Autora: Profª. Drª. Ana Claúdia Balda
Médica veterinária dermatologista, coordenadora do curso de Medicina Veterinária na FMU (Faculdades Metropolitanas Unidas) e professora do Departamento de Clínica Médica de Pequenos Animais da FMVZ- USP (Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo)
A alergia alimentar canina (dermatite trofoalérgica ou hipersensibilidade alimentar) pode ser uma reação adversa relacionada à resposta imunológica do organismo, porém, a comprovação desse envolvimento ainda é difícil. Em termos de ocorrência, sabe-se que o alimento está envolvido em 10% a 25% dos quadros alérgicos.
Não há predisposição etária ou racial. O prurido intenso é a principal manifestação clínica envolvida (lembrando que a lambedura em excesso pode ser manifestação de prurido) e as consequências relacionadas são: alopecia, eritema, discromia pilar, escoriações e crostas hemorrágicas. Nesses quadros lesionais mais comuns, não se observa localização típica das lesões, porém, o relato de grande intensidade de prurido com poucas lesões é uma observação prática comum. As otopatias recidivantes podem acontecer em 20% a 30% dos pacientes como única manifestação, principalmente no início do quadro. Alguns pacientes podem desenvolver lesões urticariformes em tronco ou angioedema facial.
Dentre os quadros alérgicos do cão, existem três causas que são mais comuns: a dermatite alérgica à picada de ectoparasitas (DAPE), como pulgas e carrapatos; dermatite atópica; e hipersensibilidade alimentar. Hoje em dia, as evidências científicas e muitos clínicos questionam se a dermatite atópica pode ser induzida por alimentos, ou seja, existe uma dúvida se realmente são doenças distintas ou se pode haver relação dos alimentos (principalmente, fontes proteicas) desencadeando essa dermatopatia.
Apesar de ser o segundo passo de investigação em animais com prurido, sabe-se que a alergia alimentar em cães é a terceira dermatopatia em ocorrência nessa espécie. O diagnóstico de prurido direcionado para as dermatites alérgicas é um diagnóstico de exclusão, sendo assim, a primeira a ser descartada é a dermatite alérgica à picada de ectoparasitas (DAPE). O clínico irá prescrever ou administrar um preventivo contra ectoparasitas para evitar que o paciente e todos os seus contactantes tenham contato com os parasitas. A exclusão desse quadro deve acontecer após três meses de uso contínuo, mas é necessário ressaltar ao tutor que esse cuidado deverá ser mantido por toda a vida do paciente, já que os ectoparasitas podem ser fatores somatórios de prurido, mesmo sem serem a causa do processo alérgico, além de serem vetores de doenças graves, ou seja, sua prevenção é importante.
Disbioses, desequilíbrio da população ou multiplicação de leveduras e cocos na pele, são comumente associadas aos quadros clínicos. Em função disso, a citologia cutânea é de extrema importância na avaliação e nas reavaliações dos pacientes, pois a disbiose pode ser a causa da piora do prurido. Mesmo durante a realização da dieta, é importante a realização do exame, ainda que para descartar a presença de leveduras ou bactérias em número maior do que os parâmetros de normalidade.
Após a exclusão da DAPE e das disbioses cutâneas, a dieta deve ser prescrita como método diagnóstico. Os testes sorológicos e intradérmicos não são confiáveis para o diagnóstico final, principalmente para identificação do alérgeno, apesar de haver testes adesivos (patch test) e teste de puntura (prick test) cujo diagnóstico é específico para escolha da proteína pouco usual a ser usada, ou seja, os alimentos no caso de resultados negativos podem ser escolhas (desde que pouco usuais) para a realização da etapa da dieta. A realização da dieta ainda é o diagnóstico de escolha quando se trata de alergia alimentar. Os testes são indicados apenas para pacientes com diagnóstico já estabelecido de dermatite atópica e indicados para antígenos inalantes.
Os alimentos mais incriminados em desencadearem as reações em cães são moléculas proteicas, como carne bovina e derivados lácteos. O diagnóstico desse quadro deve ser realizado preferencialmente com dieta hipoalergênica à base de proteína hidrolisada, cujo princípio é diminuir o peso molecular, tornando-a menos alérgena.
