Orientador(a): Thiago Henrique Annibale Vendramini
Instituição: Universidade de São Paulo
Trabalho Classificado na 10ª Edição (2024) do Prêmio de Pesquisa PremieRpet®.
Índice
Resumo
Os suplementos nutricionais são muito utilizados na medicina veterinária para as mais diversas doenças. Entretanto, seus custos podem ser limitantes para o tratamento, e os níveis de comprovação de benefícios são variáveis para cada afecção e suplemento. O presente estudo objetiva avaliar os principais suplementos para três afecções: doença renal crônica, cardiopatia e obesidade, bem como seus custos. Com base nas variáveis analisadas, foi possível gerar uma tabela com custos diários de suplementação, por quilograma de peso corporal, para cada uma das doenças. Para cada quilograma de peso corporal, considerando todos os suplementos avaliados, o custo diário de suplementação foi de R$0,86 para doença renal crônica, R$5,98 para cardiopatia e R$2,46 para obesidade.
Palavras-chave: obesidade, doença renal crônica, cardiopatia, suplementação nutricional
Introdução
A utilização de suplementos nutricionais configura uma área de crescente interesse para a clínica veterinária ― sobretudo como terapia coadjuvante para animais doentes (FINNO, 2020; FREEMAN et al., 2006). No entanto, embora diversos suplementos tenham sido propostos como potencialmente benéficos para uma série de doenças, muitos ainda não possuem comprovação. Para muitos outros, embora algum efeito tenha sido registrado, a dose eficaz e segura ainda não está estabelecida. Somado a isso, as diferentes formulações e ativos disponíveis no mercado brasileiro podem representar dificuldade de escolha para o clínico veterinário.
A suplementação nutricional para cardiopatia recebeu grande atenção nos últimos anos. Os ácidos graxos ômega-3 eicosapentaenoico (EPA) e docosaexaenoico (DHA) apresentam benefícios para o paciente cardiopata devido a seus efeitos antiarrítmicos e de modulação da inflamação, e são recomendados em uma dose de 40 mg/kg EPA + 25 mg/kg DHA ao dia (FREEMAN, 2010; FREEMAN et al., 1998; SMITH et al., 2007). As deficiências de taurina e l-carnitina foram descritas em pacientes cardiopatas, de forma que sua suplementação pode ser utilizada quando suspeita-se de uma deficiência (FREEMAN; RUSH, 2023). Por fim, a suplementação de coenzima Q10 também foi proposta para cardiopatas, por seus potenciais efeitos antioxidantes e de melhora na contratilidade do miocárdio (FREEMAN; RUSH, 2023).
Para a doença renal crônica (DRC), a suplementação de EPA e DHA também foi proposta, sobretudo por seus efeitos anti-inflamatórios e de prevenção da hipertensão glomerular, um fator importante para a progressão da doença renal (BAUER, 2011). Para estes efeitos, foram propostas diversas doses de EPA e DHA bem como de razão ômega-3/ômega-6 das dietas para suplementação. Ademais, os quelantes de fósforo são amplamente utilizados, principalmente nas fases mais avançadas da doença, com o objetivo de diminuir a absorção intestinal de fósforo e, consequentemente, a fosfatemia (BARTGES; POLZIN, 2010; BARTGES, 2012; PARKER, 2021; POLZIN, 2011ª); diversas substâncias foram propostas e utilizadas, e duas das mais comuns são o hidróxido de alumínio (Al(OH)3) e o carbonato de cálcio (CaCO3) No caso da obesidade, a suplementação de EPA e
DHA também foi proposta, devido a seus efeitos hipolipidêmicos e anti- inflamatórios, que, além de evitar complicações da obesidade, também apresentam benefícios para distrofias osteoarticulares, cujo aparecimento está associado à obesidade (LORENTE-CEBRIÁN et al., 2013; RATSCH; LEVINE; WAKSHLAG,
2022; XENOULIS; STEINER, 2010). A glucosamina e o sulfato de condroitina, precursores de glicosaminoglicanos, apresentam efeito condroprotetor que pode ser interessante para animais obesos (BARBEAU-GRÉGOIRE et al., 2022; BHATHAL et al., 2017; NEIL; CARON; ORTH, 2005; RATSCH; LEVINE;
WAKSHLAG, 2022). Por fim, a suplementação de l-carnitina apresenta potenciais efeitos de amplificação da perda de peso e proteção da massa magra quando associada a dietas de restrição calórica (CENTER et al., 2000, 2012; GERMAN, 2006; ROUDEBUSH; SCHOENHERR; DELANEY, 2008). Embora esse efeito tenha sido mais descrito em felinos, seu uso também foi proposto em cães.
O presente estudo busca avaliar suplementos para três doenças em cães: obesidade, cardiopatia e doença renal crônica, com o objetivo de facilitar as estimativas de custo de suplementação na prática veterinária.
Material e métodos
- Alimentos
Para cada afecção, foram avaliados os alimentos coadjuvantes disponíveis no Brasil em fevereiro de 2024, e registrou-se os níveis de garantia e enriquecimento de acordo com rótulo de cada produto, com foco na inclusão de suplementos nutricionais.
- Suplementos
Com base na revisão de literatura, foram selecionados suplementos e doses para cada afecção, com base na tabela a seguir:
Tabela 1. Suplementos e doses avaliados.
- Tabela 1. Suplementos e doses avaliados.
