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A escolha do alimento influencia a evolução do programa de perda de peso em cães

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Autor(a): Vinícius Henrique Lacerda de Andrade

Orientador(a): Márcia de Oliveira Sampaio Gomes

Instituição: FMVZ USP

Trabalho Aprovado na 8ª Edição (2022) do Prêmio de Pesquisa PremieRpet®.

[Arquivo PDF][Acervo completo]

Índice

Resumo

A famigerada frase “você é o que você come” nascida nos anos 70 na Califórnia e a preocupação acerca dos cuidados com alimentação da sociedade moderna são correlatas, tornando tal afirmação ainda mais relevante nos dias atuais. Esse mesmo pensamento é aplicado aos animais de companhia, contudo a escolha e o fornecimento do alimento passam pelo crivo de seu responsável, de forma que o tutor pode desempenhar um papel determinante no surgimento de algumas alterações referentes à saúde do animais, como o excesso de gordura corporal. A obesidade tem sido considerada uma das principais doenças tanto em seres humanos quanto em cães, e o programa de perda de peso se faz cada vez mais indispensável a rotina clínica do médico veterinário. A mudança da alimentação não é o ponto exclusivo do tratamento da obesidade, mas é o principal componente do protocolo de perda de peso. Dentre as questões que envolvem o tema, deve-se esclarecer se a escolha do alimento também está atrelada ao desenvolvimento do processo de emagrecimento. Com base nisso, foram selecionados 59 cães adultos obesos e passaram por um programa de perda de peso, com objetivo de se alcançar o peso meta de 80% do peso corporal da primeira avaliação. Todos os cães consumiram um alimento hipocalórico específico para obesidade e comercializado no Brasil (alimento A (n = 10 animais); B (n = 14); C (n = 16); D (n = 7), E (n =9), F (n = 3). Além disso, todos os alimentos tiveram a composição bromatológica e os minerais essenciais avaliados (ICP-OES). Curvas de dias para obtenção do peso meta foram calculadas de acordo com o método Kaplan-Meier, e o teste log-rank foi utilizado comparação das curvas. Valores de p ≤ 0,05 foram considerados significativos. A seleção do alimento foi altamente decisiva para a evolução do programa de emagrecimento em que, dependendo do produto avaliado, os dias necessários para alcance do peso meta foi até 250% divergente. Os resultados destacam a importância da escolha correta do alimento destinado ao controle da obesidade, independentemente do teor hipocalórico, a avaliação específica e composição do produto são significativos para evolução, contribuindo para o sucesso ou insucesso do programa de perda de peso.

Introdução

A obesidade é uma doença multifatorial e pode estar associada a fatores genéticos e ambientais. No entanto, a obesidade está principalmente relacionada com o desequilíbrio energético (PORSANI et al., 2020), que pode comprometer o pleno funcionamento das atividades fisiológicas do animal e tornando-os suscetíveis a diversas anomalias metabólicas e endócrinas. A principal causa da obesidade pode ser embasada nos princípios de transformação e armazenamento de energia, em que o excedente de calorias consumidas associado ao menor gasto pelos animais, levam ao acúmulo de gordura no tecido adiposo. Isto posto, o que faz com que o animal apresente excesso de peso corporal é o longo período em situação de balanço energético positivo (OSTO & LUTZ, 2015).

O balanço energético positivo é, portanto, o principal determinante da obesidade e suas consequências. Desta maneira, a perda de peso promovida pelo estabelecimento do balanço energético negativo é o primeiro passo para o controle e tratamento da obesidade, sendo baseado na redução das calorias consumidas pelos animais, associada ou não ao aumento do gasto energético. Assim, para obtenção da energia necessária, o animal mobiliza seus estoques orgânicos de gordura com a mínima perda de tecido muscular (GERMAN, 2007). Para que esta mobilização seja saudável e adequada, a escolha do alimento ideal é fundamental para o sucesso do programa de perda de peso, pois as dietas destinadas ao emagrecimento devem apresentar características próprias. Porém, existem diferenças dentro da categoria específica para tal finalidade e a questão seria se estas podem ou não influenciar a evolução de um programa de emagrecimento. A resposta para esta pergunta é o objetivo de nosso estudo.