Caso a opção seja de eliminação, a ideia é escolher uma proteína pouco usual, que o paciente não tenha contato prévio. Essa dieta pode ser caseira ou com base em uma ração de fonte proteica inédita. No entanto, cada uma dessas alternativas é passível de limitações, como o desequilíbrio nutricional da dieta caseira ou a possibilidade de que o paciente desenvolva alergia à nova proteína após meses ou anos de exposição.
A dieta deve durar, no mínimo, oito semanas, pois a maior parte dos pacientes terá uma melhora importante por volta da sexta semana. A decisão de medicar ou não o paciente é uma conduta que deve ser baseada no grau de prurido, ou seja, se o animal está em sofrimento, o prurido deve ser tratado.
O clínico pode prescrever corticóide oral por um período de 7 a 10 dias apenas para aliviar o quadro. Caso queira manter o controle do prurido por mais tempo, deve ter em mente que precisa escolher uma medicação de ação rápida, cujo efeito cesse prontamente após sua retirada, que deverá ser feita até a sexta semana de dieta. Após esse período, o paciente é reavaliado e a resposta investigada de acordo com o relato do tutor e a observação do clínico quanto ao prurido e as lesões. Pode ocorrer uma melhora de 100% naqueles quadros que tem apenas no alimento como desencadeante, melhora parcial em cães com dermatite atópica que pioram com associação àquele alimento ou não ocorrer melhora.
No paciente que não apresenta melhora, a dermatite atópica é diagnosticada e a alimentação volta ao normal, sempre lembrando que o paciente dermatopata deve receber uma dieta de excelente qualidade, independentemente da causa de sua doença primária e quando possível, dietas destinadas a dermatopatas. Para aqueles que apresentam melhora parcial ou completa, o indicado é realizar uma reexposição com os alimentos que o paciente recebia anteriormente ao período da dieta hipoalergênica.
O clínico prescreve a reintrodução individual dos ingredientes durante um período de 7 a 14 dias e observa se há recidiva do quadro (prurido e lesões) já que o contato prévio fará com que haja nova manifestação rapidamente.
O tratamento mais adequado para esse quadro é retirar os alimentos incriminados da dieta. Porém há uma grande refratariedade dos tutores em realizar a reexposição provocativa, já que seus cães estão bem controlados. Supõe-se que 20% a 50% dos tutores se recusam a realizar essa etapa do diagnóstico e que a maioria, pelo menos na cidade de São Paulo, em função do estilo de vida, opte pelas dietas comerciais.
Após a identificação dos alimentos que desencadeiam o quadro de alergia, o clínico irá prescrever a manutenção da dieta. Os animais podem ser mantidos com dieta hipoalergênica. A grande vantagem da dieta comercial é o balanço nutricional aliado ao controle de qualidade. Em função da boa palatabilidade, o controle de peso, colesterol e triglicérides é sempre um ponto de atenção no caso das dietas hidrolisadas. Caso a troca da proteína seja a única opção, deve-se ter em mente que o paciente pode se tornar alérgico àquela proteína considerada pouco usual, depois de algum tempo de exposição prolongada, assim como ocorreu num primeiro episódio.
A comunicação clínica é outro ponto crítico. O tutor precisa entender todos os passos de um diagnóstico de exclusão, é importante colocar todas as possibilidades de evolução e o tempo de cada etapa. Como o prurido é um desconforto para o cão, é necessário um alinhamento de expectativas já na primeira consulta, pois o entendimento do estilo de vida, condições financeiras e valores do tutor devem ser considerados nas decisões. O consenso do clínico com o tutor é sempre a melhor forma de planejamento e sucesso da terapia.
O ponto crucial na proposta da realização da dieta é colocar ao tutor que, caso o paciente seja alérgico exclusivamente ao alimento, o tratamento não requer medicação, o que é bastante positivo para o controle da doença e bem-estar do cão pela vida toda. O clínico deve ter em mente que esse diagnóstico de exclusão é desafiador para todos os médicos-veterinários, mas quanto mais padronizarmos nossa conduta e nossa comunicação – e quanto mais evidência científica e informações compartilhamos com os tutores – melhor a qualidade de vida que conseguiremos proporcionar aos dermatopatas.
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