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Uso de ezetimiba em cães com hipercolesterolemia persistente

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Autor(a): João Vitor Andrade Lima

Orientador(a): Vanessa Uemura da Fonseca

Instituição: Universidade Santo Amaro

Trabalho Classificado na 10ª Edição (2024) do Prêmio de Pesquisa PremieRpet®.

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Índice

Resumo

A hiperlipidemia é o aumento do níveis circulantes de triglicérides e/ou colesterol. A hipercolesterolemia é o aumento específico dos níveis séricos de colesterol acima de 300 mg/dL, podendo ser de causa primária em algumas raças de cães, mas a maioria dos casos é de causa secundária alimentar, medicamentosa ou secundária à endocrinopatia. A ezetimiba é um fármaco amplamente utilizado para controle da hipercolesterolemia em humanos, isolada ou combinada com outros fármacos. Em cães, a ezetimiba ainda é pouco estudada quanto à eficácia e possíveis efeitos colaterais. O objetivo do estudo foi avaliar a eficácia da ezetimiba em reduzir e controlar a hipercolesterolemia em cães. A média de dose de ezetimiba utilizada foi 0,24 ± 0,12 mg/kg/dia (dose mínima 0,07 a 0,63 mg/kg/dia). Nenhum efeito colateral foi descrito pelos tutores ou observada nas reavaliações. Foi observada redução significativa do colesterol, triglicérides, atividade das enzimas hepáticas alanina aminotransferase e fosfatase alcalina após uso de ezetimiba (p<0,05). A ezetimiba foi efetiva em reduzir e normalizar o nível sérico de colesterol quando há hipercolesterolemia entre 300 a 500mg/dL.

Palavras-chave: Dislipidemia. Hiperlipidemia. Hipolipemiante. Colesterol. Triglicérides

Introdução

A hiperlipidemia, aumento de triglicérides e/ou colesterol, é frequente na medicina veterinária, principalmente em cães. Os distúrbios lipídicos são de origem primária ou secundária, sendo as causas secundárias prevalentes tanto em cães quanto em gatos (CATANOZI, 2015). A hiperlipidemia secundária pode estar relacionada à dieta ou, mais frequentemente, a uma endocrinopatia, como hipercortisolismo espontâneo, hipotireoidismo, obesidade e Diabetes mellitus. Em geral, o colesterol sérico acima de 300 mg/dL é considerado elevado e denominado como hipercolesterolemia. A magnitude da hipercolesterolemia pode resultar em alterações clínicas significativas, em especial elevações acima de 750 mg/dL. Valores de colesterol entre 300 e 500 mg/dL são considerados hipercolesterolemia discreta, entre 500 e 750 mg/dL aumento moderado, e acima de 750 mg/dL hipercolesterolemia grave (WHITNEY, 1992).

Os níveis circulantes de colesterol são derivados de duas fontes primárias: a produção de colesterol no fígado e a absorção do colesterol dietético e biliar no trato gastrointestinal (SANTOSA, et al., 2007). A absorção intestinal de colesterol, ocorre principalmente no duodeno e no jejuno proximal, sendo que o alimento fornece cerca de um quarto do colesterol absorvido por via enteral, enquanto os três quartos restantes são derivados da excreção biliar de colesterol pelo do fígado. O colesterol também pode ser recaptado nos hepatócitos a partir da bile via proteína Niemann-Pick C1-like 1 presente no canalículo biliar.

A ezetimiba é um fármaco inibidor da proteína Niemann-Pick C1-like 1 (NPC1L1), esta proteína é responsável pela absorção do colesterol no intestino e a recaptação pelo hepatócito via canalículo (SUDHOP, et al., 2002; ALTMANN, et al., 2004). A demonstração do efeito da ezetimiba em cães é pouco elucidado.

O presente estudo teve como objetivo avaliar a eficácia da ezetimiba em reduzir e controlar a hipercolesterolemia em cães.

Material e métodos

O presente estudo é observacional, longitudinal e retrospectivo, com dados revisados das fichas clínicas de cães com hiperlipidemia primária ou secundária, atendidos no Hospital Veterinário da Universidade Santo Amaro e da clínica particular Concept Care. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Santo Amaro e teve dispensa do Comitê de Ética no Uso de Animais devido o caráter retrospectivo do estudo. Foram revisadas as fichas de todos os cães que apresentaram hipercolesterolemia (colesterol ≥ 300mg/dL) atendidos no período de janeiro de 2021 a janeiro de 2024. Foram incluídos no estudo apenas cães com hipercolesterolemia persistente após tratamento da endocrinopatia de base (hipercortisolismo espontâneo, Diabetes mellitus ou hipotireoidismo) e cães cuja endocrinopatia ou outras afecções (hipersensibilidade alimentar, doença renal crônica, urolitíase) impossibilitavam a troca para dieta coadjuvante com baixo conteúdo de extrato etéreo. Foram excluídos do estudo os casos em que no atendimento de introdução da ezetimiba outra conduta terapêutica possa ter contribuído para redução do colesterol, de forma a não ficar claro o efeito da medicação isoladamente.