Material e Métodos

Animais e grupos experimentais

Foram selecionados de maneira retrospectiva 59 cães obesos, com escore de condição corporal igual ou superior a 8 (LAFLAMME, 1997) entre os anos de 2012 a 2019. O protocolo de emagrecimento proposto para todos os animais avaliados, teve como base a alimentação dos cães com quantidades restritas de um alimento coadjuvante hipocalórico específico para obesidade e a quantidade fornecida correspondeu a 60% da necessidade energética de manutenção (NRC, 1985), calculada com a equação (NEPP = 70 x peso meta0,75 = Kcal /dia) (VENDRAMINI et al., 2020). O peso meta proposto foi padronizado como 80% do peso do animal em primeira consulta.

A marca dos alimentos comerciais foi ocultada em respeito as empresas fabricantes, estabelecendo-se uma ordem alfabética aleatória para estes. Os animais estavam distribuídos da seguinte maneira: alimento A (n = 10 animais); alimento B (n = 14 animais); alimento C (n = 16 animais); alimento D (n = 7 animais), alimento E (n = 9 animais), alimento F (n = 3 animais).

Análise Bromatológica

Amostras de cada alimento utilizado foram inicialmente moídas em moinho de facas Willye (Marconi MA340, Piracicaba, Brasil). Após a moagem, foi retirada uma subamostra para análise da matéria seca (MS) em estufa a 105 ° C [Fanen 315, São Paulo, Brasil], conforme AOAC (2006). A análise da proteína bruta foi realizada usando o método Kjeldahl (AOAC, 2006). A análise do extrato etéreo foi realizada pelo método de Soxhlet após hidrólise ácida e o teor de cinzas determinado por incineração em mufla a 550 °C (AOAC, 2006). A fibra bruta foi estabelecida pelo método de Weende (WILLIAMS e OLMSTED, 1935). A repetição foi realizada quando o coeficiente de variação foi maior que 5,0%.

Determinação de minerais essenciais

O preparo das amostras foi realizado por digestão por microondas (Multiwave GO, Anton Paar, Áustria). Após a digestão, os seguintes minerais foram determinados: cálcio, cobre, ferro, fósforo, magnésio, manganês, potássio, selênio, sódio e zinco por espectrometria de emissão óptica com plasma acoplado (ICP- OES) (ICPE-9000, Shimadzu do Brasil) (PEDRINELLI et al., 2019). Para a determinação do selênio, foi utilizado um gerador de hidreto (hidreto ICP, Elemental Scientific, Omaha, EUA) acoplado ao ICP-OES. A metodologia utilizada não permitiu a quantificação de cloreto e iodo devido à alta energia de ionização destes.

Análise estatística

A análise estatística foi realizada por meio do software GraphPad Prism 6.0 (GraphPad Software, USA). As curvas de porcentagem dos animais atingindo o peso meta foram adaptadas as análises de curvas de sobrevida, e calculadas de acordo com o método Kaplan-Meier. Posteriormente, o teste log-rank (Mantel-Cox) foi assim utilizado para a comparação das curvas. Valores de p ≤ 0,05 foram considerados significativos.

Resultados

Os resultados da análise bromatológica e as concentrações de minerais essenciais são mostrados na Tabela 1 e Figura 1. O alimento consumido influenciou (p = 0,0145, Figura 2) os dias necessários para o alcance do peso meta proposto (20% do peso inicial), em que os animais demoraram em média 189, 145, 213, 472, 150 e 163 dias para perder 20% do peso corporal inicial ao programa, consumindo respectivamente os alimentos A, B, C, D, E e F (Tabela 2). O alimento D, divergiu dos outros alimentos testados e apresentou diferença entre os demais de até 250%, ou seja, dependendo do alimento comparado, os animais necessitavam de até 2,5 vezes o número de dias para obter o mesmo resultado esperado.

