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O uso de insetos na composição de alimentos para gatos: benefícios para pacientes alérgicos

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Autor(a): Isabella Gontijo de Sá Leão

Orientador(a): Christine Souza Martins

Instituição: Universidade de Brasília

Trabalho Classificado na 10ª Edição (2024) do Prêmio de Pesquisa PremieRpet®.

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Índice

Resumo

Este trabalho aborda a utilização de insetos como matéria-prima na alimentação animal, especialmente em gatos, destacando seus benefícios, principalmente para animais com alergias. Os insetos representam uma opção sustentável, evitando a competição com fontes proteicas destinadas ao consumo humano. Com uma composição rica em gordura, minerais, fibras e proteínas de alto valor biológico, os insetos superam a composição da soja. A justificativa para substituir até 100% da farinha de insetos em dietas de animais de produção é respaldada pelos benefícios nutricionais. Apesar de informações limitadas sobre o uso de insetos na alimentação de animais de estimação, a crescente demanda por soluções sustentáveis destaca a importância desse campo. O mercado de alimentos para animais de estimação à base de insetos está em ascensão na Europa e nos EUA, impulsionado pelo interesse dos consumidores em sustentabilidade, hipoalergenicidade e benefícios para a saúde intestinal, imunidade e saúde cerebral.

Palavras-chave: Nutrição de animais de companhia; pet food; nutrição sustentável; inseto como alimento.

A nutrição de felinos domésticos

O mercado brasileiro de alimentos para animais de estimação cresce cerca de 6% ao ano, com uma produção anual de 3,9 milhões de toneladas de alimentos industrializados para cães e gatos, distribuídos em mais de 300 marcas. A Associação Brasileira da Indústria de Produtos para Animais (ABINPET) relata um faturamento de R$ 33,56 bilhões em 2023, marcando um aumento de 7,5% em relação a 2022, mantendo o Brasil como o segundo maior arrecadador global no setor, atrás apenas dos Estados Unidos.

Para atender as demandas da produção de alimentos para animais, há um grande consumo de fontes proteicas como: farelo de soja, farinha de peixe, farinha de vísceras e carne, dentre outras. Esse consumo por ingredientes proteicos, aumentará em até́ 70% em 2050, devido aumento da população humana que será́ de 9 bilhões de indivíduos (WHO, 2022). Com esse aumento esperado, além da provável diminuição de recursos naturais e da atual utilização das fontes proteicas tradicionais como alimento para humanos, a criação de insetos em larga escala é vista como alternativa sustentável de matéria prima para alimentação de animais e humanos (FAO, 2022).

A estreia da primeira ração para cães à base de insetos na Europa ocorreu em 2015. Até setembro de 2018, pelo menos 12 marcas de rações para animais de estimação à base de insetos já estavam disponíveis no mercado europeu (Beynen, 2018). Nos anos que se seguiram, várias novas marcas, focadas exclusivamente em produtos à base de insetos, surgiram no mercado de alimentos para animais de estimação (Paul et al., 2021).

Os insetos desempenham um papel significativo na dieta natural dos gatos, sendo estimado que gatos selvagens na Oceania consumam cerca de 1 bilhão de invertebrados anualmente. Em ambientes preservados, a composição de insetos na dieta pode chegar a 39%, evidenciando a importância desses organismos na alimentação felina (Legge et al., 2017; Rees et al., 2019).

Das espécies individualmente predadas por gatos, as aves compreendem 47,07% (981 espécies), seguidas por répteis (463 espécies, 22,22%), mamíferos (431 espécies, 20,68%), insetos (119 espécies, 25,71%) e anfíbios (57 espécies, 2,74%) segundo o levantamento realizado por Lepszik et al, 2023. As seis classes remanescentes (Actinopterygii, Arachnida, Chilopoda, Diplopoda, Gastropoda, Malacostraca; totalizando 33 espécies) foram agrupadas como “outras”, representando 1,58% do total de espécies contabilizadas.

O uso de insetos para a produção de dietas

A adoção de insetos como fonte proteica na alimentação de animais encontra justificativa em sua notável taxa de crescimento, eficiência na conversão alimentar, rápida capacidade de reprodução, ciclo de vida curto e menor impacto ambiental na produção. Além de apresentarem teores elevados de proteína, esses insetos são abundantes em ácidos graxos essenciais, minerais e fibras (Bosch et al, 2020).

