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Hipercalciuria e alto remodelamento ósseo em cão com cálculo vesical de oxalato de cálcio sob uso de alimento coadjuvante para urolitíase: Relato de caso

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Autor(a): Ammanuel Ouba

Orientador(a): Fernanda Chicharo Chacar

Instituição: Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo (FMVZ-USP)

Trabalho Classificado na 10ª Edição (2024) do Prêmio de Pesquisa PremieRpet®.

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Índice

Resumo

“Urolitíase” é o termo genérico empregado para designar a presença de cálculos no trato urinário. A hipercalciúria, um dos principais fatores de risco para a formação de cálculos de oxalato de cálcio (OxCa), pode ocorrer por aumento do “turn-over” ósseo, hiperabsorção intestinal ou defeitos na reabsorção renal deste mineral. Um cão mestiço de Yorkshire, 12 anos, com cálculos vesicais de OxCa, sob uso de alimento coadjuvante para a prevenção de urólitos de OxCa e dissolução de estruvita, foi submetido à colheita de sangue e urina para a realização de exames de rotina, e para a mensuração da razão cálcio:creatinina urinária (Ca:Cru), pelo método colorimétrico, e do marcador sérico ósseo β-crosslaps, pelo método de ELISA. Foi observada, então, hipercalciúria (Ca:Cru: 0,08) e aumento da reabsorção óssea (β-crosslaps = 8,68 ng/ml). Diante de tais resultados, hipotetizou- se que a hipercalciúria esteve associada ao aumento do remodelamento ósseo nesse caso. O presente relato contrasta com os resultados de estudos realizados sem padronização dietética, em que cães formadores de cálculos de OxCa com hipercalciúria possuem menor turn-over ósseo, e que, portanto, a origem do aumento da excreção urinária de cálcio poderia ser hiperabsorção intestinal. Como limitação, o animal do presente relato não foi avaliado para a absorção intestinal ou a excreção fecal de cálcio. Estudos adicionais utilizando padronização dietética são necessários para compreender o efeito da interação “intestino x osso x rins” no desenvolvimento de hipercalciúria e na formação dos urólitos de OxCa em cães, a fim de se prevenir recorrências e conferir maior qualidade de vida aos animais acometidos.

A origem da hipercalciúria e seus efeitos sobre a formação de cálculos de oxalato de cálcio

“Urolitíase” é o termo genérico empregado para designar a presença de cálculos no trato urinário. Nas últimas décadas, houve evidente aumento na ocorrência, especialmente, dos cálculos de oxalato de cálcio, os quais apresentam mais de 40% de recorrência (HESSE, 1990; OSBORNE et al., 2009). A hipercalciúria é considerada um dos maiores fatores de risco para o desenvolvimento dos urólitos dessa natureza., sendo definida pela Ca:Cru maior que 0,05, em jejum (GROTH et al., 2019).

A hipercalciúria pode ser decorrente de (1) aumento do “turn-over” ósseo; (2) hiperabsorção intestinal, ou (3) dos defeitos na reabsorção renal de cálcio (TANG; CHONCHOL, 2013). A reabsorção óssea aumentada está associada a condições como hiperparatireoidismo e desnutrição; em humanos, a relação entre o aumento da reabsorção óssea e hipercalciúria é bem estabelecida (SARAIVA; LAZARETTI- CASTRO, 2002; SUTTON; WALKER, 1986).

Já a hipercalciúria absortiva ocorre por causas primárias, caracterizadas pelo aumento da absorção intestinal de cálcio, ou causas secundárias, de cunho dietético. Quanto à maior eliminação renal de cálcio, esta decorre de defeitos na reabsorção tubular renal, principalmente no túbulo proximal, responsável por 65% da absorção de cálcio. Esses defeitos podem ser secundários a doença renal crônica (DRC) ou podem ter causas genéticas. Além disso, causas farmacológicas, como o uso de glicocorticoides e diuréticos de alça, podem aumentar a excreção de cálcio urinário, entre outros minerais (GARCÍA NIETO et al., 2019; PAK et al., 2011; WORCESTER; COE, 2008).

