade e tempo de internamento dos animais, com resultados mais evidentes em casos de doenças gastrointestinais, virais e hemoparasitoses.

Ingestão calórica e variação de peso corporal de cães e gatos internados recebendo suporte nutricional
Tabela 2 - Ingestão calórica e variação de peso corporal de cães e gatos internados recebendo suporte nutricional

Conclusão

A melhora do suporte nutricional fez com que os animais apresentassem ingestão calórica adequada e manutenção do peso corporal durante o período de internamento, o que parece ter repercutido em menores mortalidade e tempo de internamento. Estes resultados demonstram a importância de se ter na equipe, profissional qualificado em nutrição.

Referências bibliográficas

BRUNETTO, M. A. et. al. Effects of nutritional support on hospital outcome in dogs and cats. Journal of Veterinary Emergency and Critical Care, v.20, n.2, p.224– 231, 2010

LAFLAMME D. Development and validation of a body condition score system for cats: A clinical tool. Feline Practice; 25 (5-6): 13-18, 1997a

LAFLAMME, D. R. P. C. Development and validation of a body condition score system for dogs. Canine Practice (Santa Barbara, Calif.: 1990) (USA), 1997b.

MICHEL, K. E. Nutritional assessment in small animals. In: CHAN, D. L. et al (ed.). Nutritional Management of Hospitalized Small Animals. Reino Unido: Wiley Blackwell, 2015. cap. 1, p. 1-6

MOHR, A. J. et al. Effect of early enteral nutrition on intestinal permeability, intestinal protein loss, and outcome   in   dogs   with   severe   parvoviral enteritis. Journal of Veterinary Internal Medicine, v. 17, n. 6, p. 791-798, 2003.

NATIONAL RESEARCH COUNCIL, NRC. Nutrient requirements of dogs. Washington: National Academy Press, 2006, 398p.

WSAVA,    2010    –    Diretrizes    Para    Avaliação    Nutricional.   Disponível   em:

<http://www.wsava.org/WSAVA/media/PDF_old/Global-Nutritional-Assessment- Guidelines-Portuguese.pdf>. Acessado: 20/04/19

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