A diversidade na composição qualitativa de um componente proteico engloba aspectos como a digestibilidade e o perfil de aminoácidos, os quais estão associados ao índice de aminoácidos essenciais presentes na fonte, refletindo seu valor biológico (Bosch et al, 2020).  Sua versatilidade permite o consumo em diferentes formas, como inteiros, moídos, processados em farinha ou pasta, podendo ser incorporados em alimentos.

No caso de cães e gatos, que são particularmente exigentes quanto à quantidade e qualidade das proteínas em suas dietas, é fundamental atender a critérios como o teor proteico, digestibilidade e composição ou perfil de aminoácidos essenciais biodisponíveis, conforme destacado por Oonincx et al. (2015).

Figura 01. Vantagens da utilização de insetos como fonte de alimento. Fonte: Adaptado de Van Huis et al. (2013) e Chaves (2020).

As refeições que incluem insetos são reconhecidas como fontes de proteína de alta qualidade, em média, as larvas de insetos contêm 54% de proteína, destacando-se por concentrações elevadas de proteínas e gorduras, (Reilly et al. 2022). Com um perfil de aminoácidos satisfatório, os insetos emergem como ingredientes promissores na elaboração de alimentos para felinos (van Huis ,2013, Bosch et al. 2014), além das vantagens ambientais nas rotas de produção e de sustentabilidade conforme ilustra a figura 01 acima.

A proporção benéfica entre ácidos graxos saturados e insaturados, especialmente evidente em algumas espécies de insetos, destaca-se na pesquisa de van Huis (2013). Exemplificando, a barata argentina e a mosca-soldado-negra apresentam maior eficiência na conversão alimentar e de nitrogênio em comparação com a larva da farinha amarela e o grilo doméstico. Dietas com concentrações mais elevadas de proteína têm impactos positivos, resultando na redução da taxa de conversão alimentar e no aumento da eficiência de conversão alimentar para esses insetos, conforme estudado por Oonincx et al. (2015).

Os invertebrados, notadamente os mais abundantes e diversos na macrobiota terrestre e de água doce do planeta, desempenham um papel significativo na biodiversidade global (Wilson, 1987). Apesar de estudos anteriores explorarem a composição centesimal e de aminoácidos de diversas espécies de insetos, como baratas, vermes, besouros, larvas e pupas de mosca-soldado-negra, o perfil de ácidos graxos de muitas fontes de insetos comestíveis permanece amplamente desconhecido. Esses ingredientes, embora ricos em proteínas, apresentam notáveis níveis de lipídios, e a capacidade da maioria dos insetos de biossintetizar ácidos palmítico, esteárico e oleico é bem documentada na literatura (Paul et al., 2017; Reilly, 2022).

Os ácidos palmítico, esteárico, oleico e linoleico estão entre os ácidos graxos mais prevalentes em várias fontes de insetos. É relevante notar que o ácido linoleico é um ácido graxo essencial para cães e gatos, estudos têm demonstrado que a suplementação dietética desse ácido graxo melhora os escores de pele e pelagem em cães e gatos, visto que parece não ser extensivamente metabolizado, com uma grande proporção sendo depositada na pele e pelagem de animais de estimação (Lisenko et al, 2018).

Os principais alérgenos das dietas existentes para gatos

A alergia alimentar em gatos é uma resposta imunológica atípica a proteínas alimentares, sendo comum relatos associados ao consumo de carnes bovina, de peixe e de frango, bem como em fontes menos frequentes como trigo, milho e laticínios (Diesel, 2017). Inserida na síndrome atópica felina, essa condição abrange diversas doenças afetando pele, sistema gastrointestinal e respiratório (Lucas, 2021).

A síndrome atópica felina, similar à dermatite atópica em cães e humanos, é um diagnóstico diferencial da dermatite trofoalérgica. Os sinais clínicos incluem prurido, alopecia, hipotricose, urticária, pododermatites, nódulos cutâneos, bem como sintomas extracutâneos como vômito, diarreia, hiporexia, flatulência, conjuntivite e hiperatividade. O diagnóstico definitivo requer exclusão de outras condições (Diesel, 2017; Santoro et al., 2021).

