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Hiperparatireoidismo Secundário Nutricional em Felino Doméstico: Relato de Caso

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Autor(a): Tayane Leal Luza

Orientador(a): Giovana Adorni Mazzotti

Instituição: Centro Universitário de Brasília – CEUB

Trabalho Classificado na 10ª Edição (2024) do Prêmio de Pesquisa PremieRpet®.

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Índice

Resumo

O hiperparatireoidismo secundário nutricional (HSN) é um distúrbio metabólico raro em gatos, no qual ocorre hipersecreção de paratormônio (PTH) em razão de um desequilíbrio na relação de cálcio e fósforo em decorrência. Os sinais clínicos costumam ser mais evidentes nos gatinhos jovens, podendo ser observados sinais associados a osteopenia, como fraturas de ossos longos e corpos vertebrais, claudicação, cifose, lordose e constipação. Também podem acontecer tremores, fasciculações, espasmos musculares, excitação, tetania e hipocalcemia. O diagnóstico é dado por meio de anamnese, sinais clínicos, exames radiográficos e dosagem sérica de cálcio iônico e PTH. O presente trabalho tem como objetivo relatar um caso de HSN em felino macho de quatro meses de idade alimentado somente com carne vermelha crua sem suplementação desde o desmame. O gato apresentava histórico de apatia, constipação, claudicação de membro pélvico direito, além de dor ao caminhar. No exame radiográfico foi constado fratura patológica em fêmur proximal direito e diminuição generalizada da radiopacidade óssea. A dosagem sérica de cálcio iônico mostrou hipocalcemia (0,89 – 1,2 a 1,9 mmol/L). Com base nos exames realizados e nos dados clínicos estabeleceu-se o diagnóstico de HSN. O tratamento foi estabelecido com correção cirúrgica da fratura, repouso, analgesia e correção do desequilíbrio nutricional instituindo o uso de ração comercial para filhotes de qualidade super premium. Após um mês o mesmo obteve alta clínica e melhora significativa, havendo então cura da sua condição.

Introdução e Revisão de Literatura

O hiperparatireoidismo secundário nutricional (HSN) é uma enfermidade óssea metabólica e endócrina que aumenta a atividade osteoblástica e osteoclástica, ocasionando hipocalcemia crônica em virtude de uma deficiência nutricional de cálcio (NELSON; COUTO, 2015). O desbalanço na concentração desse mineral e do fósforo pode ocorrer nos casos de dietas exclusivamente e/ou predominantemente a base de carne, (CABRERA, 2023) oferta de alimentos designados a dieta humana, dietas caseiras ou naturais não suplementadas com cálcio e deficiência nutricional de vitamina D (CABRERA, 2023). A vitamina D nos gatos é um requisito dietético essencial, pois diferente dos seres humanos, esses animais não sintetizam quantidades adequadas dessa vitamina apenas com a exposição à radiação ultravioleta (GONZÁLEZ, 2020).

A glândula paratireoide secreta paratormônio (PTH) para regular as concentrações séricas de cálcio, no caso de redução desse composto e aumento do fósforo sérico. Fisiologicamente, tal resposta tem o objetivo de normalizar a calcemia e promover a homeostase (SERAKIDES; OCARINO, 2023). Entretanto, a liberação de PTH na corrente sanguínea de forma intensa e crônica prejudica o organismo resultando em doenças como osteodistrofia fibrosa, osteopenia generalizada, reabsorção óssea e consequentemente diminuição na massa óssea (CABRERA, 2023).

Embora raro nos dias atuais, devido ao avanço das alimentações industrializadas nutricionalmente balanceadas, a HSN é vista esporadicamente (MACEDO, 2018) havendo ainda certa relevância na clínica de felinos principalmente em animais jovens, devido à alta demanda de cálcio necessária para o crescimento ósseo (CABRERA, 2023). Clinicamente a HSN manifesta-se através de claudicações, fraturas ósseas, constipação, depleção de cálcio sérico, relutância ao se mover, apatia, dor a palpação e marcha anormal (SERAKIDES; OCARINO, 2023), podendo ainda apresentar perda de peso, retenção urinária e anorexia (MACEDO et al., 2018). Alguns sinais neurológicos podem ser apresentados no caso de fratura na coluna vertebral e compressão nervosa como consequência. (CARDOSO et al., 2023)

O seu diagnóstico é feito a partir de anamnese detalhada, exame físico, exames de sangue para avaliar os níveis de cálcio e fósforo, radiografias e medição hormonal do PTH, concentrações séricas de T3 (triiodotironina) e T4 (tiroxina), que podem ser indicadores de hiperparatireoidismo segundo Peterson (2001), que relatou que aproximadamente um quarto dos gatos com hiperparatireoidismo tem a concentração de T3 normais e T4 aumentada.

