Autora: Geovanna Santana Benedito. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ciência Animal, UEL, Londrina-PR. Serviço de Cardiologia Veterinária UEL.
Orientador: Prof. Dr. Fábio Gava (Professor da UEL na área de Clínica Médica de Pequenos Animais)
As cardiomiopatias são definidas como doenças do miocárdio associadas a disfunção sistólica. Nos cães prevalece a cardiomiopatia dilatada (CMD), caracterizada por contratilidade reduzida e dilatação ventricular, acometendo o ventrículo esquerdo, ou ambos os ventrículos. É a cardiopatia de segunda maior prevalência nos cães e é a cardiopatia mais comum em cães de raças grandes, responsável por, aproximadamente, 10% dos diagnósticos em cardiologia veterinária (BONAGURA & VISSER, 2021). Acomete cães de raças grandes e gigantes como o Dobermann, Boxer, Dogue Alemão, São Bernardo e Fila Brasileiro, e pode acometer também o Cocker Spaniel. Tem uma maior prevalência em cães de raças em comparação com cães mestiços. Estudos demonstram que a prevalência pode chegar a mais de 40% em populações de Dobermanns acima dos 6 anos (WESS et al., 2010). A apresentação dos sinais clínicos geralmente acontece por volta dos cinco a sete anos de idade. Os estudos sobre predileção sexual são controversos. Alguns demonstram não haver predileção sexual na CMD, outros demonstram que os machos são acometidos em uma maior proporção que as fêmeas ou que os machos têm uma apresentação mais precoce da doença (DUKES MC-EWAN et al., 2003).
A CMD pode ser classificada em primária ou secundária, ou ainda em idiopática quando não se reconhece uma causa para a doença. Na forma primária a influência de fatores genéticos no desenvolvimento da doença já foi evidenciada em algumas raças e os Dobermanns, por exemplo, apresentam um padrão de herança autossômica dominante (WESS et al., 2010). A forma secundária pode decorrer da deficiência de nutrientes, em consequência de anormalidades metabólicas, de hipotireoidismo ou ainda secundária a miocardite. Deficiência de aminoácidos, como a taurina e carnitina, estão envolvidas na apresentação da CMD (DUKES MC-EWAN et al., 2003). Baixas concentrações de taurina foram relatadas em cães da raça Cocker Spaniel com CMD, com grande melhora clínica após início da suplementação do aminoácido. A deficiência de carnitina pode ser classificada em plasmática e tecidual, sendo assim, uma baixa dosagem de carnitina plasmática auxilia no diagnóstico, porém, concentrações plasmáticas normais de carnitina não excluem a possibilidade de baixas concentrações miocárdicas do aminoácido. Algumas doenças infecciosas são reconhecidas pela possibilidade de causarem miocardite e posterior cardiomiopatia dilatada, são algumas delas a parvovirose, a erlichiose, e a leishmaniose.
A CMD pode ser induzida ainda pela administração de doxorrubicina, quimioterápico que apresenta cardiotoxicidade dose-dependente. A intoxicação com doxorrubicina pode acontecer de forma aguda, minutos após sua administração, a curto prazo, que se manifesta uma a duas semanas após sua administração e de forma crônica, que causa insuficiência miocárdica progressiva quando o paciente recebe doses superiores a 150 a 240 mg/m². Sendo assim, recomenda-se que pacientes em tratamento com doxorrubicina realizem acompanhamento com eletrocardiograma e ecocardiograma de maneira periódica e o tratamento quimioterápico deve ser descontinuado caso a fração de encurtamento caia abaixo de 25%.
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A fisiopatologia da doença consiste em disfunção sistólica e miocárdio ventricular com espessura mais fina que o normal, progredindo para dilatação ventricular esquerda (BONAGURA & VISSER, 2021). A doença pode iniciar também com a presença de arritmias observadas na forma de complexos ventriculares prematuros (VPCs), sendo essa apresentação com arritmias ainda em estágios iniciais da doença, bastante comum nos Dobermanns e nos Boxers. Conforme a doença avança, há evolução para insuficiência cardíaca congestiva esquerda e/ou direita podendo evoluir para diminuição do débito cardíaco, isto é, choque cardiogênico.
A apresentação da CMD pode ser dividida em três fases ou estágios de acordo com a manifestação dos sinais clínicos:
- Estágio I, onde não há sinais clínicos e o coração é normal, ou seja, não apresenta alterações morfológicas.
- Estágio II, ou fase oculta, onde o animal não apresenta sinais clínicos, mas já apresenta alterações morfológicas que podem ser evidenciadas pelo eletrocardiograma e/ou ecocardiograma.
- Estágio III, no qual o paciente já apresenta sinais clínicos. Esse estágio também pode ser denominado de evidente ou sintomático. Os sinais clínicos apresentados por esses pacientes incluem: tosse, intolerância ao exercício/fraqueza, dispnéia, emagrecimento progressivo , síncope e em alguns casos podem apresentar até mesmo morte súbita. Também podem apresentar efusão pleural, pericárdica e/ou abdominal.
As alterações no exame físico variam de acordo com o estágio em que o paciente se encontra, sendo imprescindível a avaliação de escore de condição corporal e escore de massa muscular desses pacientes. Podendo incluir pacientes sem qualquer alteração em exame físico, pacientes com sopro discreto de regurgitação mitral e/ou tricúspide (para avaliação específica de doença valvar em cães a PremieRpet® disponibiliza o material de estadiamento de doença cardíaca, e presença de arritmia. Pacientes em estágio avançado podem se apresentar hipotensos, hipotérmicos, com pulso femoral hipocinético e com alterações em decorrência de quadros de insuficiência cardíaca congestiva (ICC).