Na espécie canina, a origem da hipercalciúria em pacientes com cálculos de oxalato de cálcio é pouco compreendida. Em um estudo caso-controle, retrospectivo, realizado em cães com hipercalciúria idiopática e urolitíase por OxCa, foi observada correlação negativa entre os valores da Ca:Cru e de β-crosslaps. O β-Crosslaps é um peptídeo que compõe a porção terminal do colágeno tipo-1, sendo liberado, portanto, durante a degradação da matriz extracelular óssea (HLAING; COMPSTON, 2014; MARNY MOHAMED, 2018; OKABE et al., 2001);

desta forma, níveis elevados do β-Crosslaps indicam aumento no processo de remodelamento ósseo. (ARRABAL-POLO et al., 2012, 2014; GIRÓN-PRIETO et al., 2017; LUSKIN et al., 2019). Tal marcador não está disponível para uso rotineiro, sendo o seu emprego exclusivo para fins de pesquisa.

Os resultados do estudo supracitado indicaram que cães formadores de cálculos de OxCa apresentaram menor reabsorção óssea, quando comparados aos cães saudáveis. Os autores aventaram, então, que a origem da hipercalciúria nestes casos poderia ser atribuída a defeitos renais de reabsorção ou devido à hiperabsorção intestinal (LUSKIN et al., 2019).

Dada a hiperabsorção intestinal como uma causa de hipercalciúria, o manejo dietético desempenha papel crucial na prevenção dessa condição, e por conseguinte, das suas consequencias clínicas, como a urolitíase por OxCa. A urolitíase associada a cálculos de OxCa, sendo insolúvel, requer intervenção minimamente invasiva ou cirúrgica para a sua remoção, cabendo ao alimento coadjuvante e as demais medidas nutricionais, ambientais e comportamentais, a tarefa de corrigir a causa e prevenir recorrências. Portanto, o adequado manejo dietético é essencial na abordagem clínico dos urólitos de OxCa.

Para a prevenção de cálculos de OxCa, O ACVIM (American College of Veterinary Internal Medicine) recomenda, em seu consenso, o uso de dietas com menor teor proteico, a redução supersaturação urinária e contra-indica a acidificação urinária. Dietas com alto teor de proteína estimulam a excreção de cálcio urinário e reduzem a excreção de citrato, um modulador da formação de urólitos dessa natureza. Além do mais, dietas que promovem a acidificação urinária foram associadas à formação de cálculos de OxCa (LULICH et al., 2016).

Diante das altas taxas de recorrência dos cálculos de OxCa, a identificação dos fatores predisponentes para a sua formação é fundamental. Desta forma, o presente relato de caso objetiva reportar um caso clínico, no qual buscou-se investigar se o paciente apresentava hipercalciúria e aumento do remodelamento ósseo, para que assim fossem tomadas as devidas medidas terapêuticas e preventivas.

Relato de caso

Canino, 12 anos, macho, 8 kg, ECC: 5/9, EMM: 3/0-3, mestiço de Yorkshire, inteiro, e sem histórico de antecedentes mórbidos. O cão foi admitido no Serviço de Clínica Médica de Pequenos Animais, do Hospital Veterinário da Faculdade de Medicina  Veterinária  e  Zootecnia,  da  Universidade  de  São  Paulo (HOVET/FMVZ/USP), devido à queixa de iscúria há dois dias. Ao exame físico, verificada sensibilidade dolorosa à palpação abdominal, principalmente na região hipogástrica, e vesícula urinária repleta e de consistência firme, sendo constatado quadro de obstrução uretral. O exame ultrassonográfico abdominal revelou a presença de estruturas puntiformes suspensas e aderidas no interior da vesícula urinária. No que diz respeito ao exame radiográfico, várias estruturas de radiopacidade mineral, amorfas, foram identificadas em topografia de vesícula urinária, sendo a maior delas com 0,40 cm, o que corrobora o diagnóstico de urolitíase presumidamente de oxalato de cálcio. O exame de urina foi realizado e apresentou densidade urinária de 1,016, sem alterações nos demais parâmetros.

O animal foi então submetido ao procedimento de cistotomia para a remoção dos cálculos, a qual ocorreu sem intercorrências, havendo melhora total do quadro, segundo relato do tutor à ocasião do retorno. O urólito foi submetido para análise qualitativa e quantitativa, sendo o resultado descrito a seguir: o corpo do cálculo apresentou constituição de 40% de OxCa monoidratado e 60% diidratado, enquanto que a parede apresentou 100% de OxCa diidratado. Não houve elementos mensuráveis no núcleo e na superfície do cálculo.