O tratamento é focado na correção das deficiências nutricionais, em especial cálcio e fósforo, através do fornecimento de uma alimentação balanceada, analgesia se necessário e repouso.

O prognóstico é favorável na maioria das vezes, com exceções de casos que venham a apresentar fraturas vertebrais, devido a possível acometimento neurológico (CARDOSO et al.,2023; PARKER et al., 2015).

O presente trabalho tem como objetivo descrever um raro caso de HSN em gato doméstico de quatro meses de idade e contribuir para a base de dados de pesquisa, tendo em vista a pouca literatura disponível e a sua importância na clínica medica de felinos.

Relato de caso

Relata-se o caso de um filhote de gato com 4 meses de idade, SRD, macho inteiro, com histórico de queda há 3 dias anteriores a consulta, de altura não superior a 1 metro, e desde então caminhava com dor e estava mais prostrado. Também relata que havia tremores na face e que o gato “mastigava o ar” e fechava os olhos, parecendo bastante incomodado, após a alimentar-se. Relata que o animal foi adotado recém-nascido, quando era nutrido com fórmula de leite comercial para animais, mas quando iniciou a introdução à dieta sólida ele recusou a ração. Desde então vem se alimentando exclusivamente com carne bovina crua, sem nenhuma suplementação.

Ao exame físico foi constatado escore corporal 5 (escala de 1-9, FREEMAN, 2011), pesando 1,9kg, temperatura retal 38ºC, TPC <2 segs, normohidratação, normotensão, sem alteração nos parâmetros cardíacos e respiratórios. Entretanto, foi constatado deambular rígido com arqueamento de coluna em cifose, além de dor à palpação de membros e coluna, principalmente membro pélvico direito. Durante a consulta, o animal não apresentou miofasciculações. Quando realizado a inspeção da cavidade oral, o gato demonstrou sinais de dor retirando a face e fazendo os movimentos mastigatórios com cerramento dos olhos. Foi estabelecido escore 7 de dor pela Escala de Grimace Felina (FREIRE, 2021).

Considerando a anamnese e o exame físico, suspeitou-se de hiperparatireoidismo secundário nutricional. Foram solicitados exames bioquímicos e de imagem para avalição do quadro clínico geral, e tentativa de estabelecer um diagnóstico.

Nos exames sanguíneos foram observadas alterações apenas na fosfatase alcalina, em virtude da fratura que o paciente apresentava, (299 U/I – 0 – 111 U/I). O cálcio total estava dentro dos valores de referência, entretanto, próximo ao limite inferior. Entretanto, o cálcio iônico apresentou-se abaixo do valor de referência (0,89 – 1,2 a 1,9 mmol/L). Não foi solicitado PTH devido ao alto custo e impossibilidade financeira do proprietário.

O exame radiológico mostrou osteopenia generalizada com diminuição da radiopacidade óssea e adelgaçamento das corticais, mais evidente em coluna vertebral lombar e coxal, além de fratura em fêmur direito proximal a cabeça do fêmur, sendo diagnosticado a hipocalcemia.

Como tratamento foi instituída a analgesia com tramadol 2mg/kg SC BID e robenacoxibe 0,1mg/kg SC SID, além de dieta com ração de qualidade super premium para filhotes seca e úmida, as quais o gato aceitou prontamente. Foi realizada a cirurgia para correção da fratura que se apresentava em galho verde utilizando placa neutra com 2 parafusos proximais e 3 parafusos.

O gato permaneceu internado durante 30 dias para manutenção do repouso, sendo que a analgesia com opioide foi substituída 3 dias após a cirurgia para a Gabapentina 2mg/kg BID. Nessa ocasião o gatinho não apresentava mais sinais de desconforto, estava ativo e locomovendo-se com maior agilidade.

Após 30 dias do início da dieta comercial, o cálcio iônico havia normalizado (1,4mmol/L – 1,2 a 1,9 mmol/L) e as radiografias demonstraram consolidação óssea completa. O gato apresentava plena recuperação com uso do membro que sofreu a fratura, sem sinais de dor ou desconforto. O animal obteve cura do quadro de hiperparatireoidismo secundário nutricional, recebendo alta médica.

Figura 1 Fratura em galho verde com formação de calo ósseo. Figura 2 Diminuição generalizada da radiopacidade óssea. Figura 3 Radiografia após tratamento cirúrgico.