Os cães do estudo tiveram as coletas de sangue realizadas com 12 horas de jejum alimentar, os dados do colesterol, triglicérides, alanina aminotransferase e fosfatase alcalina foram selecionados para análise do efeito da ezetimiba no momento de introdução do fármaco (t0) e após 30 a 60 dias (t1) do início do uso.

Foram revisadas as doses de ezetimiba utilizadas e o potencial de redução da hipercolesterolemia, visto que não há padronização de dose na literatura na medicina veterinária. Devido a grande variação de portes e raças de cães alguns animais utilizaram uma fração da formulação comercial disponível na farmácia humana na apresentação de 10mg e alguns cães utilizaram o fármaco manipulado ajustado para o peso.

Os dados obtidos foram avaliados no programa estatístico GraphPad Prism 7 (Software Inc., San Diego, EUA), sendo consideradas diferenças estatísticas quando p<0.05. Os dados tiveram distribuição não paramétrica após avaliação pelo teste de normalidade Shapiro-Wilk, portanto, os resultados foram apresentados em mediana, valor mínimo e máximo. A análise estatística pré- tratamento com ezetimiba (t0) e pós tratamento (t1) foi realizada pelo teste de Wilcoxon.

Resultados

Foram levantados 310 cães com hipercolesterolemia primária ou secundária. Dentre os pacientes, 160 cães fizeram uso de ezetimiba, entretanto, 31 foram incluídos neste estudo, cumprindo os critérios de inclusão e exclusão pré-estabelecidos.

A média de dose de ezetimiba utilizada foi 0,24 ± 0,12 mg/kg/dia (dose mínima 0,07 a 0,63 mg/kg/dia). Nenhum efeito colateral foi descrito pelos tutores ou observada nas reavaliações, todos os pacientes fizeram uso durante o período do levantamento e por tempo superior ao do estudo. Após o tratamento com ezetimiba, 29 cães tiveram normalização dos níveis de colesterol sérico (29/31; 93,6%), sendo observado um potencial de redução do colesterol de 39% na dose utilizada. Foi observada redução significativa do colesterol, triglicérides, atividade das enzimas hepáticas alanina aminotransferase e fosfatase alcalina após uso de ezetimiba durante 30 a 60 dias (tabela 1 e figura 1).

Tabela mostrando Nível sérico de colesterol (mg/dL), triglicérides, atividade da ALT e FA antes e após uso de ezetimiba (n=31)
Tabela 1. Nível sérico de colesterol (mg/dL), triglicérides, atividade da ALT e FA antes e após uso de ezetimiba (n=31)

No presente estudo 30 (30/31; 96,7%) pacientes tinham colesterol entre 300 e 500mg/dL e 1 (1/31; 3,3%) paciente tinha valor entre 500 e 700mg/dL. Apenas 3 (3/31; 9,7%) pacientes tinham hipertrigliceridemia acima de 150mg/dL, e 18 (18/31; 58,0%) pacientes tinham aumento na atividade das enzimas hepáticas, sendo que 6 (6/31; 19,4%) deles tinham aumento na atividade da ALT acima de três vezes a normalidade.

Gráficos box-plot dos níveis séricos do colesterol (A), triglicérides (B), ALT (C) e FA (D) antes (t0) e após 30-60 dias (t1) da terapia com ezetimiba em 31 cães com hipercolesterolemia. **p
Figura 1. Gráficos box-plot dos níveis séricos do colesterol (A), triglicérides (B), ALT (C) e FA (D) antes (t0) e após 30-60 dias (t1) da terapia com ezetimiba em 31 cães com hipercolesterolemia. **p <0,01, ***p <0,001

Discussão

Este estudo retrospectivo demonstrou a eficácia da ezetimiba em tratar a hipercolesterolemia persistente apresentada em cães com endocrinopatias e pacientes com afecções que impossibilitaram o uso de dieta com restrição de lipídeos. Foi possível demonstrar a normalização do nível de colesterol circulante em todos os 31 cães avaliados no estudo, bem como demonstrar o potencial da ezetimiba em reduzir em 39% o nível de colesterol circulante.

Os efeitos da ezetimiba em reduzir o colesterol em cães foram pouco descritos na medicina veterinária, sendo um fármaco ainda pouco estudado, embora esteja presente na rotina clínica para tratamento da hipercolesterolemia em cães. Um trabalho avaliou a administração de ezetimiba isoladamente ou em combinação com estatina em beagles alimentados com dieta rica em colesterol (DAVIS, et al., 2001). Este trabalho demonstrou que após 7 dias de tratamento, a ezetimiba na dose de 0,01 e 0,03 mg/kg provocou uma diminuição significativa relacionada à dose no colesterol total plasmático. Devido a dificuldade em manipular ou fracionar o comprimido em baixas doses, frequentemente na rotina é utilizado dose de no mínimo 0,1mg/kg, sendo a média de dose encontrada no estudo de 0,24mg/kg/dia.