Discussão

Durante um programa de emagrecimento, preconiza-se um bom aporte proteico com o objetivo de assegurar o fornecimento dos aminoácidos essenciais e não essenciais, sua utilização em processos metabólicos e a manutenção da massa magra. A utilização de proteínas dietéticas em animais obesos torna-se ainda mais fundamental devido a massa muscular estar diretamente relacionada ao aumento do gasto calórico e ao incremento calórico durante sua digestão, demandando maior gasto energético para o processo digestivo (LINDER e PARKER, 2016). É verificado que o alimento D apresenta menor proteína bruta (g/1000 kcal) quando comparado aos demais avaliados (Figura 1A), destacando- se pelo o fato de que o consumo proteico talvez seja fundamental ao êxito do processo de emagrecimento em cães.

Um estudo recente (YILMAZ et al. 2018) investigou o efeito de dietas com maior quantidade de proteínas em relação a de menor quantidade (porém superior aos mínimos recomendados) sobre alguns parâmetros bioquímicos e medidas antropométricas em mulheres obesas; e análogo ao verificado no presente estudo, as dietas superiores em proteínas apresentam um melhor desempenho no programa de emagrecimento; segundo os autores, as dietas ricas em proteínas são eficazes na resistência à insulina, dislipidemia e marcadores pró-inflamatórios. Além da proteína, a maior inclusão de fibra dietética também é desejável em programas de emagrecimento, principalmente pela redução da densidade energética do alimento, mas também pelo auxílio no controle da glicemia e lipidemia, retardo a absorção dos nutrientes e, promoção da sensação saciedade

Figura 1 – Dias para obtenção do peso meta (20% do peso inicial) de cada grupo consumindo os alimentos avaliados.
Figura 2 – Proteína Bruta (A), extrato etéreo (B) e fibra bruta (C) dos os alimentos avaliados.

durante o regime (GERMAN, 2007); o alimento D também é um dos alimentos que apresentam menor quantidade deste nutriente (Figura 2C) quando avaliado em (g / 1000 kcal), sendo superior apenas ao alimento F; portanto, apesar de apresentar quantidade inferior de extrato etéreo (Figura 2B) que, por consequência, reduz a densidade energética do produto, o aporte fibroso reduzido da dieta pode estar relacionado a baixa promoção da saciedade e implica em uma maior dificuldade de redução de gordura corporal.

Outro fato destacável da composição química dos alimentos avaliados e utilizados pelos animais, é relativo ao manganês. Apesar de todos os alimentos apresentarem quantidade deste elemento superior ao mínimo recomendado pelo NRC (2006) e FEDIAF (2020), o alimento D foi o que apresentou menor quantia, com valores inferiores a metade do segundo alimento com menor inclusão do elemento. É destacada na literatura, principalmente humana, a importância do manganês na regulação do metabolismo, atuando como um cofator chave para enzimas que participam do metabolismo da glicose. Estudos sugerem que a suplementação de manganês pode melhorar a tolerância à glicose, reduzir o estresse oxidativo e melhorar a disfunção endotelial em situação de resistência insulínica, bem como sua deficiência pode levar a tolerância anormal à glicose e metabolismo alterado de lipídios e carboidratos (FREELAND-GRAVES e LLANES, 1994; KEEN et al., 1999).

Em animais experimentais, a baixa inclusão de manganês na dieta pode resultar em inúmeras disfunções bioquímicas e estruturais. Animais deficientes podem ser caracterizados por afetar a produção de insulina, alterações no metabolismo das lipoproteínas, sistema de defesa oxidante prejudicado e perturbações no metabolismo (KEEN et al., 1999).