Discussão

Com o avanço tecnológico nas alimentações industrializadas no mercado para pets nos dias atuais, as rações fornecidas tornaram-se alimentos completos que contam com níveis nutricionais adequados, contribuindo para que o HNS fosse considerado uma doença rara (ZANETTE, 2023). Entretanto, é comum ainda que pessoas leigas entendam de forma simplista e errônea que o gato é um animal carnívoro e a partir disso tiram conclusões de que o mesmo pode ser alimentado apenas com carne. Além disso, as alimentações naturais têm ganhado força pelo mundo, mas muitos proprietários não procuram profissionais para que essa dieta seja feita adequadamente, o que contribui para casos esporádicos de HNS na atualidade (HALFEN et. al., 2017).

Dimopoulou et al (2010) explica que a proporção de cálcio para fósforo na carne varia de 1:10 a 1:50. No organismo dos felinos, essa proporção necessita ser de 1:1. Isso explica o porquê no quadro do paciente, a concentração de fósforo estava tão elevada, o que levou a desregulação do cálcio. Quando os níveis de concentração dos íons cálcio diminuem, o mesmo deixa de se ligar ao PTH, inativando a via de sinalização intracelular inibitória e estimulando a liberação de paratormônio na circulação sanguínea. Nos ossos, o aumento da secreção desse hormônio ativa a célula responsável pela reabsorção óssea chamado de osteoclastos que liberam enzimas e ácidos para a digestão da matriz óssea, lugar onde o cálcio e o fosfato ficam depositados. Uma vez fora do osso, esses íons se difundem para os capilares sanguíneos e consequentemente aumentam sua quantidade na circulação (VANPUTTE, 2016), justificando assim o caso do paciente relatado neste trabalho.

As fasciculações musculares se explicam devido as alterações metabólicas induzidas pelo hiperparatireoidismo, pois sabe-se que o cálcio está envolvido no processo de contração muscular (RAHAL, 2003)

No presente trabalho, a dosagem do PTH não foi realizada, Zambarbieri (2023) cita que a dosagem desse hormônio é de utilidade indispensável para o diagnóstico do HSN, mas entende-se que a dosagem do mesmo nem sempre é possível pois o seu uso na veterinária acaba sendo limitado em razão do seu alto custo. Parker (2015) afirma que a dosagem de cálcio é inespecífica para traçar um diagnóstico em virtude da alta secreção do PHT que pode modificar o resultado do cálcio total e do cálcio ionizado.

Prestes (2016) afirma que a radiografia é um excelente exame a ser considerado quando há suspeita de HSN, pois é nele que serão revelados importantes sintomas dessa enfermidade, tais como: fraturas ósseas, osteopenia, colapso da pelve, fratura por compressão vertebral, lordose e cifose da coluna vertebral, reabsorção da lâmina dentária e reabsorção corticais ósseas. Desses sinais citados acima, o paciente mencionado apresentava uma fratura óssea em galho verde e adelgaçamento das corticais ósseas, sendo este mais evidente em coluna vertebral lombar e coxal e osteopenia. Cardoso (2008) afirma, entretanto, que apenas radiografias não são suficientes para detectar mudanças na mineralização óssea abaixo de 30%, entretanto MACEDO (2018) define esse exame como o método mais prático para diagnosticar a doença, pois há determinação da densidade mineral óssea (DMO) para verificar a desmineralização e auxiliando no monitoramento do paciente e evitando fraturas patológicas.

Após o diagnóstico o proprietário foi instruído a realizar a troca da alimentação do paciente, substituindo a carne por ração super premium para filhotes, Ghanem et al (2018) recomenda como tratamento o fornecimento de dieta balanceada e suplementação de cálcio. O paciente relatado nesse caso não necessitou de suplementação desse minério, pois apresentou melhora significativa apenas com a ração que lhe foi ofertado. Não são todos os casos em que é necessária a suplementação de cálcio, a depender da qualidade da alimentação fornecida ao animal (DIMOPOULOU et al, 2010).

Conclusão

Conclui-se que embora o hiperparatireodismo secundário nutricional em felinos domésticos seja raro nos dias atuais, torna-se importante considerá-lo uma enfermidade de importância clínica e que merece relevância em razão de possíveis complicações secundárias causadas pelo mesmo. Ainda que em sua maioria o diagnóstico seja fácil e o prognóstico favorável, na maior parte dos casos o animal responde bem quando tem acesso a uma alimentação de qualidade, suplementada e balanceada.

Referências bibliográficas

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