A dermatite trofoalérgica felina, é estimada ocorrer em 1% a 6% de todas as dermatoses em gatos. É citada como responsável por 12% a 16% dos casos de gatos com prurido e 10,5% dos gatos apresentando dermatite miliar por prurido (Diesel, 2017). No entanto, as dificuldades em realizar ensaios dietéticos para diagnóstico e a exclusão de alguns gatos com alergia alimentar dessa população sugerem uma maior prevalência na população geral de gatos (Reilly et al, 2021).

O uso de dietas com insetos e seus benefícios para gatos alérgicos

A compatibilidade das proteínas de insetos com cães e gatos alérgicos ainda não está completamente compreendida; no entanto, não há relatos de alergias em animais sensíveis após o consumo desses alimentos (Beynen, 2018). A suspeita é de que a hipoalergenicidade das proteínas de insetos ocorra devido à novidade dessas proteínas para a resposta imunológica de cães e gatos (Bosch e Swanson, 2020). A saúde intestinal promovida pelas proteínas de inseto e a fácil digestibilidade representam outro aspecto importante para evitar a deposição de imunocomplexos. A alta digestibilidade de ingredientes à base de insetos é bem estabelecida por meio de estudos in vitro e in vivo Sidiqqui et al, 2023.

Além disso, a quitina, um polissacarídeo natural encontrado no exoesqueleto dos insetos, possui propriedades análogas às das fibras alimentares, estimulando a produção natural do bolo fecal. Além disso, ela pode exercer um efeito imunomodulador, embora os mecanismos envolvidos ainda não estejam completamente elucidados (Beynen, 2018; Acuff et al., 2021; Silva, 2021).

Os dados coletados, nas pesquisas com proteína de origem de insetos, sugerem que essas refeições selecionadas são alternativas adequadas em dietas felinas e se equiparam às fontes tradicionais de proteína comumente utilizadas em rações para animais de estimação (Beynen, 2018). A continuação de pesquisas é necessária para avaliar os potenciais efeitos benéficos desses ingredientes na pele e pelagem de animais de estimação. Ademais, os proprietários de animais de estimação estão cada vez mais interessados na alimentação e nos ingredientes devido a possíveis alergias (Lisenko et al, 2018).

A proteína de inseto fornece carbono, nitrogênio e aminoácidos essenciais para gatos. A taurina, essencial para gatos, desempenha funções importantes no corpo animal, como a regulação imunológica, a osmorregulação do cálcio e o suporte miocárdico (Sanderson, 2006). A inclusão de insetos na alimentação animal pode ser também benéfica devido ao seu teor de quitina e pela atividade antimicrobiana.

Alguns donos de animais de estimação sugeriram que a aversão a insetos poderia diminuir se esses alimentos fossem prescritos por veterinários (Beynen, 2018). Com a maioria dos tutores levando seus animais ao veterinário pelo menos uma vez por ano, isso oferece uma oportunidade para os veterinários influenciarem os proprietários, fornecendo informações sobre os aspectos nutricionais, propriedades hipoalergênicas, e de sustentabilidade dos alimentos à base de insetos para animais de estimação (Acuff et al., 2021). Na Europa, alguns veterinários já estão prescrevendo alimentos à base de insetos para cães e gatos alérgicos (Beynen, 2018).

Considerações finais

A incorporação de farinha de insetos em alimentos para cães e gatos não apenas oferece uma fonte proteica de alto valor biológico, mas também contribui para a redução da pegada de carbono na produção de alimentos para animais de estimação. A alimentação animal, conhecida por ser cara e prejudicial ao meio ambiente, tem sido responsável por diversas questões ambientais, como ocupação de terras aráveis e emissões de gases de efeito estufa. A substituição de ingredientes convencionais por farinha de insetos demonstra ser uma alternativa sustentável, reduzindo a pegada de carbono e superando a produção de proteína em comparação com fontes tradicionais. Apesar de revisões prévias abordarem os benefícios funcionais dos insetos em dietas para animais de estimação, a literatura sobre o crescimento desse mercado e a aceitação pelos consumidores ainda é limitada. No momento, urge a aceitação e as alegações, feitas por tutores de animais de companhia, de que a dieta à base de insetos é promissora por conta dos seus benefícios à saúde, e à importantes aspectos como sustentabilidade, hipoalergenicidade e digestibilidade. Estes também são considerados cruciais para o futuro da indústria de alimentos para animais à base de insetos.

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