Pesquisa de valores
Para estimativa de custos, foram visitados 7 websites de drogarias para produtos humanos e 4 websites de lojas especializadas em animais de companhia. Para a pesquisa, os nomes de cada um dos princípios ativos de interesse foram digitados no buscador. Quando um produto se encontrava disponível em mais de um website, a média aritmética de seus valores em diferentes lojas foi registrada como valor. Ao todo, 219 URLs foram consultadas, totalizando 42 suplementos.
Para a l-carnitina para obesidade, cuja dose de suplementação descrita na literatura encontra-se em mg/kg de dieta, foi conduzida uma análise separada, em conjunto aos alimentos coadjuvantes para obesidade. Para as demais suplementações, calculou-se o custo de suplementação mínima e máxima, com base nos limites da tabela, por quilograma de peso corporal ao dia.
Resultados
Custo da suplementação
A tabela abaixo (Tabela 2) contém os custos de suplementação, em R$/kg de peso corporal ao dia, para cada uma das afecções.
Tabela 2. Valores por dia por kg de peso corporal, em reais, para as doses mínima e máxima de cada suplemento.
Alimentos
Foram avaliados 20 alimentos coadjuvantes ao todo. Destes, 4 possuíam indicação para cardiopatias, 8 para obesidade e 8 para insuficiência renal. Todos os alimentos para cardiopatias apresentavam taurina (média = 2527,5 mg/kg) e l- carnitina (média = 695 mg/kg) em sua composição; 75% declaravam ômega-3 ou EPA e DHA. Nenhum dos alimentos apresentava coenzima q10.
Todos os alimentos para DRC declaravam ômega-3 ou EPA e DHA, nenhum apresentava hidróxido de alumínio. Ademais, todos os alimentos nessa categoria apresentavam CaCO3 em suas listas de ingredientes, porém, nenhum declarava níveis de garantia da substância.
Entre os alimentos para obesidade, 62,5% declaravam ômega-3 ou EPA e DHA, 87,5% continham l-carnitina (média = 251,7 mg/kg), e 25% continham glucosamina (média = 500 mg/kg) e condroitina (média = 500 mg/kg).
L-carnitina
Entre os alimentos coadjuvantes para obesidade avaliados, 87,5% continham l-carnitina acima do limite mínimo de suplementação considerado para este estudo (50 mg/kg de dieta), e um único alimento não continha l-carnitina. A média de inclusão de l-carnitina para os alimentos coadjuvantes para obesidade foi de 251,7 mg/kg de dieta.
Discussão
Na prática veterinária, os fatores financeiros são frequentemente limitantes para o tratamento. Com base nesse cenário, a tabela de custos (Tabela 2) representa uma ferramenta interessante para a escolha da suplementação, que deve levar em conta os aspectos clínicos do animal, os potenciais benefícios de cada ativo, e, também, as condições financeiras dos responsáveis para manutenção do tratamento.
É necessário levar em conta que, em virtude da extrema variação de peso encontrada na espécie canina, tais valores podem aumentar dramaticamente, sobretudo para animais de portes grande e gigante. Ademais, dado que tanto a DRC como a maioria das cardiopatias apresentam caráter crônico, a suplementação pode durar por anos, até o fim da vida do animal. Por isso, recomenda-se levar em conta a duração estimada de suplementação ou, para doenças crônicas, realizar a estimativa em custos por mês ou por ano.
Apesar das diversas opções de suplementos no mercado, os reais benefícios de muitos dos ativos utilizados para o manejo de afecções ainda são motivo de debate. A comprovação de efeitos também deve ser levada em conta ao recomendar suplementação para um paciente, sobretudo se já existe restrição financeira.
A utilização de alimentos coadjuvantes com inclusão de suplementos de interesse é uma estratégia interessante para diminuir os custos para os
responsáveis pelos pacientes, bem como facilitar o manejo ao diminuir o número de administrações. Entretanto, dado que as doses da maioria dos suplementos são dadas em mg/kg, enquanto a ingestão alimentar é dada com base no peso metabólico (kg0,75), a dose de suplementos ingerida no alimento não é linear em relação ao peso do animal, de forma que o clínico deve calcular e, se necessário, complementar a ingestão de suplementos.
Nos alimentos coadjuvantes, as diferentes formas de declaração da inclusão de ômega-3, EPA e DHA nos níveis de garantia constituem um desafio na avaliação de rótulos do alimento. O conteúdo total de ômega-3 leva em conta não apenas EPA e DHA, mas outros componentes, como o ácido alfa-linolênico (ALA), que não apresenta os mesmos efeitos descritos e objetivados. Além disso, a declaração de EPA e DHA em conjunto pode dificultar a avaliação para doses de suplementação que requerem quantidades distintas de cada ácido, como a dose recomendada para cardiopatias.
Conclusão
A suplementação nutricional para cães doentes é uma área de grande interesse, e mais estudos são necessários para disponibilizar diretrizes para cada afecção. Os custos de suplementação são variáveis e podem ser limitantes, sobretudo para doenças crônicas e animais de portes grande e gigante. A escolha de um alimento coadjuvante é importante para o manejo das doenças analisadas; a inclusão de suplementos nutricionais nos alimentos coadjuvantes é interessante para o manejo devido aos custos e praticidade. A determinação de um protocolo de suplementação deve levar em conta a composição do alimento escolhido, as condições clínicas do animal, bem como potenciais benefícios dos suplementos, a comprovação de tais benefícios, e os custos de suplementação.
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