A segurança da ezetimiba em monoterapia ou em combinação com outros agentes redutores do colesterol, como as estatinas, tem sido bem documentada em humanos (PANDOR, et al., 2009; ROBINSON, et al., 2009). Assim como observado neste estudo, a ezetimiba não causou aumento significativo de enzimas hepáticas em humanos (ROBINSON, et al., 2009). Entretanto, a redução da atividade de FA e ALT não foram relatadas nos humanos, contudo, é conhecida a contribuição da hiperlipidemia e o impacto em cães com hepatopatia vacuolar. Desta forma, sugerimos que a ezetimiba pode ser uma aliada no tratamento da hepatopatia vacuolar quando há hipercolesterolemia concomitante. A redução significativa observada no nível de triglicérides nos cães estudados, ainda não foi documentado, sendo possível um efeito sinérgico da ezetimiba com outros fármacos ou ação em vias ainda não descritas. Um outro ponto importante descrito sobre a segurança da ezetimiba é a demonstração que não há prejuízo na absorção das vitaminas lipossolúveis A, D e E, e K (KNOPP, et al, 2003).

Em cães com hipercolesterolemia primária ou secundária, que não respondam plenamente ao tratamento direcionado para doença, nos casos de resposta parcial à restrição lipídica de fonte dietética ou na impossibilidade de troca alimentar para promover correção da hipercolesterolemia, o inibidor da absorção de colesterol, ezetimiba, é um fármaco indicado para esta correção, com significativa eficácia e segurança. Baseado nos resultados que obtivemos, a dose de 0,2mg/kg/dia de ezetimiba é eficaz para redução e normalização da hipercolesterolemia discreta, sem efeitos colaterais identificados. É fundamental que seja avaliada sua eficácia nas faixas de hipercolesterolemia consideradas moderadas a graves, bem como avaliar seu efeito e segurança por maior período em um estudo longitudinal e prospectivo.

Conclusão

A ezetimiba foi efetiva em reduzir e normalizar o nível sérico de colesterol quando há hipercolesterolemia entre 300 a 500mg/dL.

Referências bibliográficas

ALTMANN, S.W.; DAVIS, H.R. JR; ZHU, L.J. Niemann-Pick C1 Like 1 protein is critical for intestinal cholesterol absorption. Science. 2004;303:1201–1204.

CATANOZI, S. Dislipidemias. In: JERICÓ, M. M.; ANDRADE NETO, J. P.; KOGIKA, M. M.

Tratado de Medicina Interna de Cães e Gatos. 1 ed. Rio de Janeiro: Roca, 2015.

DAVIS, H.R. JR.; PULA, K.K.; ALTON, K.B. The synergistic hypocholesterolemic activity of thepotent cholesterol absorption inhibitor, ezetimibe, in combination with 3-hydroxy- 3-methylglu-taryl coenzyme A reductase inhibitors in dogs. Metabolism. 2001;50:1234– 1241.

KNOPP, R.H.; GITTER, H., TRUITT, T., et al. Effects of ezetimibe, a new cholesterol absorption inhibitor,on plasma lipids in patients with primary hypercholesterolemia.Eur Heart J. 2003;24:729–741.

PANDOR, A.; ARA, R.M.; TUMUR, I. Ezetimibe monotherapy for cholesterol lowering in 2,722 people: systematic review and meta-analysis of randomized controlled trials. J Intern Med. 2009;265:568–580

ROBINSON, J.G.; BALLANTYNE, C.M.; GRUNDY, S.M., et al. Lipid-altering efficacy and safety of ezetimibe/simvastatin versus atorvastatin in patients with hypercholesterolemia and the metabolic syndrome (from the VYMET study). Am J Cardiol. 2009;103:1694–1702.

SANTOSA S, VARADY KA, ABUMWEIS S, JONES PJH. Physiological and therapeutic factors affecting cholesterol metabolism: does a reciprocal relationship between cholesterol absorption and synthesis really exist? Life Sci. 2007;80:505–514.

SUDHOP, T.;LUTJOHANN, D.; KODAL, A.; IGEL, M.; TRIBBLE, D.L.; SHAH, S. Inhibition of

intestinal cholesterol absorption by ezetimibe in humans. Circulation. 2002;106:1943-8.

WHITNEY, M.S. Evaluation of hyperlipidemias in dogs and cats. Semin Vet Med Surg. 1992; 7(4):292–300

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