Um estudo recente do pesquisador Dr. Gerhard Wess propôs um estadiamento modificado para CMD canina. O estágio A é caracterizado por cães com coração normal, sem anormalidade estrutural ou elétrica, mas que são de raças predispostas a apresentarem CMD, como as raças já citadas anteriormente. Ou ainda cães testados positivos para uma mutação genética conhecida. A inclusão de cães nesse estágio visa uma conscientização dos tutores para a necessidade de exames de triagem regulares.
Estágio B é caracterizado por evidência de desarranjo morfológico ou elétrico na ausência de sinais clínicos de ICC, no entanto, cães nesse estágio podem apresentar síncope. Esse estágio veio para substituir a chamada anteriormente de fase oculta da doença. O estágio B pode ser subdividido em estágio B1 e B2. O estágio B1 inclui cães com arritmias suspeitas de serem causadas por CMD, mas que ainda não apresentam remodelamento miocárdico. Outras medidas ecocardiográficas de função sistólica, por exemplo, podem estar dentro do intervalo de referência ou serem inconclusivas para o diagnóstico da doença. O estágio B2 inclui cães com disfunção sistólica do ventrículo esquerdo já evidentes na ecocardiografia, com ou sem aumento concomitante do ventrículo esquerdo em diástole.
O estágio C refere-se a cães com alterações elétricas e ecocardiográficas e que apresentam sinais clínicos atuais ou anteriores de ICC. E, finalmente, o estágio D refere-se a cães com CMD e que apresentam sinais clínicos de ICC refratários ao tratamento padrão da doença.
O ecocardiograma permite a avaliação morfológica do coração, onde as principais alterações observadas serão: dilatação das câmaras cardíacas esquerdas e disfunção sistólica evidenciada por uma redução da fração de ejeção e fração de encurtamento, hipocinesia miocárdica, aumento da distância E-septo, diminuição da espessura do septo e da parede livre ventricular. E em 2003, foram propostos critérios maiores e menores para facilitar a identificação de casos de cardiomiopatia dilatada. O eletrocardiograma é um exame pouco sensível e específico para identificação de cardiomiopatia dilatada, mas que deve ser realizado para identificar a presença de arritmias nesses pacientes. O Holter visa quantificar os VPCs que esses pacientes apresentam ao longo de 24 horas, a fim de confirmar de fato o diagnóstico da doença e ainda avaliar o grau de complexidade e malignidade das arritmias apresentadas (DUKES MC-EWAN et al., 2003).
Sabe-se que a CMD evolui lentamente com um estágio oculto prolongado, estágio no qual o diagnóstico da doença se torna um desafio já que esses pacientes são totalmente assintomáticos e podem não apresentar qualquer anormalidade no exame físico de rotina. Sabe-se ainda que a prevalência da doença em populações de raças específicas, como o Dobermann, o Boxer e o Dogue Alemão, em idade adulta pode ser alta. Assim, o rastreamento para CMD deve ser iniciada aos três a quatro anos de idade e deve ser realizado anualmente em cães de raças predispostas e cães com histórico familiar de CMD. De tal maneira, a ecocardiografia e o Holter são fundamentais para o diagnóstico precoce da doença, permitindo que esses pacientes sejam tratados e acompanhados de maneira assertiva, garantindo maior longevidade e melhor qualidade de vida.
O tratamento da doença é recomendado para pacientes ainda assintomáticos, mas que apresentem remodelamento miocárdico ou evidente disfunção sistólica. Para esses pacientes é recomendado a utilização de pimobendam, um fármaco que promove inotropismo positivo e vasodilatação, proporcionando melhora da disfunção sistólica. Recomenda-se também que seja realizado o manejo da ICC com a utilização do pimobendam e de diuréticos como a furosemida e a espironolactona, e inibidores da enzima conversora da angiotensina como o enalapril ou o benazepril. As arritmias também devem ser manejadas e nesse cenário os principais antiarrítmicos utilizados são o sotalol e a amiodarona. Recomenda-se, ainda, que esses pacientes recebam dietas específicas, ou seja, alimento específico para cães cardiopatas. No geral, esses alimentos possuem quantidade calórica adequada, sódio e fósforo em quantidades moderadas ou reduzidas, além de níveis elevados de taurina, L-carnitina, EPA e DHA.
No geral, a cardiomiopatia dilatada tem um prognóstico desfavorável e a sobrevida desses cães pode variar de semanas a pouco mais de um ano após o início dos sinais de ICC. Contudo, o tempo de vida pode ser maior quando o diagnóstico e o tratamento são realizados de maneira precoce.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
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DUKES-McEWAN, J. et al. Proposed guidelines for the diagnosis of canine idiopathic dilated cardiomyopathy. J Vet Cardiol, v. 5, p. 7-19, 2003.
SOARES, E. C. Cardiomiopatia dilatada. In: LARSSON, M. H. M. A. Tratado de Cardiologia de Cães e Gatos. São Caetano do Sul: Interbook, 2020, p. 313-331.
STEPHENSON, H. M. et al. Screening for Dilated Cardiomyopathy in Great Danes in the United Kingdom. Journal of Veterinary Internal Medicine, v. 26, n. 5, p. 1140-1147, 2012.
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WESS, G. et al. Prevalence of Dilated Cardiomyopathy in Doberman Pinschers in Various Age Groups. Journal of Veterinary Internal Medicine, v. 24, n. 3, p. 533-538, 2010.
WESS, G. Screening for dilated cardiomyopathy in dogs. Journal of Veterinary Cardiology, v. 40, p. 51-68, 2022.