Foi preconizado alimento coadjuvante para a prevenção de urólitos de OxCa, com os seguintes níveis de garantia: proteína (21,0%; 57,5 g/1000 kcal); cálcio (mín.: 0,9%; 24,6 mg/1000 kcal; máx.: 1,3%; 356 mg/1000 kcal); fósforo (mín.: 0,7%; 19,1 mg/1000 kcal; máx.: 1,2%; 32,8 mg/ 1000 kcal); extrato etéreo (mín.: 9%; 24,6 g/1000 kcal). Após 15 dias, foi realizado o acompanhamento clínico- laboratorial, e de imagem; o tutor negou quaisquer manifestações clínicas do trato urinário, exceto pela ocorrência de poliúria e polidipsia. Quanto aos resultados dos exames realizados, as alterações verificadas foram hipercolesterolemia (colesterol sérico de 336,9 mg/dL em jejum), isostenúria (densidade urinária de 1,019) e pH urinário de 5,0.

A mensuração da razão Ca:Cru também foi realizada, pelo método colorimétrico, de acordo com protocolo de validação prévio do Laboratório Clínico da FMVZ/USP, e o resultado foi de 0,08, o que corroborou a hipótese diagnóstica de hipercalciúria.

Dado o interesse didático-científico do caso, foi realizada a determinação sérica de β-crosslaps, por meio da técnica de ELISA, utilizando-se um kit comercial, já validado para a espécie canina (LUSKIN et al., 2019); o valor obtido foi de 8,68 ng/mL, indicando possível aumento do remodelamento ósseo, já que a mediana de valores obtidos na literatura para animais com “turn-over” ósseo normal é de 0,66 ng/mL (LUSKIN et al., 2019).

Após 30 dias, o alimento coadjuvante para a prevenção dos urólitos de oxalato de cálcio foi suspenso. O tutor foi instruído sobre a necessidade de observar continuamente as manifestações do trato urinário inferior, como disúria, hematúria ou iscúria, e também foram mantidas as recomendações de maior estímulo à ingestão hídrica e à micção, bem como o oferecimento ao animal de alimento comercial super premium para a manutenção.

Discussão

O animal do presente relato apresentou hipercalciúria (Ca:Cru: 0,08) e aumento do remodelamento ósseo (β-crosslaps = 8,68 ng/ml). Tal resultado contraste aqueles reportados por Luskin e colaboradores, em que os animais formadores de cálculos de OxCa hipercalciúricos apresentaram menores concentrações séricas de β-crosslaps do que o grupo controle (LUSKIN et al., 2019).

Vale destacar que as medições do cálcio total, cálcio iônico e fósforo sérico do animal permaneceram dentro da normalidade. Diante do fato de o animal não estar sob tratamento com medicamentos hipercalciúricos, receber uma dieta padronizada e não apresentar alterações minerais ou metabólicas, a hipótese mais plausível para a hipercalciúria parece estar relacionada a um aumento notável do β-crosslaps, indicando um possível aumento no turn-over ósseo. Entretanto, a mensuração da excreção fecal de cálcio ou a avaliação da absorção intestinal deste mineral não foi realizada, não sendo possível afirmar se hiperabsorção intestinal também estava presente.

O aumento do colesterol sérico observado neste caso pode ser atribuído ao alto teor de gordura e energia metabolizável presente nesse tipo de alimento (extrato mín.: 9%; 24,6 g/1000 kcal e energia metabolizável 3.542 kcal/kg). Alguns estudos em cães da raça Schnauzer reportaram uma possível relação entre urolitíase por OxCa e dislipidemia, entretanto, até onde sabemos, em cães da raça Yorkshire, não há relatos (PAULIN et al., 2022).

O relato de polidipsia e poliúria em todos os animais do projeto pode ser atribuído ao uso da dieta coadjuvante, que tem como objetivo a redução da saturação urinária. Isso pode também justificar a diminuição da densidade urinária observada no exame de urina.

Para além da instituição do alimento coadjuvante para a prevenção de OxCa, a preconização de medicamentos para impedir a maior excreção urinária de cálcio, como a hidroclorotiazida, ou ainda, que atuem sob o remodelamento ósseo, inibindo-o, como os bisfosfonados, também deve ser considerada. Entretanto, a avaliação seriada para confirmar a persistência da hipercalciuria e alto remodelamento ósseo faz-se necessária, além de ser importante para o monitoramente clínico.

Conclusão

A avaliação do metabolismo mineral em cães com urolitíase por OxCa é extremamente importante para a elucidação da causa de base. Dentre as múltiplas origens da urolitíase por OxCa em cães, deve-se considerar a ocorrência de hipercalciúria. O adequado manejo nutricional aliado às medidas farmacológicas podem ser grandes aliados na prevenção de recorrências.

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