É necessário esclarecer que os fatores destacados como possíveis justificadores dos resultados obtidos não são os únicos determinantes nas estratégias e nos resultados do progresso da perda de peso e são necessários mais estudos, avaliando inclusive marcadores de saúde como o controle glicêmico e o perfil lipídico.

Conclusão

A escolha do alimento influencia a evolução do programa de perda de peso em cães e a avaliação específica do produto, bem como a análise de toda a sua composição, se faz necessária e é significativa para evolução e respectivo sucesso ou insucesso do programa de perda de peso.

Referências bibliográficas

AOAC – Association of Official Analytical Chemists. Official methods of analysis.Assoc. Offic. Anal. Chem, 2006.

 

FEDIAF – The European Pet Food Industry Federation. Nutritional guidelines for complete and complementary pet food for cats and dogs. The European Pet Food Industry Federation, Bruxelas, 2020.

FREELAND-GRAVES, J.; LLANES, C. Models to study manganese deficiency

D.J. KLIMIS-TAVANTZIS (Ed.), Manganese in Health and Disease, CRC Press, Boca Raton, FL, 115-120, 1994.

GERMAN, A. J.; HOLDEN, S. L.; BISSOT, T.; HACKETT, R. M.; BIOURGE, V. Dietary energy restriction and successful weight loss in obese client-owned dogs. Journal of Veterinary Internal Medicine, 21, 1174-1180, 2007.

KEEN, C. L., ENSUNSA, J. L.; WATSON, M. H.; BALY, D. L.; DONOVAN, S. M.; MONACO, M. H.; CLEGG, M. S. Nutritional aspects of manganese from experimental studies. Neurotoxicology, 20, 213-223, 1999.

LAFLAMME, D. P. Development and validation of a body condition score system for dogs: a clinical tool. Canine Practice, 22, 10- 5, 1997.

LINDER, D. E.; PARKER, V. J. Dietary Aspects of Weight Management in Cats and Dogs. Veterinary Clinics of North America: Small Animal Practice, 46, 869-882, 2016.

NRC – National Research Council. Nutrient requirements of dogs. Washington: National Academy Press, 77p, 1985.

OSTO, M.; LUTZ, T. A. Translational value of animal models of obesity – Focus on dogs and cats. European Journal of Pharmacology, 759, 240-252, 2015.

PEDRINELLI, V.; ZAFALON, R. V. A.; RODRIGUES, R. B. A.; PERINI, M. P.; CONTI, M. C.; VENDRAMINI, T. H. A.; BALIEIRO, J. C. C.; BRUNETTO, M. A. Concentrations of macronutrients, minerals and heavy metals in home- prepared diets for adult dogs and cats. Scientific Reports, 9, 1-12, 2019.

 

PORSANI, M. Y. H.; TEIXEIRA, F. A.; OLIVEIRA, V. V.; PEDRINELLI, V.; DIAS, R. A.; GERMAN, A.; BRUNETTO, M. A. Prevalence of canine obesity in the city of São Paulo, Brazil. Scientific Reports, 10, 14082 2020.

VENDRAMINI, T. H. A.; MACEDO, H. T.; AMARAL, A. R.; RENTAS, M. F.; MACEGOZA, M. V.; ZAFALON, R. V. A.; PEDRINELLI, V.; MESQUITA, L. G.; BALIEIRO, J. C. C.; PFRIMER, K.; PEDREIRA, R. S.; NOWOSH, V.; PONTIERI, C. F. F.; GOMES, C. O. M. S.; BRUNETTO, M. A. Gene expression of the immunoinflammatory and immunological status of obese dogs before and after weight loss. PLoS One, 15, e0238638, 2020.

YILMAZ, S. K.; YALCIN, E. AYAZ, A. The effect of high protein diets on weight loss and biochemical parameters in obese women. Clinical Nutrition, 37, 15, 2018.

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